Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Admirável mundo novo

Vivi décadas sem aplicativo, sem Tim, sem Vivo, sem Claro. Vivi sem caixa eletrônico, sem freio ABS, sem velcro. Agora mudou

Foto: Sajjad HUSSAIN / AFP
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Vivi décadas sem senha. Ninguém tinha, não precisava. Vivi décadas sem Waze pra me levar nos lugares, vivi sem Spotify, numa época que sentávamos para ouvir música que saía de um vinil dentro de uma eletrola.

Vivi décadas sem aplicativo, sem Tim, sem Vivo, sem Claro. Vivi sem caixa eletrônico, sem freio ABS, sem velcro.

Hoje tento me adaptar a esse admirável mundo novo. O meu prédio tem uma academia e pra fazer esteira, levantar um peso, sentar numa bola de pilates, era só pedir a chave pro Bahia, o porteiro da tarde.

Agora mudou. Instalaram uma engenhoca na porta da academia e pra entrar é preciso digitar o número do prédio, o número do apartamento, a senha que você cadastrou e apertar o verde. Aí a porta abre. Adeus à tão simpática e prática chave Pado dourada.

Agora, aprendi a chamar o Uber, a instalar a impressora, a programar a televisão pra gravar a novela Vai na Fé quando não estou, aprendi a pagar contas com o celular. Pra um cara de TI, sei que tudo isso é uma grande bobagem. Seria como dizer aqui que aprendi a acender a luz da sala ou ligar o fogão sem Magiclick. Mas para uma pessoa beirando os 73 anos, isso é um grande passo.

Mas eis que, de repente, o meu celular deu pau. Uma vez, duas vezes. E pra não desembolsar uma meia dúzia de notas de cem reais pra consertar de novo, resolvi comprar um novo.

Minha filha foi quem fez a transação. Sei que no dia seguinte, o Bahia interfonou dizendo que havia uma encomenda pra mim. Era ele.

Vivi numa década em que você comprava uma televisão, chegava em casa e ligava a tomada e pronto. Escolhia o canal, a tonalidade de cor e ela estava funcionando. A última que comprei, fiquei traumatizado quando liguei e apareceu na tela um caleidoscópio e os dizeres: Bem-vindo ao mundo Sony!

Bem, fiquei sabendo que pro novo celular funcionar era só ir na Claro e comprar um chip. Fiquei tranquilo. Fui no Shopping e o vendedor da Claro me recebeu na porta, perguntou se eu tinha comprado o iPhone naquela loja e quando eu disse que tinha sido pela internet, no Magazine Luiza, ele nem me convidou pra entrar.

Se não comprou aqui, nada feito! O senhor tem de ir na iPlace.

Sorte que tinha uma loja iPlace no mesmo corredor da Claro. Cheguei animado e também não entrei na loja. Antes de mais nada, a mocinha perguntou se eu tinha comprado o aparelho naquela loja. Como não tinha comprado ali, fui logo ouvindo:

O senhor vai ter de ir na Apple!

Gelei. Fiquei imaginando, com o meu pessimismo, que a Apple devia ser em Santo André, São Bernardo, São Caetano, quiçá Diadema.

Voltei pra casa pra esfriar a cabeça e quando minha filha mais nova veio nos visitar e eu contei a ela o meu drama, ela pediu pra ver o celular novo e pediu também o velho que estava se aposentando.

Num passe de mágica, ela encostou um aparelho no outro, de vez em quando via a tela do mais novo, digitava alguma coisa e foi indo. Uns cinco minutos depois, ela pediu a agulhinha pra trocar o chip. E pronto!

Ela me entregou o celular novo, com todos os aplicativos, com minha agenda de 732 nomes, até aquele aplicativo que mostra quantos quilômetros você andou num dia estava lá.

Eu não acreditei, mas eu tinha um celular novo funcionando a todo vapor. Foi quando alguém ligou e eu fiquei assustadíssimo com o barulho, parecia uma cavalgada intergalática.

Minha filha percebeu o meu susto e disse, simplesmente.

– Dá aqui que vou trocar essa tonalidade. E trocou, em poucos segundos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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