Carlos Bocuhy

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Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam.

Opinião

A decisão da Febraban e o dilema entre sobrevivência e extinção

Rastrear a nocividade das atividades humanas será garantia de sobrevida para o ambiente e a humanidade

Arquivo/Agência Brasil
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A lei da due diligence do Parlamento Europeu imprimiu pressão suficiente para levar à decisão, anunciada nesta semana pela Febraban, de que os bancos do País vão parar de financiar commodities produzidas com degradação ambiental. Assim, o crédito bancário para desmatamentos deve minguar. Pelo menos no que diz respeito ao gado oriundo das áreas desmatadas. A Febraban informou que não ofertará crédito a frigoríficos que compram gado em regiões desmatadas de forma ilegal.

Rastrear a nocividade das atividades humanas será garantia de sobrevida para o ambiente e a humanidade. Há um sentimento salutar para a área ambiental de que a aceleração do acordo entre Mercosul e Comunidade Europeia depende das condições de rastreabilidade da cadeia produtiva. A regra é mandatória para produtos a partir do corte temporal estabelecido em 31 de dezembro de 2020.

A lei da União Europeia da due diligence veta o comércio de produtos oriundos de crimes ambientais nos 37 países do bloco. A motivação para a decisão foi a constatação de que o comércio interno de produtos na UE respondia por 16% do desmatamento global relacionado à importação de produtos dos países onde a degradação das florestas ocorria. 

Uma ampla consulta pública envolvendo sociedade civil e empresas demonstrou a disposição da sociedade europeia em referendar a iniciativa, que vai além de quesitos ambientais, focando ainda na proteção dos direitos humanos e proporcionando o acesso à justiça às vítimas de irregularidades trabalhistas. Para o mercado, abre a possibilidade de isolar as empresas que produzem à custa da degradação do meio ambiente, eliminando concorrência desleal em função do baixo custo na produção por falta de cuidados ambientais. 

O setor empresarial assume novas tarefas de identificar e prevenir os impactos negativos nas operações da companhia e de sua cadeia de fornecimento, o que envolve transformações conceituais profundas no sistema administrativo. Para a operacionalização do processo haverá a coordenação por uma Rede Europeia de Autoridades de Supervisão, que vão garantir o cumprimento das medidas, além de estabelecer autoridade comum da UE para supervisionar e impor sanções por descumprimento.

A OCDE está no mesmo trilho de elevar exigências sobre regularidade ambiental e direitos humanos, com forte pressão norte-americana visando eliminar concorrência desleal.  O dever de diligência impresso pelo paradigma da sustentabilidade já está se estendendo rapidamente para a madeira e o ouro. Tecnologias de avaliação físico-química sobre a composição desses produtos permitem triar sua origem, evitando fraudes na procedência e atestando cientificamente sua certificação.    

Um pouco mais sofisticada é a iniciativa de compatibilizar essas ações aos limites de 1,5 grau Celsius do Acordo de Paris, o que demanda elaborado sistema de identificação sobre produção e geração de carbono em toda a cadeia produtiva. 

Mas as forças da cadeia produtiva de combustíveis fósseis caminham em sentido contrário. A exploração em áreas protegidas está avançando, com componentes de degradação ambiental adicionais, agravando as décadas que representam o último suspiro da atividade fóssil que lançou o planeta em estado de emergência civilizatória, o mesmo fator que exige manter florestas em pé e construir rastreabilidade para a cadeia produtiva. 

Estamos diante de um dilema civilizacional. Países como o Brasil e Estados Unidos continuam a caminhar em sua sanha exploratória na foz do Amazonas e nas regiões geladas do Alasca. Os riscos ambientais do setor de petróleo são exponenciais e estão avançando sobre 835 áreas ambientalmente protegidas em 91 países.

Haverá conflitos fortes em todo o planeta entre defensores do meio ambiente e empresas de petróleo. Se a exploração de petróleo atualmente é contrassenso econômico para a humanidade, como demonstram campanhas “deixe o petróleo no subsolo”, o que se dirá da exploração em áreas ambientalmente protegidas, considerando os riscos e impactos inerentes?  

É absolutamente mandatória a eliminação do petróleo em sua substituição por fontes de energia limpa – e enquanto se processa a transição energética (a passos lentos), a realidade atual de avançar sobre áreas vulneráveis aponta para a necessidade imediata de critérios científicos protetivos para territórios sensíveis, seguida de rastreabilidade e sanções muito fortes para toda essa cadeia de produção. 

A instabilidade global provocada pela invasão russa da Ucrânia está provocando enorme retrocesso na política energética dos países mais interessados na defesa de sua hegemonia política, como Estados Unidos, Reino Unido e China, mantendo e acelerando a matriz do petróleo, sacrificando santuários ambientais e diminuindo esforços para a transição energética.  

Só no Brasil, foram emitidas 23 novas licenças para a Petrobras neste ano e 53 no ano passado.

Há vozes dentro do setor de petróleo que compreendem as restrições exploratórias por motivos ambientais. Aatisha Mahajan, vice-presidente de análise da Rystad Energy, afirma:

É claro que as empresas de petróleo e gás não estão dispostas a assumir o risco aumentado, associado a novas explorações ou explorações em áreas ambientalmente ou politicamente sensíveis

Entre as áreas com maiores facilidades estão os países emergentes, sobre os quais pairam os interesses das petroleiras apostando em adoçar governos com royalties, mesmo provocando recorrentes transtornos de poluição. 

Recentemente, na Amazônia colombiana, o rio Nieva, em Condorcanqui, foi duramente atingido por um vazamento de óleo. Diante da realidade dos avanços do petróleo sobre áreas vulneráveis, nota-se a lacuna de manifestação urgente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que agrega os países da região amazônica, onde prospera a exploração de 328 blocos na costa Amazônica e 123 dentro da própria floresta.

O mundo deve manter controle social sobre as atividades que ameaçam a sobrevivência humana. O aquecimento global, em seu acirramento, incidirá sobre a política de controle de commodities de quaisquer áreas degradadoras ou espaços territoriais sensíveis e vitais para a contenção da anunciada e progressiva tragédia do aquecimento global. 

O mundo vê-se mergulhado em um dilema entre sobrevivência e extinção, onde estão claramente demarcados os componentes de sinergias destrutivas com fortes implicações para as futuras gerações: guerra, desequilíbrio climático e destruição dos recursos naturais, que infelizmente estão se sobrepondo à paz, ao meio ambiente equilibrado e à integridade do patrimônio ambiental. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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