Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

A miséria moral do Lavajatismo

Nova leva de conversas expôs a miséria intelectual de pessoas que, por terem sido aprovadas em um dos mais difíceis concursos, são com representadas como tendo saber diferenciado

Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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A finada operação Lava Jato completaria dez anos neste mês de março. Seu trabalho consistiu em repaginar o moralismo anticorrupção que, no século XX, ganhou corpo em nomes como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Collor e no golpismo das Forças Armadas. Mas a dedicação em combater desvios morais, assim como no passado, não resistiu à primeira esquina. Sergio Moro, principal agente da Lava Jato, fez questão de mostrar que não se preocupava muito em moralizar o país quando aceitou compor o governo do principal beneficiado por suas decisões de prender, condenar e tirar Lula da eleição. Desde então, virou, sem constrangimentos, cão-de-guarda dos malfeitos do chefe.

Levou pouco tempo para que o óbvio se escancarasse ainda mais. O governo Bolsonaro ainda estava em seu primeiro ano quando vieram a público as mensagens trocadas entre o ex-juiz e os acusadores de Lula, integrantes do Ministério Público Federal que compunham a força-tarefa da Lava Jato. Moro atuava como maestro: dava ordens, puxões de orelha, orientações, indicava testemunhas, cobrava operações e pedia a troca de procuradores nas audiências, de modo que os réus pudessem ser conduzidos com tranquilidade à condenação que existia desde quando seus processos foram distribuídos para a 13ª Vara, em Curitiba. Deltan Dallagnol e sua turma se associaram a Moro com entusiasmo, aceitando sua tutela e mostrando que não há falta de provas que resista a uma amizade com o juiz.

As mensagens, que fazem parte do acervo da Operação Spoofing, iniciada pela Polícia Federal em julho de 2019, seguem rendendo. Assim como as demais levas da divulgação de conversas entre os procuradores, o lote mais recente, publicado pela piauí no dia 14 de março, reforça não apenas a existência de uma óbvia e aguerrida militância política de membros do MPF, esforçados em encampar seu projeto reacionário e messiânico hoje representado por parlamentes como – surpresa! – Moro e Dallagnol, mas também a miséria moral e intelectual de pessoas que, por terem sido aprovadas em um dos mais difíceis concursos públicos, são com frequência representadas como indivíduos de saber diferenciado.

Tal como nas mensagens anteriores, nos deparamos com um puro suco de reacionarismo, machismo, racismo, sexismo e misoginia que poderia muito bem estar no cardápio de um petit comité dos derrotados de 1945. Com uma retórica de “tiozão do zap”, um dos procuradores não se constrange em exaltar a “efetividade” do nazismo e suas políticas de natalidade, sugerindo que “acabar com o Bolsa Família e todos os benefícios assistências [sic] que incentivam a procriação faria bem às famílias”.

A raiva contra pobres se repete na afirmação de que “se a pessoa quer fumar até pegar um câncer, devia lhe ser exigido renunciar ao direito de atendimento pelo SUS”, inclusive ao direito de buscar na justiça “remédios de alto custo financiados pelos impostos pagos por outros cidadãos”. Das 190 milhões de pessoas cobertas pelo SUS, 80% dependem exclusivamente dele para qualquer atendimento. Eis uma forma gentil de defender que pobre deve morrer: como não podemos lhes presentear com a morte matada, vamos lhe dar a possibilidade da morte morrida.

Entre declarações de orgulho homofóbico e receios da espécie humana não se perpetuar por causa das relações homoafetivas, um dos procuradores, responsáveis por alguns dos petardos acima, resolve novamente empunhar a suástica e escrever que não tem pena de nordestinos, emendando que “quando os vejo sofrer pelas suas desgraças, considero-as merecidas”. Lula, evidentemente, é acusado de alcoólatra e analfabeto. O anticomunismo, peça chave do nazifascismo, também está lá, agora junto com a misoginia:  Marisa Letícia, esposa de Lula falecida em 2017, é chamada de “tribufu do inferno stalinista”.

Nem a ministra Carmen Lúcia escapa dos ataques misóginos, apesar de ter sido uma das responsáveis pela prisão de Lula ao pautar seu habeas corpus antes do julgamento do processo que tratava da constitucionalidade da prisão em segunda instância. Mas agora são as mulheres do MPF que protagonizam o show de horrores, escrutinando a vida privada, a aparência e até a higiene da ministra, acusada de não gastar com cabelereiro, com dentista e até de ser anti-higiênica. 

Enquanto um procurador indaga sobre sua vida conjugal e sobre se tem filhos, dizendo se tratar de informações relevantes para sua profissão, outro escreve que a abundância de sua produção intelectual “indica que ela não teve tempo para romance”. Improvável que os dez colegas de corte da ministra Carmen, todos homens, sejam submetidos a avaliações dessa natureza.

Em recente entrevista ao Estado de S. Paulo, Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República aposentado e mais experiente membro da força-tarefa capitaneada por Moro, afirmou que uma nova operação Lava Jato é inviável.

Ainda bem.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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