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Vice de Barack Obama reforça sua pré-candidatura no Partido Democrata

Aos 76 anos, Joe Biden superaria Trump como o mais velho político eleito presidente dos Estados Unidos

Foto: Ethan Miller/Getty Images/AFP
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Por David Smith

Houve um rápido aplauso quando Joe Biden entrou no restaurante Detroit One Coney Island, tirou os óculos escuros e sorriu. O candidato cumprimentou e conversou com os clientes por mais de uma hora enquanto os telefones-câmeras clicavam.

O primeiro colocado para a nomeação democrata do candidato a presidente dos Estados Unidos em 2020 saiu do restaurante para ser saudado por câmeras, repórteres, espectadores e uma jovem tocando trompete, acompanhada por um homem ao violoncelo. “É uma maratona”, afirmou Biden, otimista. “Nós passamos a marca de um quarto e estou me sentindo bem.”

Era quinta-feira 1º e o ex-vice-presidente acabara de sair do segundo debate para a primária democrata sangrando, mas com fôlego. Seus rivais tentaram atacá-lo como os assassinos de Júlio César, torcendo as facas sobre os direitos civis, a crise climática, a justiça criminal, a saúde pública, a imigração e os direitos das mulheres.

Quando terminou, ninguém alegou que Biden destruiu seus inimigos ou ofereceu uma inspiração parecida com a de Obama. O comediante de tevê de fim de noite Stephen Colbert observou: “Os democratas passaram de ‘Sim, nós podemos!’ para ‘Isto serve!’”
Biden havia, no entanto, sobrevivido. Os defensores consolaram-se com sua capacidade de recuperação, que começa a parecer um hábito que ainda lhe pode garantir o direito de enfrentar Donald Trump na disputa pela Casa Branca. Nesta campanha, Biden foi confrontado com alegações de mulheres de que ele as tocou de forma inadequada, foi forçado a mudar de opinião sobre financiamento do governo a abortos, enfrentou alegações de que plagiou partes de seu plano para a crise climática, ganhou críticas por lembrar que trabalhou com segregacionistas raciais no Senado dos EUA e foi emboscado em seu histórico racial pela senadora Kamala Harris no primeiro debate da primária.

Por ora, o ex-senador passou incólume pelas acusações de assédio sexual e complacência com supremacistas

Em vez de entrar em colapso, Biden mantém, porém, uma liderança saudável nas pesquisas de opinião antes dos caucus e das primárias do próximo ano em Iowa, New Hampshire e outros estados que vão determinar qual democrata enfrentará Trump em novembro de 2020. Dois eleitores que Biden encontrou em sua campanha em Detroit na quinta-feira 1º ilustraram por que, em sua terceira tentativa à Casa Branca, ele ainda é o homem a ser derrotado, mas também as muitas armadilhas que estão por vir.

No debate em Detroit, Biden foi espremido pelos demais pré-candidatos democratas…

Um segmento-chave de seu apoio são os mais velhos, afro-americanos incluídos. O reverendo Wendell Anthony, de 69 anos, presidente da filial de Detroit da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP na sigla em inglês), explicou: “Nós o conhecemos. Ele estava com o primeiro presidente afro-americano, e eles têm um histórico em saúde, em trabalho com a comunidade. Ele ajudou a cidade de Detroit em termos de transporte, habitação…”

Anthony emenda: “Quando você coloca o histórico dele contra alguns dos outros, fica um degrau acima, e eu apenas acho que não é o que você vai fazer, é o que você já fez. Ele fez o suficiente para merecer o tipo de apoio que está recebendo.”

Depois de Biden ter abraçado Anthony e subido em sua limusine preta após o evento, uma mulher correu na direção dele gritando: “Três milhões de deportações. Três milhões de deportações. Nós não precisamos de suas grandes respostas. Precisamos de melhores candidatos. Qual é a sua desculpa?”

O incidente destacou como, ligando-se a Obama enquanto promete curar a alma da nação, Biden colocou o histórico do 44º presidente sob novo escrutínio, como ficou evidente nos debates. O governo Obama deportou mais de 3 milhões de imigrantes sem documentos, muitos mais do que seus antecessores, George W. Bush e Bill Clinton. As atitudes no Partido Democrata mudaram desde então. E ameaçam deixar Biden para trás.

Os eleitores mais velhos e os saudosos da administração Obama compõem a base de apoio do ex-vice-presidente. Será suficiente? / Foto:Alex Brandon)

A manifestante anti-Biden foi Brenda Valladares, de 29 anos, do Movimiento Cosecha, um grupo liderado por imigrantes que lutam por proteção e respeito. Ela disse: “Há 3 milhões de deportações em suas mãos, nas quais ele foi cúmplice. Estou apenas lhe lembrando, porque ainda não há resposta. Ainda não há pedidos de desculpas pelas atrocidades que as comunidades sem documentos experimentaram durante oito anos e que construíram as bases para as atrocidades e o ódio que estamos experimentando hoje”.

