Opinião

Agronegócios e outras artimanhas mais

Caso um cara desmate, fora da lei, 10 mil hectares no Mato Grosso, dizem “foi o agronegócio”. Não. Foi um criminoso

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Preâmbulo 1º: Deveria, mas não me furtarei, não repetir o que escrevo há mais de cinco anos nas colunas deste site e, poucas vezes, na revista impressa, onde sou “dimenor” ou, talvez, “dimaior” em coragem e galhofa. Não esperem modéstia a esta altura da finitude.

Vamos lá, sigamos o ministro da Educação “Vélez Velado”: todos em pé, fila, Hino Nacional e louvor ao presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. A Escola Sem Partido do colombiano condenado por Harmônica, em minha série no GGN.

O que ele está fazendo? Agregando valor ao patriotismo rastaquera. Poderíamos chamar de patronegócio, como as fábricas de parafusos, açonegócio, ou os ourives de ouronegociarem.

Pesquisadores estudam e cultivam as espiroquetas (Spirochaetales), bactéria única que se move em forma helicoidal. Várias cepas delas, unidas, e vestidas pela criatividade do pesquisador, podem formar um bloco no Carnaval de São Paulo e se tornarem um espiroquetanegócio. Sem vestes, nuas, Wikipedia diz “serem agentes patogênicos nocivos ao homem”. Também aos Largo da Batata e Vila Madalena.

É o mesmo com o agronegócio e o quiabo desidratado que o faz perder a gosma e o poder de fazer-nos escorregar. Ou as ostras quando livres de suas cascas não mais aliviam coceiras em nossas costas ao nelas roçarmos. Transformam-se.

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Nas décadas 60 e 70 do século passado, inquietos, como também estávamos, marqueteiros norte-americanos sacaram que a classe produtora agropecuária sofria com a pequena proeminência que tinham na atividade econômica capitalista. Vendo que tudo saía de lá e nas sociedade e publicidade as loas iam todas aos artilheiros industriais, inventaram o agrobusiness. Isto fez com que a atividade ficasse como bem primário apenas quando praticada dentro da fazenda, não antes ou depois.

Um grande empresário brasileiro de sementes, ajudado por dois amigos meus agrônomos, escreveram um livrinho e, de lá até hoje, criaram o que pensaram, e é, bom e, no fim, pelo menos na Federação de Corporações, virou uma maldição.

Não é. Caso um cara desmate, fora da lei, 10 mil hectares no Mato Grosso, dizem “foi o agronegócio”. Não. Foi um criminoso.

Um bando de sulinos grila terras indígenas, “foi o agronegócio”. Não. Foram ladrões canalhas. Se quilombolas são combatidos, também não o são pelo agronegócio, mas por incentivo de certo capitão imbecil, interessado em fazer menor as barrigas e mais reprodutiva a transa daquelas populações.

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Em épocas secas, “foi o agronegócio” pelo uso intensivo de água que causou o desastre. Não foi, mas sim a falta de planejamento e ação de autoridades incompetentes e seus meteorologistas, prováveis futuras apresentadoras de telejornais.

Não confundir, pois, ruralista com bancada ruralista, caboclos, camponeses, campesinos, sertanejos, com jecas-tatus ávidos por Bolsa Família, PRONAF, Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Sabem o que esse povo, sem qualquer distinção de tamanho, quer? Fazer agronegócio ou vender a bons preços seus produtos a quem o faz.

O Brasil é dos poucos países que podem realizar essa dualidade com efetividade soberana e econômica. O único capaz, com facilidade, de realimentar as mesas de milhões de brasileiros que as perderam após 2016. Bastariam recomposição de empregos, renda e consumo.

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Paremos, pois, com esse rami-rami de que ser apenas produtores de bens primários é um infausto. Sim, que seja, mas quantos séculos deixamos passar perdendo oportunidades de não sermos apenas isso? Não o quisemos, e quando estivemos perto de o ser (o nacional-desenvolvimentismo, a partir de Getúlio Vargas) o que preferimos?

Uma sequência de golpes de Estado, políticas econômicas dissonantes com as características de nossos povos e terras, até a teratologia dos dias atuais.

Correr agora para competir em bens manufaturados, duráveis ou não, indústria pesada, infraestrutura, fica para vocês. Se em um século conseguirem, terão feito um bom trabalho.

Segundo preâmbulo: A crer nos dogmas esquerdistas, os agronegócios se equiparam ao Brasil Colônia, aos latifúndios, aos extrativismos criminosos (com quem, se tão pequena a população?), ao escravismo, à dominação da metrópole portuguesa. Respondem-me: [somos contra] O quê? Não ouvi nenhum chiado? Você aí, Zé Pedro, na 4ª Série do Paulistinha, sabe-se lá em qual na escola pública, aceitará?

Verdade. Por cinco séculos atrás e alguns seguintes, assim foi. Como adverte-me o principal editor: “(…) achamos a bancada ruralista, os grileiros, certos plantadores de soja e todos os tipos retrógrados um atraso para o Brasil (…) teme-se que o País se reduza a mero exportador de commodities, o que não seria o ideal”.

Ah o ideal. Claro que não, na rabeira há cinco séculos da industrialização e das inovações tecnológicas agrícolas. Agora, querem o quê, na rabeira de tudo isso, sobrando-nos apenas caprichar na produção otimizada de bens primários, sobretudo os agrícolas. Sobretudo, a produção competitiva de commodities agrícolas.

Claro que sou de esquerda. 20 anos de colunismo atestam isso, mas burro não sou.

Se é preâmbulo, não poderá ser o terceiro, mas como final o será.

Misturar uma atividade que parte da produção de bens primários agrícolas, dentro das fronteiras da fazenda, com os insumos que recebe de fora de suas terras, produz, e depois os transforma, em qualquer maneira, em novos produtos para atender ao consumidor final, é agronegócio, “e não a bancada ruralista, os grileiros, certos plantadores de soja e todos os tipos retrógrados um atraso para o Brasil. E teme que o País se reduza a mero exportador de commodities, o que não seria o ideal, certo”?

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