Opinião
A legislação brasileira está preparada para enfrentar o terrorismo de motivação política?
Durante elaboração da lei, houve preocupação para que não fosse banalizado o conceito de terrorismo e, assim, evitar a indevida supressão do direito de manifestação
Violação das sedes dos Poderes, destruição de bens públicos, agressões, milhões em prejuízos, danos irreparáveis ao patrimônio cultural e histórico. O saldo dos últimos atos antidemocráticos, contra o resultado das eleições presidenciais e a favor de golpe militar, causa espanto e repúdio em escala global.
Contudo, por mais graves que sejam as condutas noticiadas, a legislação brasileira não prevê sua caracterização como terrorismo. A lei federal que disciplina o tema define terrorismo como a prática de atos expressamente previstos em seu texto, motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Durante a elaboração da lei em vigor, houve louvável preocupação para que não fosse banalizado o conceito de terrorismo e, assim, evitar a indevida supressão do legítimo direito de manifestação e reinvindicação populares.
Sob tal argumento, a motivação de natureza política foi excluída da proposta originária.
Ocorre que a ausência de previsão da motivação política para caracterização de terrorismo acarreta uma lacuna jurídica e certa ineficiência da lei, principalmente quando o extremismo violento nessa natureza, impulsionado por movimentos como o “aceleracionismo”, tem se notabilizado nos fóruns internacionais como uma ameaça concreta.
A lei antiterrorismo, dessa forma, mostra-se inaplicável em face aos recentes e reprováveis atos antidemocráticos, mesmo em relação às tentativas de acionamento de explosivos em vias públicas, pois foram motivados por ideologia política e, tecnicamente, não é possível enquadrá-los como terrorismo.
Contudo, longe de afastar sua gravidade, essa lacuna demanda discussões sobre a necessidade de adequação do aparato jurídico brasileiro.
Muito se discute, em âmbito internacional, sobre as novas tendências relacionadas às ameaças terroristas, com grande destaque para a radicalização e doutrinação pela internet.
Ademais, nos moldes das melhores práticas mundiais contra o terror de matriz religiosa, há preocupação em evitar processos de radicalização nas prisões, sem desconsiderar potencial interação de radicais com facções criminosas.
Também a figura do “ator solitário” é tratada como risco crescente de ações terroristas planejadas e executadas por indivíduo de forma autônoma, geralmente por portador de transtornos mentais, o que é factível no cenário nacional e de difícil detecção.
Existe, no Brasil, um caldo favorável à amplificação do radicalismo político e a progressiva utilização do terror como ferramenta, devendo o Poder Público antever hipóteses de degradação do atual cenário.
Radicalismo e frustração podem ser combustível para a adoção de métodos violentos, com sério risco à segurança pública e à democracia.
Deve ser rediscutida a inclusão da motivação política no texto da lei antiterrorismo, como adotado no exterior, com as devidas cautelas para resguardo das reinvindicações sociais legítimas não direcionadas a causar terror.
Paralelamente, cabe a inclusão de mecanismos que possam refrear a radicalização na internet e nos estabelecimentos prisionais, além de instrumentos mais eficazes para, em tempo hábil, obter das empresas de tecnologia os elementos necessários para evitar a execução de atos terroristas e responsabilizar seus autores.
A manutenção da lacuna jurídica apontada pode dar azo a respostas estatais baseadas em indevidas interpretações extensivas, abrindo precedentes que podem ser tão perigosos à democracia quanto os próprios atos que se busca combater.
É momento de preparar e fortalecer as instituições para o enfrentamento a essa nova realidade e para defesa da democracia sem, contudo, descer ao patamar dos extremistas na desobediência à lei e à Constituição Federal.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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