Rafael R. Ioris

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Professor na Universidade de Denver e Pesquisador do Instituto de Estudos do Estados Unidos (INCT-INEU)

Opinião

A falácia da equivalência entre democracia e autoritarismo

A narrativa, ingênua ou cínica, sobre o retorno de Lula ao centro da política não é apenas uma falácia, mas também um desserviço

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A decisão do ministro Edson Fachin de que o Curitiba não seria o foro devido para os processos contra Lula, embora tardia, reestabeleceu ao ex-presidente seus devidos direitos políticos, ilegalmente suspensos por procedimentos escusos da Lava Jato, como é hoje notoriamente sabido.

Lula não perdeu tempo e dois após a decisão, declarou‘A imprensa nacional e internacional em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, de onde há mais de 40 anos, deu início ‘a sua trajetória política. 

Ao lembrar das injustiças que sofreu nas mãos de Moro, Lula também acenou fortemente ao centro, colocando-se ‘a disposição do país no combate à gravíssima crise sanitária em curso.

Mas apesar dessa postura moderada, não foram poucos os que vieram a público denunciar que seu retorno ao jogo político torna o País refém de dois polos equivalentes, mas de sinal trocado. A reação dos ‘mercados’ também foi negativa, reforçando a noção de que haveria uma equivalência Lula e Bolsonaro. Nada mais longe da verdade. 

É certo que frente um embate entre Bolsonaro e Lula teria, sim, enorme potencial para polarizar a disputa. Mas não estaríamos frente a uma escolha difícil, embora vozes que assim o entenderam, parece ainda reféns dessa lógica.

Sim, Lula, como candidato ou apoiador, certamente encarnaria o contraponto mais claro possível ao (des)governo crescentemente militarizado, autoritário e, pelo menos em algumas áreas, genocida de Bolsonaro. O ex-capitão surgiu na política brasileira como representante direto das “viúvas” do pior período da nossa ditadura empresarial-militar. E como parlamentar irrelevante e medíocre que sempre foi, somente ascendeu ‘a presidência por um acidente histórico (não inocente e sem vítimas!), fundado em mentiras e no ataque direto ao estado de direito. Assim, sua reeleição representaria a consolidação do porão da ditadura no comando de uma sociedade de até recentemente parecia estar em uma promissora trajetória de consolidar sua democracia.

Muito disso deriva do fato de os fantasmas da nossa ditadura nunca foram devidamente exorcizados, assim como da popularização da lógica antipolítica dos últimos tempos.

Por sua vez, embora não suficiente, a eleição de Lula (ou de alguém apoiado por ele), representaria, pelo menos, a possibilidade de dar um fim ao desmantelamento da nossa normalidade democrática. De fato, o próprio reestabelecimento dos direitos políticos de Lula não foi só uma decisão justa, mas também um passo necessário na reconstrução da democracia no Brasil.

A verdadeira polarização possível no Brasil hoje não é a entre dois líderes populistas equivalentes, mas sim entre democracia e autoritarismo. O País que até poucos anos era uma das mais promissoras forças democráticas do sul global Globl vive hoje em meio à sua maior crise humanitária, social e até mesmo política.

O discurso do ódio não serviu somente para inspirar ataques aos direitos trabalhistas, das mulheres e das minorias (maiorias!) raciais. Serviu também para erodir nosso apreço pela própria democracia. E a narrativa, ingênua ou cínica, sobre o retorno de Lula ao centro da política nacional não é, pois, somente uma falácia, mas também um desserviço ao País.

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