Ao detectar tais vulnerabilidades, alguns dos concorrentes de Biden ofereceram ideias ousadas para consertar o sistema de imigração quebrado. Da mesma forma, alguns foram muito além da assinatura do projeto legislativo de Obama, a Lei de Acesso à Saúde, com propostas de reforma como o Medicare for All. Mas outros integrantes do partido temem que isso sirva aos propósitos de Trump, alimentando seu argumento de que os democratas se tornaram “socialistas radicais”, personificados pela congressista Alexandria Ocasio-Cortez e seus aliados no “Esquadrão”. Para esse eleitorado, Biden parece ser uma escolha mais segura.

Em parte, este caso se baseia na noção de que 2020 não é uma eleição comum. O porta-estandarte republicano não é uma figura política da corrente dominante, como John McCain ou Mitt Romney, mas um empresário famoso que destruiu as normas, rebaixou o discurso e gabou-se de ter bolinado mulheres. Portanto, diz o argumento, este não é o momento de experimentar. Vencer Trump é tudo o que importa.

Muitos eleitores democratas temem que Biden esteja fadado ao mesmo fracasso de Hillary Clinton no confronto com Trump

Biden aponta para pesquisas que o mostram bem colocado para vencer nos estados cruciais no Meio-Oeste, onde Hillary Clinton perdeu para Trump, restaurando o comparecimento de afro-americanos aos níveis da era Obama e trazendo trabalhadores de volta à fileira democrata. “Eu posso ganhar em Michigan”, disse ele com força na quinta-feira 1º. “Eles me conhecem, trabalhei toda a minha vida. Eu venho da classe média. Eu entendo. Eu sei o que está acontecendo. Eu prometo a você, se eu receber a indicação, vou ganhar em Michigan, prometo. Eu vencerei na Pensilvânia e vencerei em Ohio.”

John Zogby, escritor e pesquisador de opinião, avalia: “Eu sempre achei que Biden é o único capaz de pegar Trump. Ele tem a experiência de não se atolar na baixeza onde Trump pode ir. Ele é o único que pode dizer: ‘Donald, pare com essa merda’”.

Outros são, no entanto, céticos em relação à capacidade de o ex-senador suportar a corrida no atual Partido Democrata. Frank Luntz, um consultor e pesquisador republicano, analisa: “Biden ainda é claramente o favorito, mas é um favorito com alguns sérios desafios pela frente. Ele não pode ter um debate ruim. Ele precisa ser ao menos medíocre em todos os debates entre hoje e fevereiro”.

 

Aos 76 anos, Biden superaria Trump como o mais velho político eleito presidente dos Estados Unidos e seria mais um homem branco escolhido em um campo historicamente diverso que inclui mulheres, negros e um prefeito de 37 anos gay. Enquanto ele domina a faixa dos moderados, seu desafio mais significativo agora pode vir da esquerda. Ele acabou poupado de um confronto direto com os senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders, que apareceram na primeira noite do debate em duas partes. Ambos são capazes de incitar jovens adeptos de uma maneira que Biden poderia invejar. Luntz acrescenta: “Eu acho que há um sentimento no Partido Democrata para seguir à próxima geração. O Medicare for All prejudica o Obamacare. O New Deal Verde e o salário mínimo garantido… Esse não é o Partido Democrata de Bill Clinton nem o Partido Democrata de Barack Obama”.

Foto: Johannes Schmitt-Tegge/dpa

Muitos na esquerda temem que Biden contra Trump seja um replay de Hillary Clinton contra Trump em 2016, com uma lacuna de entusiasmo semelhante. Eles sugerem que a candidatura de Biden está em um declínio lento, mas inexorável. Neil Sroka, porta-voz do grupo progressista Democracia para a América, sediado em Detroit, participou da noite do debate e emitiu a seguinte opinião: “O melhor dia de Joe Biden na corrida foi o primeiro. Ele é o ex-vice-presidente dos Estados Unidos que serviu com um presidente extremamente popular, por isso seria surpreendente se a sua candidatura implodisse. Não é um balão que vai estourar. Está vazando ar, e há momentos em que vaza mais rápido do que outros, às vezes dá a impressão de que parou de vazar por completo”.

Sroka, que trabalhou na primeira campanha de Obama na Carolina do Sul, sugeriu que Biden não pode considerar garantidos os eleitores afro-americanos. “Em 2007-2008, os eleitores negros foram a base de Hillary Clinton naquela corrida, até Iowa. O dia mais transformador foi a vitória de Obama em Iowa. De repente fomos inundados. Acho que é muito provável que Biden vença eleitores negros até que comecem realmente as assembleias. Só porque alguém tem domínio em um eleitorado não significa que eles vão seguir até o fim”, disse ele.

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