Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A violência de Roberto Jefferson antecipa o que nos avizinha

No domingo, podemos dar um passo em direção a alguma reconstituição democrática retirando da presidência, ao menos por meio das urnas, o movimento fascista do bolsonarismo

O ex-deputado federal Roberto Jefferson. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Enfim, cá estamos. Sete dias nos separam de alguma tentativa de recuperar algum traço civilizatório e a barbárie instituída. A demonstração cristalina dessa encruzilhada está no fato de que deveríamos estar discutindo as melhores propostas de políticas públicas, mas estamos examinando o fato de um político bolsonarista ter recebido a tiros e granadas agentes da Polícia Federal. 

O estado de infâmia é tal que uma barbaridade deste nível sequer chega a ganhar um carimbo de escândalo na maioria dos veículos. O jornal inglês The Guardian, por exemplo, noticiou o fato com as devidas credenciais: “Aliado de Bolsonaro, Roberto Jefferson….”. Tente procurar uma manchete equivalente nos grandes portais brasileiros. A regra, desde sempre, é desvincular Jair Bolsonaro daquilo que lhe é imanente. A ordem sempre foi de naturalizá-lo. Duvida? Tenta buscar notícias que contenham a combinação das seguintes palavras: “Jair Bolsonaro” + “escândalo”. O governo mais escandaloso da história não tem um escândalo midiático sequer. 

Mas a coisa só piora. A própria Polícia Federal sequer cogita algum tipo de declaração ou manifesto repudiando a base de sustentação ideológica que permite que um aliado do Presidente da República aja como agiu. Circula pelas redes um vídeo dos bastidores da prisão, que mostra Roberto Jefferson sendo tratado com uma doçura ímpar por parte dos policiais. Fariam o mesmo diante de um cidadão periférico que os recebesse com tiros de fuzil em alguma favela do Brasil? 

Jair Bolsonaro não é um acidente. Nunca foi. Jair Bolsonaro é a representação da essência moral de milhões de brasileiros – que costumam ser romantizados por parte de quem adora cultivar um versão mística da sociedade brasileira. Jair Bolsonaro é, antes de tudo, um reflexo que muitos precisam ignorar para seguir adiante e isso é compreensível – afinal, nós precisamos manter nossos laços afetivos e evitar o isolamento social. 

Há questões conjunturais que explicam esse nosso zeitgeist notoriamente fascista? É claro. Existe a descentralização da comunicação. Não vivemos mais em um mundo em que o regime de visibilidade pública era profundamente controlado pela imprensa, seja ela qual for. Nos tempos digitais, um digital influencer consegue se fazer presente aos olhos de milhões e conquistar recordes de votação para a Câmara dos Deputados. Jair Bolsonaro fez-se visível e reconhecível da mesma forma. 

Nós não mudamos como sociedade rumo ao fascismo bolsonarista. Nós fomos apresentados a ele sem quaisquer filtros ou mediações jornalísticas. O resultado é esse: casamento. Tampouco vale a pena desperdiçar mais tempo discutindo o antipetismo, essa enorme conveniência retórica voltada para camuflar as afinidades notórias entre Jair Bolsonaro e seus eleitores. Sem uma candidatura como a de Lula, esta coluna estaria dedicada a escrever sobre a falência do Estado brasileiro diante da reeleição de Jair Bolsonaro no primeiro turno. Que antipetismo? 

Não precisamos de romantizações. Precisamos de realismo. Uma democracia só resiste aos ímpetos fascistas de seu povo por meio de suas instituições. E esse é um elemento essencial para fazer a leitura correta de nosso tempo. Nunca sairemos ilesos de brincadeiras com a democracia. Estamos pagando o preço do que nossas instituições, inclusive a imprensa, fizeram em 2016. Isso deveria ser uma lição para todos nós, mas, infelizmente, nos falta o mínimo de pedagogia política. 

No domingo, temos a chance de dar um passo em direção a alguma reconstituição democrática retirando da presidência, ao menos por meio das urnas, o movimento fascista do bolsonarismo. Por que falo “ao menos por meio das urnas”? Porque na semana que vem, após a derrota de Jair Bolsonaro, começaremos uma luta ainda mais importante. 

O golpe está aí escancarado para quem quiser ver. A violência de Roberto Jefferson é, antes de tudo, simbólica e denotativa do que nos avizinha. Nunca estivemos tão carentes de nossas instituições como agora. Mas, tudo no seu tempo. No domingo, vou com Lula, Marina Silva, Simone Tebet, o PDT, Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga, Xuxa, Angélica e toda a enorme frente democrática de centro e direita que se consolidou para tentarmos virar essa página. Precisamos de fôlego. Respiremos. A democracia é um tarefa e teremos muito trabalho adiante. 

Boa semana a todas e todos. Estamos juntos. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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