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Opinião

A quem interessa um aumento ainda maior da população carcerária?

Com pacote ‘pró-crime’, Moro e Bolsonaro querem institucionalizar a licença para matar

Moro participou decisivamente enquanto juiz na eleição de Bolsonaro, o qual o convidou em seguida para ser ministro. Foto: Agência Brasil.
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Bolsonaro elegeu-se com bordões que dialogam com o senso comum e o imaginário mais retrógrado da sociedade brasileira. “Bandido bom, é bandido morto” é apenas um exemplo emblemático da maquinaria de propaganda que foi capaz de levar um deputado inexpressivo do baixo clero ao Palácio do Planalto.

Com discursos simplistas para problemas complexos, a estratégia de Bolsonaro foi exitosa ao conquistar corações e mentes de milhares de brasileiros. Ao capturar o medo e a insegurança que afligem a sociedade, o capitão conseguiu criar uma onda de irracionalidade que foi capaz de neutralizar o debate público de ideias e conquistar o poder desafiando qualquer tipo de vida inteligente. No entanto, se é possível ganhar eleições com bravatas e frases de efeito, digamos que governar e apresentar soluções para o País seja um tanto mais complicado.

Um dos eixos principais da campanha de Bolsonaro foi exatamente o debate acerca da questão penal e da segurança pública. Não à toa, uma das primeiras medidas do governo foi flexibilizar a posse de armas, para criar uma falsa ideia de que armado o cidadão vai conseguir proteger sua família e propriedade. No interior da proposta de armar a população, o governo esconde que está eximindo-se da responsabilidade de cuidar da segurança pública e da vida dos cidadãos e cidadãs.

Na esteira do populismo penal e punitivista, marcas de Bolsonaro e da bancada do ódio que o apoia, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, lança um calhamaço de ideias desarrazoadas, de péssima técnica legislativa, que o próprio governo e a mídia cunharam como “pacote anti-crime”. Na verdade, o conjunto de medidas ali expressas estão mais para pacote “pró-crime”, como veremos a seguir.

O tal pacote além de ser um atentado contra os fatos e estatísticas que moldam a triste realidade brasileira no campo da segurança pública, fere de morte anos e anos de estudos e pesquisas sobre o tema, os quais apontam soluções diametralmente opostas às indicadas por Moro.

Após liberar o bangue-bangue, Moro e Bolsonaro querem, agora, institucionalizar a licença para matar, instaurar a pena de morte no Brasil. Pior, sem qualquer tipo de julgamento jurídico, o que choca-se frontalmente com a Constituição e o pacto social construído em 1988.

Moro e Bolsonaro deviam ser acusados de crime de responsabilidade, pois ao implantar a pena de morte, a licença para matar, estão legalizando o genocídio

Moro sugere alterar o código penal no que tange à ação policial. Segundo o texto do pacote “pró-crime”, o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se a morte ou eventual excesso das forças policiais decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, critérios demasiadamente subjetivos, quando as forças deveriam ser treinadas técnica e psicologicamente para lidar com situações extremas.

Moro e Bolsonaro deviam ser acusados de crime de responsabilidade, pois ao implantar a pena de morte, a licença para matar, estão legalizando o genocídio e autorizando o “abate” em situações de “risco” de conflito armado entre as forças policias e civis. O que querem, na realidade, é premiar as milícias, condecorar os grupos de extermínio.

A proposição de Moro consegue ser ainda pior que o instituto do “auto de resistência”, um entulho da ditadura civil-militar que perdura até os dias atuais. Nós, defensores da democracia e dos direitos humanos, lutamos para aprovar a proposição do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que visa acabar com essa herança dos tempos sombrios e disciplinar as investigações de mortes causadas por policiais.

Imaginem vocês as consequências de uma proposta como essa num dos países que tem uma das polícias mais letais do planeta, onde a violência praticada por agentes de Estado tem baixíssimos índices de resolutividade e punição.

Convivemos com um verdadeiro genocídio que atinge de forma indelével os jovens negros e pobres das periferias brasileiras. Em 2017, foram mais de 63 mil vidas ceifadas, sendo que mais de 5 mil dessas mortes foram provocadas por ações policiais, número que certamente está subnotificado, tendo em vista as dificuldades que se perpetuam para que possamos consolidar dados confiáveis quando as mortes envolvem crimes de Estado. Importante frisar, que mais de 70% dos homicídios são praticados com uso de arma de fogo.

O tal pacote “pró-crime” não traz uma linha sequer sobre o gravíssimo quadro de superlotação do sistema carcerário brasileiro, que constitui-se em verdadeiras masmorras, depósitos de humanos que ali são jogados à própria sorte, torturados, por vezes, mortos, para que sejam punidos da pior forma possível e não reintegrados socialmente.

Temos hoje um celeiro de quase 800 mil presos, a terceira maior população carcerária do planeta, e que cresce de forma exponencial desde 2002, sem ao mesmo tempo impedir que crimes dolosos e hediondos sigam sendo perpetrados todos os dias nas ruas brasileiras.

A quem interessa um aumento ainda maior da população carcerária? Diferente do que o imaginário odioso possa pensar, o encarceramento em massa é medida inócua quando o assunto é garantir a segurança pública e a paz social, pois atualmente os maiores interessados na superlotação são exatamente as facções criminosas que comandam os complexos penitenciários País afora. É ali o maior reduto de recrutamento de criminosos, uma verdadeira faculdade do crime.

Antes de tomar medidas penais populistas, Moro e Bolsonaro deveriam ler a realidade, estudar os dados, impedir que jovens sejam recrutados por facções criminosas no interior do sistema penitenciário. Enquanto crimes contra a vida, inclusive, praticados por forças policiais seguem solenemente impunes, 28% dos que cumprem pena por tráfico foram presos sem armas, sem praticar violência e não têm ligações orgânicas com organizações criminosas.

As concepções ideológicas de ultra-direita tão propaladas das tribunas do Congresso Nacional,  tão carregadas de ódio contra os pobres, os negros e os trabalhadores, agora, ganham forma no poder executivo e perigam tornar-se leis contra toda a sociedade.

É inegável que a atitude persecutória e parcial de Moro como juiz de primeira instância fez muito mal ao Brasil e ao Estado Democrático de Direito. No entanto, o País pode sangrar ainda mais literal e metaforicamente com Moro ministro da Justiça.

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