Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A intervenção militar furtiva no Brasil 

Militares das Forças Armadas continuam encrostados nas entranhas do poder, agindo sorrateiramente. Infelizmente, Lula já deu quase todos os sinais de que não tentará dirimir esse problema

Tropas militares participam num desfile militar para assinalar os 200 anos de independência do Brasil em Brasília, a 7 de Setembro de 2022 - Foto: Evaristo Sa/AFP
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Brazil’s Stealth Military Intervention é o título de um artigo científico recém-publicado no periódico Journal of Politics in Latin America por Karabekir Akkoyunlu, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e José Antonio Lima (ex-editor em CartaCapital), da USP. 

A dupla de autores defende que temos uma intervenção militar no Brasil ao menos desde 2016, quando militares, sem maiores disfarces, tomaram parte no debate público, influenciaram medidas judiciais e políticas (seja no Parlamento, seja no Poder Executivo) e, efetivamente, em pouco tempo, ampliaram a influência e representatividade militares em diversos cargos públicos. 

Mas trata-se de um uma intervenção militar, como o nome diz, discreta. Furtiva. A premissa fundamental é a de que um grupo de generais ativistas conspiraram gradualmente para o retorno dos militares ao centro da vida política do país  com poderes jamais vistos desde da ditadura militar, iniciada em 1964. Para tanto, não precisaram burlar as leis, suspender o processo democrático ou derrubar um governo.

É por essa razão que os pesquisadores batizam esse movimento – ou, melhor dizendo, essa conspiração – de “intervenção furtiva”, ou seja, “um esforço incremental, ainda que sistemático, de redefinir a política sem causar uma ruptura”. 

Akkoyunlu e Lima defendem – e creio que com certa correção e precisão teóricas – que esse movimentação gradual e efetiva de militares com interesses e aspirações políticas avessas aos princípios do jogo democrático não se encaixa nas tipologias de golpes de Estado disponíveis e não é contemplada na literatura contemporânea sobre crises ou retrocessos democráticos. 

Grande parte dos best-sellers que trataram da crise ou das crises da democracia, miraram em lideranças políticas que, por meio do voto – e uma vez de posse de parte importante do controle do sistema – corroem a democracia por dentro. No afã de defenderem, devidamente, a ideia de que os golpes contemporâneos não se encaixam mais nos parâmetros dos golpes clássicos (a exemplo dos livros de David Runciman e Steven Levitsky e Daniel Ziblatt) essas obras ignoraram a disposição dos próprios militares preferirem uma caminho sorrateiro de intervenção política a tanques e coturnos. 

Para tanto, basta que lembremos de como militares das Forças Armadas – contando com a enorme disposição e animação de parte significativa da grande imprensa – negaram quaisquer possibilidades de ruptura democrática com o envolvimento de militares, enquanto generais como Eduardo Villas Boas e Sérgio Etchegoyen faziam encontros secretos com Michel Temer para planejar a vida política do país no Pós-Dilma Rousseff. Sem mencionar, obviamente, o ultimato dado por Villas Boas ao Supremo Tribunal Federal. Aquilo que manteve Lula fora da disputa e deu a Jair Bolsonaro um saída confortável para se tornar presidente. 

São três os ingredientes necessários para uma intervenção militar furtiva:

1) Uma estrutura tutelar intacta (blindada de qualquer reforma) e uma visão de mundo pretoriana; 

2) Uma crise sócio-política duradoura, que corroa a confiança social na democracia e estimule o apoio ao ativismo militar como solução; 

3) A movimentação de políticos que buscam pactos com militares – ou a captura do Estado com a cooperação presidencial. 

Eu acrescentaria outros ingredientes, como a própria presença de militância política interessada dentro da imprensa.

Afinal, é por meio da enorme disponibilidade e disposição de muitos veículos de imprensa que os militares mandam seus recados e tomam parte no debate público, inclusive com o conforto imprescindível do anonimato – ou, para usar o jargão jornalístico, o off. 

Trata-se de um problema complexo que demanda, igualmente, soluções complexas – mas não menos urgentes. Os militares das Forças Armadas continuam encrostados nas entranhas do poder, agindo sorrateiramente não para garantir seus privilégios históricos e poderes de autodeterminação corporativa, mas para interferir diretamente nos caminhos da política que, por definição, deve ser tocada pelos civis, os soberanos da República. 

Infelizmente, Lula já deu quase todos os sinais de que não irá gastar seu capital político para tentar dirimir esse problema. Enquanto escrevo, leio a notícia de que o Governo Federal, por meio do GSI, comandado por um general das Forças Armadas, resolveu impor sigilo sobre vídeos do 8 de Janeiro.

A verdade é que, para muitos envolvidos na vida política do Brasil, os militares são úteis e sempre estão de prontidão para aceitar trocas de favores. 

Uma intervenção não tão discreta assim. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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