Ampliação dos BRICS?

Parece boa ideia, mas não é, nem para o Brasil nem para o bloco

Dilma Rousseff, quando era presidente do Brasil, em 2015, durante VII Cúpula do BRICS. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

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Os BRICS estão discutindo atualmente dois temas estratégicos: a entrada (ou não) de novos países no grupo e a criação (ou não) de uma nova moeda como parte dos esforços de desdolarização da economia mundial. Os dois temas estarão, pelo que se sabe, na pauta da cúpula dos BRICS que acontecerá na África do Sul em menos de um mês. Vou tratar do primeiro e deixar o segundo para outra ocasião. Darei uma resposta contraintuitiva à questão da ampliação do número de países. Parece boa ideia, mas não é – nem para o Brasil nem para os BRICS em conjunto.

É muito expressivo o número de nações emergentes e em desenvolvimento, de todas as partes do mundo, que pleiteiam ingresso nos BRICS – sinal inequívoco do prestígio crescente do grupo no chamado Sul Global. Seriam dezenas de nações, entre elas Indonésia, Irã, Arábia Saudita, Egito e Argentina.

Interessa aos BRICS acolher novos países? Um exame da questão revela, a meu ver, que a ampliação não interessa nem ao Brasil nem aos BRICS como grupo. Ela tende a prejudicar o grupo de duas maneiras: 1. Primeiro, por tornar mais complicada a sua operação, em especial se forem muitos os novos membros. 2. Segundo, porque há o risco de que entrem países de menor porte e potencialmente menos independentes e mais vulneráveis a pressões dos Estados Unidos e do resto do Ocidente.

O primeiro ponto parece evidente. Grupos como BRICS, G-7 e G-20 operam por consenso. Mesmo com apenas cinco integrantes, sempre foi difícil chegar a um entendimento comum. Se o número de membros, digamos, dobrar ou triplicar, as dificuldades de coordenação podem se tornar graves.

O segundo ponto é igualmente importante. Poucos países no mundo, mesmo entre os desenvolvidos, se comparam aos quatro BRICS originais em termos de tamanho e importância. Novos membros serão quase sempre menores, mais dependentes e talvez mais propensos a se deixar influenciar pelos EUA ou a Europa.

Olhando a questão da ótica exclusivamente brasileira, há ainda outros motivos para rejeitar a ampliação do grupo. Aumentá-lo para dez ou 15 membros diluiria consideravelmente o peso do Brasil. E um dos motivos para rejeitar o crescimento do grupo é justamente o que torna a China a principal proponente da ideia. Para nós, o risco é que entre os novos membros do grupo figurem países dependentes da China, cuja influência hoje alcança todos os continentes. Na sua configuração atual, o grupo já é desequilibrado, em razão do peso relativo da China. A ampliação exacerbaria o problema.


A Rússia, por sua vez, engajada numa guerra que ela considera uma “ameaça existencial”, vê com bons olhos tudo que possa reforçar os BRICS como polo representativo do Sul Global em oposição ao Ocidente. A China tem motivação análoga, uma vez que também enfrenta a hostilidade sistemática dos EUA.

Os interesses do Brasil são diferentes. Do nosso ponto de vista, cabe preservar algum equilíbrio interno dos BRICS, evitando que os chineses aumentem mais a sua influência. E nos interessa, acredito, manter o grupo como mecanismo de cooperação pró-BRICS e outras nações em desenvolvimento, e não como um grupo anti-Ocidente ou anti qualquer outra coisa.

O governo brasileiro pode, no limite, emperrar todo processo de ampliação do grupo, impedindo que se forme um consenso. Porém, para evitar um isolamento desagradável, seria oportuno propor outro formato para a ampliação dos ­BRICS. Vejo duas possibilidades, ambas interessantes para o Brasil e para o grupo: 1. Acelerar a ampliação do Novo Banco de Desenvolvimento, mais conhecido como Banco dos BRICS, hoje presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff. 2. Formalizar e ampliar o mecanismo já existente há alguns anos, denominado BRICS+, que permite a participação de não membros nas atividades do grupo, inclusive nas cúpulas anuais. Aqueles que aceitassem esses convites formariam um segundo círculo de países associados aos BRICS, a exemplo do que ocorre no Mercosul, onde alguns países denominados “associados” se somam ao núcleo de quatro membros originais, sem se tornar sócios plenos do bloco.

Que o governo brasileiro não se deixe levar por propostas superficialmente atraentes e não ceda a pressões de outros BRICS, cujas agendas e interesses, como é natural, nem sempre coincidem com os nossos. •

Publicado na edição n° 1270 de CartaCapital, em 02 de agosto de 2023.

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4 comentários

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 30 de julho de 2023 23h49
De fato, caro professor, vejo pertinência em suas considerações a respeito da ampliação pelos BRICS por outros países. Embora as realidades socio culturais em relação do Brasil em relação à China, Rússia, Índia e África do Sul sejam notórias, é fato que esses países possuem em comum o fato de serem países em desenvolvimento, muito embora a China, em breve, esteja cotada a ser a primeira economia mundial. Se a complexidade nos próprios BRICS já representa um desafio para o bloco, imaginemos se houver uma adesão de outros países com realidades econômicas diferentes além da influência estadunidense que poderia ensejar uma ambiguidade perante os membros. Seria mesmo interessante a participação de não membros episodicamente, pelo menos aprioristicamente. Depois, com o redesenho geopolítico do tempo e da história poder-se-ia repensar essa hipótese, mas não nessa próxima cúpula na África do Sul. Concordo plenamente que este não é o momento e não é oportuno para o Brasil.
ricardo fernandes de oliveira 31 de julho de 2023 12h09
Parabéns pelo texto
João Alberto Rodrigues 22 de agosto de 2023 17h10
Eu entendo, por tudo que leio, que a criação de uma moeda única pelo Brics, sofrerá uma direta pressão dos EUA, já que a hegemonia do dólar seria fortemente ameaçada.
Adair José Stancati de Carvalho 22 de agosto de 2023 20h42
Quanta à assinatura, já fiz. Quanto à análise do economista Paulo Nogueira, discordo diametralmente. O conceito do BRICS implica união para o fortalecimento de economias emergentes e não disputa de poder dentro do grupo. Até porque não é por países dependentes da China inseridos neste novo contexto que a China vai deixar de ser a potência que é. A argumentação do Paulo mais se parece com as fofocas desestabilizadoras da grande mídia entreguista, bem como do próprio discurso do governo americano que, indubitavelmente, se vê ameaçado com a nova ordem mundial. Tenho dito. Adair Carvalho. Vargem Grande Paulista/SP-Brasil, com muito orgulho do Presidente Lula.

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