Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A terceira via e seu futuro encantado

Enquanto alguns embarcam no discurso do futuro versus oposição ao passado, o eleitor parece estar fazendo um cálculo bem mais simples

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Lula é uma volta ao passado. Essa máxima se tornou mantra dos entusiastas de uma terceira via. Sustentada por falsas e execráveis equivalências, essa imagem do ‘Lula do passado’ figura ao lado do presente que não se quer: Jair Bolsonaro. A reivindicação é de que temos que olhar para o futuro. Um futuro que não pode remeter ao passado, e deve fugir do presente. 

Há uma dupla curiosidade nesse tipo de raciocínio: o passado é algo ruim per se. O futuro é onde a realização de nossos sonhos estão. Para convertê-lo em boa estratégia política, os defensores da terceira via precisam antes combinar com a lógica. Depois com o presente. E, posterior e principalmente, com os eleitores. 

Em primeiro lugar, a lógica. Se o passado fosse, em si, algo indesejável, dificilmente teríamos tantos deliciosos saudosismos nas artes em geral. Em especial na música e na literatura, para não mencionarmos as ótimas sensações que nos trazem fotos e vídeos dos amigos, da família, das viagens. Seguindo raciocínio similar, se o futuro fosse a condição e a situação ideal que almejamos para superar o passado e o presente — ruins em si, nessa lógica — a ficção científica dificilmente existiria.

Eis, em segundo lugar, o presente como referencial de futuro. Dificilmente vislumbra-se um futuro desejável sem considerar elementos do presente. O binóculo que usamos para enxergar o que pode estar adiante tem as lentes do presente. E, em termos de política, se usamos as lentes do nosso atual estado de calamidade, por que trocaríamos uma perspectiva de passado por uma aposta de futuro ancorada num presente de tragédias?

Quando consideramos as últimas pesquisas, parece bastante claro que a liderança absoluta de “um candidato do passado” se explica por um comportamento eleitoral há muito conhecido pelas Ciências Sociais: o voto retrospectivo. Enquanto alguns embarcam na nau da terceira via com o discurso do futuro versus oposição ao passado, o eleitor parece estar fazendo um cálculo bem mais simples: como era minha vida no passado representado por uma dos candidatos versus como está minha vida agora.

Se verificamos o favoritismo absoluto de Lula em toda e qualquer sondagem de intenção de voto que é publicada e repercutida, não parece haver dúvidas de que o eleitor quer que seu futuro se assemelhe ao passado dos governos do petista. 

Há quem diga que esse passado é idealizado, afinal, e a corrupção dos tempos petistas na Presidência? Bem, esse ainda será um tema a ser testado no pleito de 2022. É exatamente no que os entusiastas da candidatura de Sergio Moro apostam, afinal. Mas há dois problemas aí. Explico porque.

Primeiro, 2018 gerou muita confusão. Muitos defendem que foi o discurso anticorrupção que levou Jair Bolsonaro ao poder, sem considerar que ser anticorrupção é uma espécie de obrigação discursiva de qualquer cidadão e eleitor. O sujeito ‘anticorrupção’ que justifica seu voto contra o PT com base nessa posição votou num sujeito que construiu um aeroporto em propriedade privada de sua família em um município mineiro usando dinheiro do contribuinte de Minas Gerais.

Corrupção como tema eleitoral é, em si, muito pouco elucidativo diante da flexibilidade com o que o assunto é mastigado e digerido pelos cidadãos. Marina Silva, que encampou nessa semana o discurso da malfada “volta ao passado” representada por Lula, não me deixa mentir. 

Em segundo, a rejeição a Sergio Moro, que só perde para Jair Bolsonaro nesse quesito em todas as pesquisas em que figura como candidato à Presidência, mostra que o personagem do paladino do combate à corrupção não tem aderência do eleitorado e que o próprio tema da corrupção tem tudo para ser, no mínimo, marginal diante das prioridades do país neste momento. 

Que os entusiastas da terceira via prestem atenção: enquanto tentam vender um futuro encantado, o eleitorado, que de bobo nada tem, parece estar preferindo que o passado volte a guiar o futuro que desejam. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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