Opinião

17 de novembro de 2019: um domingo para a história

A passagem de Lula pelo Recife e o reencontro com a esperança

O ex-presidente Lula, em São Bernardo do Campo. (Foto: Ricardo Stuckert)
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No domingo 17, muita coisa me emocionou. Até eu, que raramente choro, seja de alegria, seja de dor, caí em prantos. Cheguei ao Centro do Recife e vi um mar de gente a celebrar, depois de tantos anos a assistir a democracia e os direitos do nosso povo alvejados. Uma multidão formada por jovens, adultos, crianças e idosos enchia as ruas, as calçadas, as praças e canteiros da área escolhida para receber o ex-presidente Lula em seu reencontro com o povo pernambucano. 

A liberdade de Lula foi comemorada com uma mistura de Carnaval e Réveillon. Desconhecidos se saudavam e se abraçavam. A esperança era constante nos olhares de quem estava ali. Como num Ano-Novo, que a gente começa com a certeza de que as coisas vão melhorar. Com música e alegria, como no nosso Carnaval – que, aliás, sem nenhuma modéstia, é uma das festas mais animadas e mundialmente conhecidas.

Reencontrei gente com sentimentos que há algum tempo não faziam mais parte do cotidiano. Vi mães e pais a carregar os filhos pequenos e a conversar sobre a importância daquele momento. Vi filhos adolescentes, cheios de curiosidade, conversando e questionando seus pais sobre a história do nosso Brasil. Vi gente simples lado a lado com acadêmicos. Andando no meio da plateia, senti uma energia contagiante, renovadora.  

Horas depois desse turbilhão de emoções e sentidos, tive a honra enorme de receber na minha casa esse homem que é um dos maiores líderes mundiais da nossa história recente, poucos dias após a sua soltura de uma prisão política. 

Isabel, minha filha, que tem apenas 4 anos, apressou-se a convidá-lo para conhecer seu quarto. Com a empatia que lhe é característica, ele atendeu com um sorriso no rosto e lá se foi ao lado dela. Conversaram animadamente por alguns minutos. Eu observava tudo. Ah, um dia ela vai entender o tamanho de Lula e o significado daquele momento e da foto que o registrou e para a qual olho agora, enquanto escrevo estas linhas. E tenho certeza de que a emoção que ela deverá sentir será ímpar. 

Em algumas horas de conversa, senti um Lula bastante consciente do seu tamanho e da força que ele significa para todo o povo brasileiro. E é verdade, está com uma vitalidade maior do que a de todos nós (que estamos na faixa dos 30) juntos. Não há como não se impressionar com a força e a capacidade de raciocínio, a sagacidade e a disposição desse homem. Não há como não se deixar contagiar pela energia positiva dele. Por vezes me peguei a pensar: como alguém que passou por tudo o que ele passou – e ainda passa – tem tamanha disposição? 

Ao ouvir tudo o que ele falou, tudo o que conversamos, não havia como deixar de fazer um paralelo com algumas memórias que, para mim, são muito nítidas e importantes. Um dia circulou por Pernambuco uma piada de que meu avô, Miguel Arraes, comprou um chip da Oi de 31 anos” (quando na época ele tinha uns 85 anos de idade, ou mais) para aproveitar a promoção. Outros diziam que ofereceram a ele de presente uma tartaruga como animal de estimação, mas que ele havia recusado porque “era muito ruim se apegar a um bichinho que morreria antes dele”. 

Era engraçado e acabou por se transformar em uma espécie de “viral” na cultura política do estado. Na verdade, aqueles que faziam essas “brincadeiras” percebiam que Arraes enxergava muito além de seu próprio tempo, da sua própria vida, que não queria parar por ali, consciente de que nem sempre colheria os frutos de sua luta. Arraes era um plantador de tâmaras. Lula também é. 

Claro que queremos Lula presidente de novo. Foram só oito anos, de Lula, 13 anos de PT, em mais de 500 anos de Brasil, e ele sabe perfeitamente dessa nossa vontade. Mas ele sabe também do seu papel crucial para a organização do povo brasileiro e latino-americano, na luta por justiça social, por soberania, e que essa luta transcende toda essa discussão sobre cargos e eleições. 

Sua disposição para a luta aos 74 anos de idade mostra seu desprendimento em relação a projetos pessoais e sua dedicação a um algo muito maior: a construção e consolidação de uma sociedade mais justa. Lula não é mito, é exemplo. É como a utopia que o escritor uruguaio Eduardo Galeano descreveu: aquela estrela que a gente olha ali no horizonte e nos dá mais ânimo para seguir a caminhar. Em nome do nosso povo, obrigada, presidente. Volte sempre, a casa é sua.

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