Gustavo Freire Barbosa

gustavofreirebarbosa@cartacapital.com.br

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

A cloroquina jurídica do ministro Fux

O ministro votou para livrar Bolsonaro dos cinco crimes dos quais é acusado na ação sobre a trama golpista. Nem os advogados de defesa previam que o caixão seria quebrado com tanta força

A cloroquina jurídica do ministro Fux
A cloroquina jurídica do ministro Fux
Fux votou para livrar Bolsonaro no julgamento da trama golpista. Foto: Gustavo Moreno/STF
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O voto de Luiz Fux absolvendo Jair Bolsonaro não foi um raio em céu azul. O ministro o livrou dos cinco crimes dos quais é acusado na ação sobre a trama golpista. Com a divergência dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, o placar da Primeira Turma do STF está 2 a 1 pela condenação do ex-presidente.

​Seu alinhamento com o lavajatismo, sintetizado na célebre mensagem “In Fux we trust” do ex-procurador e ex-parlamentar Deltan Dallagnol, e suas ponderações em favor dos réus do 8 de Janeiro já eram suficientes para que se criasse a expectativa de que Fux seria o bastião do bolsonarismo no Supremo. O garantismo penal da época em que era ministro do STJ, velado no julgamento do “Mensalão” e sepultado nos processos da Lava Jato, estava prestes a ressuscitar.

​Mas nem os advogados de defesa previam que o caixão seria quebrado com tanta força. A maioria, definitivamente, não cogitava seu entusiasmo em absolver Jair Bolsonaro de todos os crimes dos quais é acusado. Mais cinco réus foram considerados inocentes por Fux, que, ao condenar Mauro Cid e Braga Netto apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, fez concessões mínimas à maioria do STF coesa na defesa da Corte contra as investidas nada sutis do bolsonarismo – o que inclui a tentativa de aprovar a anistia no Congresso Nacional.

​O alinhamento com o ex-presidente chegou ao ponto de fazer uso de seus métodos e de sua retórica nas quase treze horas de voto. “Não há provas”, pôs-se a dizer repetidamente. Usou uma das palavras da moda, “narrativa”, para sustentar que o 8 de Janeiro foi apenas um irresponsável passeio de “turbas desordenadas”. No embalo, pediu a nulidade total do processo, abraçou a tese das defesas de que não tiveram acesso a todas as provas e concluiu que Bolsonaro nada tinha a ver com o que acontecera em janeiro de 2023, pois não ocupava mais a posição de chefe de Estado.

​É possível que a dopamina bolsonarista tenha atingido seu nível máximo quando Fux resolveu militar contra a paz dos grupos de família no WhatsApp ao comparar o 8 de Janeiro com alguns episódios envolvendo a esquerda. A tentativa de golpe, por exemplo, se equipararia à ação dos “black blocs” dos atos de 2013: “nenhum desses casos, oriundo dessas manifestações políticas violentas, se cogitou de imputar aos seus responsáveis os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, que repetia a disposição de tentar mudar, por violência ou grave ameaça, o Estado democrático de Direito”, afirmou.

​“Nenhum desses casos” cogitava dar golpe de Estado, pretensão desavergonhada dos réus dos processos da trama golpista e do 8 de Janeiro. Não havia nas manifestações de 2013 gente atacando o Supremo e defendendo intervenção militar. Para o ministro, porém, são acontecimentos equivalentes e que levam à absolvição dos réus. Pura cloroquina jurídica, como disse um amigo advogado.

​O rompante bolsonarista de Fux – maior, inclusive, que o dos dois ministros indicados por Bolsonaro (importante lembrar que ele foi indicação de Dilma Rousseff, em mais um dedo podre dos governos petistas) – pode ser compreendido também a partir de um antigo episódio narrado pelos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber no livro Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises.

​Sensível à opinião pública, Fux revelou que, apesar da calorosa recepção que teve quando entrou no Supremo, depois de um tempo passou a sofrer desprezo das pessoas que jogavam vôlei na praia que frequentava. Esta mudança ocorreu em razão do voto contra a Lei da Ficha Limpa. Não suficiente, sua mãe sofreu quando resolveu ler comentários sobre as posições do filho. Decidiu, então, abandonar de vez o garantismo e se aproximar das teses acusatórias do Ministério Público. Logo depois veio a Lava Jato, a prova dos nove para o Fux do Novo Testamento.

​A turma do vôlei, potencial incubadora de bolsonaristas, voltou a abraçá-lo. Hoje, com o retorno pródigo às configurações de fábrica, Fux tem o abraço da fina flor do golpismo, da “turba desordenada” e dos 30% do eleitorado que votaria em Bolsonaro em 2026.

​Para ele, está bom.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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