Lucas Barbosa

Foi pesquisador na Cátedra Otávio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade do Instituto de Estudos Avançados da USP com coordenação do Professor Muniz Sodré. É coordenador executivo de comunicação no Instituto Vladimir Herzog

Opinião

A globalização, o sujeito político e a crise democrática

O que vivemos é: uma crise de humanidade

A globalização, o sujeito político e a crise democrática
A globalização, o sujeito político e a crise democrática
Fernando Frazão / Agência Brasil
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“Na Terra já se diz há muito, mas pouco se escuta”.

Em A Prosa do Mundo, de Merleau Ponty, o filósofo e fenomenólogo francês já provocava. Prestes a completarmos um quarto do século XXI, assistimos mais uma vez atônitos um mundo em guerra que parece se desfazer minuto a minuto na perversidade de uma vida que se apresenta como fábula. Nada é real ao mesmo tempo em que tudo é real. Ouvimos pouco, falamos muito.

A ordem da coisa, da disputa de sentido, é de categoria semântica: seria o nós contra eles ou o eles contra nós? Em uma, estamos falando de dualidades, polarizações e tensionamentos políticos que quase sempre atravessaram o sujeito político moderno. Mas quem somos hoje? Habitantes de um tempo globalizado quase sempre em crise, herdeiros de uma modernidade que nasceu banhada em sangue e injustiça, confabulamos as noções de um mundo perverso, quanto mais esticamos a corda entre o que consumimos em termos de informação e o que vivemos na pele, no dia a dia.

Vídeos gerados por inteligência artificial – ou como diz o jornalista Marcelo Soares: geradores de lero lero – tomam conta da propaganda política, os números que não refletem a vida cotidiana e tantas outras incompreensões entre o virtual e o real, reafirmam não a polarização política, mas a dialética do sujeito político moderno. O mesmo que nos séculos anteriores encontrava o mundo ao sair de casa em busca da notícia e que, posteriormente, viu as paredes que separam sua intimidade do exterior serem demolidas pelos adventos da comunicação moderna.

É nítido que ainda carecemos de todo o possível para analisarmos os fenômenos de um tempo que nos assombra, e talvez daí – alinhado às dinâmicas das redes sociais – advenham tantas opiniões e críticas contra tudo o que intente elaborar um novo mundo. Sem a possibilidade de diálogo, nada é bom o bastante. Não cabe aqui abordar os méritos das opiniões e críticas, porém, é importante destacar a inconteste fornalha acesa que não cessa a produção de conteúdo em um mundo que exige cada vez mais e mais o novo – o conteúdo novo. Justamente aí, então, poderíamos arriscar algo como a dor de morte de uma era que desacredita o jornalismo e a informação de qualidade para consequentemente questionar a democracia.

Como resultado direto do que temos diante de nós, o que fica é: uma crise de humanidade. Temos perdido, como diria o jornalista Vladimir Herzog, a capacidade de nos indignarmos frente a atrocidades. E então, o que fazemos diante da dor dos outros? Nesse sentido, caberia nos perguntar: que mundo queremos? Afinal, qual o projeto comum que temos para essa porção de terra chamada Brasil? A disputa é por cortes de conteúdo ou por políticas públicas reais e efetivas? De quem estamos falando quando dizemos que são eles contra nós? Ou seria nós contra eles? Contra o que e quem estamos? Não seria imperativo, numa espécie de pacto pela soberania nacional, ou, pela disputa de um mundo à beira do abismo, nomearmos todos aqueles que atentam contra nossos direitos e liberdades? De quem estamos falando quando se trata de defender um país todo?

A quem interessa ser joguete de tiranos, de vaidosos sujeitos que nada mais querem senão explorar e dominar nações e pessoas historicamente rejeitadas no tabuleiro da geopolítica contemporânea? Os ideais por um país próspero e justo deveriam anteceder a perfumaria de supostas disputas políticas que nos invadem desde as tentativas golpistas de certos setores da sociedade brasileira, quase sempre pouco afeitos às políticas de equidades e acessos. É impossível definir os rumos de uma nação sem que tenhamos todos implicados e participando ativamente do debate.

Incentivar de maneira conteudista as intenções dos que detêm poder econômico do mundo, sem a clareza do que se está dizendo, é atuar de maneira irresponsável quando mais parece estarmos diante de um colapso do progresso humano. É urgente refletirmos sobre as ordens semânticas do nosso tempo, é urgente lermos as imagens produzidas em escala industrial em seus detalhes para, então, afirmarmos categoricamente que a crise que vivemos é: a democracia contra o fascismo.

Do contrário, estaremos uma vez mais, suscetíveis a golpes, fadados a sonhar com o país do futuro. É preciso refletir quando se fala de polarização: pois, de um lado, discursos extremistas flertam com o crime, enquanto de outro, há quem queira debater nos termos da democracia. Não é uma disputa real entre extrema direita e extrema esquerda. Em vez de recorrer a comparações rasas ou clamar apenas pelo fim dos adversários, o desafio maior é incluir todos em políticas públicas que fortaleçam o senso coletivo de nação. Afinal, a democracia, mesmo que abstrata, ainda é a alternativa que melhor compreende um povo e é através dela que resistimos e devemos continuar resistindo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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