Opinião

A Previdência Rural e o assistencialismo de planilha

Voltem uns séculos e calculem nossa dívida social com os trabalhadores do campo

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Há expressões, textuais ou figurativas, que ótimos pensadores criam e que alguns de nós que ousamos escrever, por timidez, evitamos repetir para não parecer plágio ou, citado o(a) autor(a), puxa-saquismo. Não me vexo, por dar aos meus textos uma levada de humor, nas genialidades de Millôr Fernandes, Ivan Lessa, e outros pasquinianos eternos.

Neste artigo me servirei de Luís Nassif. Ele reconhecerá que não se trata dos dois riscos acima citados. Usarei seu famoso “cabeça-de-planilha”, analistas e economistas que pensam apenas fazendo dos números certezas, sem cuidar das circunstâncias que os cercam ou da abrangência dos atributos que as ciências sociais fornecem.

Uma dupla de cabeças-de-planilha, Guilherme Resende Oliveira, doutor em economia pela UnB (meritocráticos , esses moços), trabalha para o governo de Goiás (Caiado, entendo); o outro, é diretor de uma secretaria (são muitas) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), José Eustáquio Ribeiro Vieira Fº, técnico de planejamento e pesquisa do IPEA.

Juntaram esforços e planilhas para publicar, recentemente, no Valor, a sucursal de O Globo em São Paulo, o artigo “Previdência rural e assistencialismo”. Para quem vem a meus textos, poderia parar por aí. Prevendo a rasteira da dupla, ágeis, logo pulariam alto.

Saiamos de suas planilhas e vamos direto às suas preleções. São a favor do que aí virá. No lugar da Previdência ao trabalhador rural, ora em vigor, propõem “sair do assistencialismo”, que assim a consideram, e promover: 1) aumento de tecnologias produtivas; 2) intensificar a qualificação da mão de obra; 3) investir nas “atividades de extensão e atividade técnica”.

Bidus. E quem não acha o mesmo? Mais uma roubada minha, essa de Mino Carta (condolências): “até o mundo mineral sabe disso”.

Todos cabeças-de-planilha tentam invalidar, como assistencialistas, os programas que serviram para retirar da extrema pobreza 36 milhões de brasileiros, além de permitirem alargar a faixa da classe média baixa. É como, 9 entre 10 analistas, tentam se redimir da eterna sina do meio rural: é preciso oferecer apoio técnico e qualificar a mão de obra. “Dinheiro, pra quê dinheiro”?

Aqui paro e aqui me fino. Pouco originais os rapazes que tiveram seu texto publicado no Valor. Ó fraquinhos editores, saibam que a madrinha de um deles, em São Joaquim da Barra, SP, os parabenizou e enviou um bolo de fubá.

Então tá, companheiros, permitam-me assim chamá-los, sem qualquer intenção partidária, pois já percebi as suas.

Quando se quer relativizar a agricultura familiar, assentados, indígenas, comunidades quilombolas, enfim, as pequenas propriedades, a que se referem? Seus pesos e incapacidades reprodutivas, como fez Bolsonaro? Ou ao que lhes sobra para a não extinção. Sabem o quê? O Estado, imbecis. E não aquele mínimo, que tanto querem. Assistencialista sim, se em país miserável.

Vamos planilhar, como propõem os autores:

“Em dez anos, o déficit rural [da Previdência] cresceu à taxa de 3,3% ao ano”. Um índice que sugere exterminá-los. Guedes comemorará.

“Com o envelhecimento da população, as regras da aposentadoria se tornam progressivamente incompatíveis com a nova (?) realidade demográfica”.

Ai, ai, suspiro fundo. Antes se pedia que os pobres parassem de procriar; agora, que tiveram 22 anos de pequena recuperação do fôlego (incluo no período, FHC e o Plano Real), que permitiu o aumento na expectativa de vida, os pobres se tornaram “incompatíveis”. Envelhecem mais do que o desejado.

Afirmam que a conta da Previdência inibe o Estado de “investir em áreas prioritárias, tais como educação, saúde e segurança”.

Mais um suspiro. E quem deveriam ser os beneficiários dessas áreas prioritárias, se não a população mais pobre, incluídos os 18 milhões de trabalhadores rurais que perderão direitos e foram expulsos de suas planilhas?

“Observou-se que, no meio rural, grande parte dos benefícios foi concedida por via judicial, mais de 90% do total (…) o grosso das decisões se baseou em provas testemunhais, que são subjetivas e manipuláveis”.

Não suspiro mais, engasgo-me. Queridos, já puseram os pezinhos no pó do campo, que de forma clássica vocês chamam de meio rural? Pois, façam-no e descubram como são contratados para trabalhar os caboclos, campesinos, lavradores e sertanejos. Quem com mais poder junto às provas testemunhais? Os patrões ou os trabalhadores?

Se bons de planilha, já devem ter conhecimento do valor da dívida com o Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), prestes a ser anistiada pelo capitão e seus filhos. Não? Dezessete bilhões de reais devidos pelos patrões. Acham pouco? Voltem uns séculos e calculem nossa dívida social com os trabalhadores do campo.

Inté.

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