

Opinião
Adeus a Zagallo
Minha história com o Lobo começou com a admiração que sempre nutri pela Seleção de 58, na qual jogaram os “santos do meu altar”


As duas primeiras semanas deste início de ano vieram arrasadoras, com a reintegração de Ednaldo Rodrigues à presidência da Confederação Brasileira de Futebol, a morte de Mário Jorge Lobo Zagallo, na sexta-feira 5, e a partida de Franz Beckenbauer, considerado o maior nome da história do futebol alemão, na segunda-feira 8.
O retorno de Ednaldo é um fato de grande importância, tendo em vista o momento pelo qual passa o futebol brasileiro. O que a Justiça alega é que, com a presidência vaga, o Brasil corre o risco de ficar suspenso das disputas internacionais.
Diante dessa situação de descalabro, precisamos intensificar o debate para encontrar a solução com menos consequências negativas para o nosso combalido futebol.
Já relembrei aqui neste espaço que foi preciso sair de uma derrota em casa na Copa de 1950 para, depois de um longo trabalho, chegarmos à primeira conquista de uma Copa do Mundo, em 1958.
Sobre a vida de Zagallo, quase tudo foi dito nas muitas reportagens e artigos que se seguiram ao seu falecimento. Vou então aproveitar este espaço para relembrar o nosso relacionamento
Vejo Zagallo como um “missionário” do futebol. Sua vida foi de dedicação integral à profissão que, literalmente, abraçou – sabemos que uma das características principais de sua trajetória foi agarrar-se às suas convicções e ir até o fim.
E acho que, nisso, fomos parecidos. Dessa sua postura veio a expressão que acabou por ficar cravada em sua imagem: “Vão ter que me engolir”.
Minha história com o Lobo começou com a minha admiração maior pela Seleção de 58, a ponto de dizer que aqueles jogadores são os “santos do meu altar”.
E Zagallo era, nesse grupo, a “formiguinha” no trabalho de cimentar a dificuldade principal de um time de futebol: a ligação entre defesa, meio de campo e ataque.
Esse momento marcou a passagem da formação do meio de campo com dois jogadores para o chamado 4-3-3, que Telê Santana também fazia pela direita, no Fluminense, e deve ter facilitado sua carreira de treinador vitorioso.
Cheguei ao Botafogo em janeiro de 1965, depois de dois campeonatos na Segunda Divisão do campeonato paulista de profissionais, com idade entre 15 e 16 anos, inscrito como amador no XV de Jaú.
No primeiro ano de Botafogo, joguei nos juvenis (sub-17) e fomos vice-campeões com o Adalberto, originalmente goleiro, atuando como técnico. Não demorou para que eu passasse a ser aproveitado nas partidas profissionais. Joguei o segundo ano de juvenil já integrado ao profissional, agora com Zagallo de técnico. E fomos campeões.
Uma lembrança forte que guardo de Zagallo, nesse tempo, é que ele chegava em um Fusca – o controverso presente dado aos ganhadores da Copa de 70. Sempre muito metódico, colocava seus valores num lenço que amarrava e entregava a Otacílio, o roupeiro do acanhado vestiário sob a arquibancada de General Severiano.
Otacílio, já adoentado, gostava de provocar a garotada que, chegada de São Paulo, dava o nome de faixas aos rolos de proteção dos tornozelos – no Rio, chamadas de ataduras.
Lembro-me também da resposta de Zagallo quando questionado pelos garotos sobre a melhor forma de amarrar as chuteiras, quando as velhas botinas – nas quais os cadarços trespassavam pelo peito do pé e por trás do calcanhar até serem presas na canela – foram substituídas por calçados mais simples, usados até hoje: “Cada um dá o seu jeito”.
Nesse meio de caminho, acabei ficando mais conhecido por ter participado do campeonato brasileiro de seleções estaduais de amadores.
Era um torneio muito prestigiado, a ponto de o juiz da final ter sido Armando Marques, o principal daquele tempo. Os jogos contavam com a presença dos mais destacados dirigentes, a começar por João Havelange, nas Laranjeiras lotadas, com cobertura de toda a imprensa esportiva.
Nessa final, fiz um gol “espírita”, na prorrogação, de cabeça, de fora da área, numa rebatida de soco do goleiro da seleção paulista.
O treinador foi Valter Miraglia, com a comissão técnica e as instalações de preparação cedidas pelo Flamengo. Fomos tetracampeões brasileiros em uma época em que o Rio de Janeiro era o que mais valorizava a formação de base.
Zagallo, por sua vez, assumiu o time principal do Botafogo e promoveu vários jogadores do juvenil – hoje juniores –, começando a formar o time do segundo melhor período do Botafogo, depois daquele que serviu de base para os títulos mundiais de 58 e 62.
Nosso adeus a essa grande figura. •
Publicado na edição n° 1293 de CartaCapital, em 17 de janeiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Adeus a Zagallo’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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