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União Europeia reconhece avanços nas eleições venezuelanas

Relatório da missão de observação, divulgado em Bruxelas, elenca, porém, uma série de recomendações

Bandeira branca. Maduro estende a mão aos opositores
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As relações entre a Venezuela e a União Europeia, ora tensas, ora gélidas, ganharam uma nova chance de recomeço nesta terça-feira 22. O relatório do bloco europeu sobre as eleições regionais e municipais venezuelanas de novembro, divulgado em Bruxelas, apesar de detectar falhas e sugerir aperfeiçoamentos no processo, não corrobora a tese de fraude, aventada pelos Estados Unidos e por parte da oposição venezuelana. Ao contrário. O texto reconhece avanços legais na comparação com disputas anteriores e atesta o esforço do Conselho Nacional Eleitoral e, em última instância, do governo de Nicolás Maduro, para garantir uma disputa com mais transparência e lisura.

A missão de observação da UE, destaca o relatório de 82 páginas, verificou “uma administração eleitoral mais equilibrada, a realização de várias auditorias em diferentes etapas do processo e uma atualização mais ampla do registro dos eleitores”. O texto prossegue: “O marco legal cumpre com a maioria dos princípios internacionais básicos para eleições”.

Os europeus permaneceram no país, a convite do CNE venezuelano, entre 14 de outubro e 5 de dezembro. Em diferentes levas e momentos, a missão, liderada pela eurodeputada portuguesa Isabel Santos, reuniu 134 integrantes, que acompanharam a campanha, a eleição propriamente dita (1,3 mil mesas de apuração foram escrutinadas) e a proclamação dos resultados. Pela primeira vez, um grupo de observadores internacionais esteve presente nos 23 estados e na capital federal. Desde 2006, uma missão da UE não era autorizada a monitorar um processo eleitoral na Venezuela. “Cumprimos nosso dever com isenção e independência”, afirma a parlamentar.

“Não existem processos eleitorais perfeitos, em nenhum lugar do mundo”, afirma a eurodeputada Isabel Santos, que liderou a missão da UE (Foto: Divulgação)

Entre os pontos positivos, de avanço, destaca Isabel Santos, está um maior equilíbrio na composição do CNE, responsável por organizar as eleições. Dos cinco integrantes do conselho, dois não eram ligados ao governo, um representante da sociedade civil e um dos partidos de oposição. A decisão das legendas opositoras de concorrer, em vez de boicotar as eleições, e a campanha, em geral tranquila e pacífica, também indica uma evolução positiva em direção a uma maior normalidade democrática no processo.

Há muitos entraves a serem superados e o relatório trata minuciosamente de cada um deles. A equipe de observadores lista, no entanto, sete recomendações prioritárias:

1)   Reforçar a separação dos poderes e a confiança na independência do Tribunal Superior de Justiça, com a aprovação de um novo plano de carreiras e uma reforma da lei orgânica da magistratura;

2)   Revogar a prerrogativa da Controladoria Geral de retirar dos cidadãos o direito de concorrer nas eleições por meio de um processo administrativo e sem notificação em tempo hábil, o que repercute negativamente no direito à defesa;

3)   Lançar uma campanha de educação dos eleitores para aumentar a confiança na integridade e na segurança do voto eletrônico e para ensiná-los a votar em diferentes opções políticas em eleições simultâneas;

4)   Reforçar o poder sancionador do CNE por meio de um sistema de controles e sanções, que vai de uma notificação à imposição de punições progressivas, especialmente quando se trata do uso de recursos do Estado;

5)   Equilibrar a cobertura dos meios de comunicação estatais durante a campanha, em linha com a Lei Orgânica de Processos Eleitorais e as boas práticas internacionais;

6)   Derrubar a Lei contra o Ódio, pela Convivência Pacífica e Tolerância (nota de CartaCapitalespécie de lei da mordaça) de forma a promover a liberdade de expressão e evitar a autocensura;

7)   Ampliar os esforços para informar os cidadãos sobre sua escolha como mesários, com o fim de aumentar a presença de representantes capacitados e com credibilidade. Deve ser considerada uma combinação de incentivos e sanções.

Por ter acontecido depois do retorno da missão à Europa, o relatório não trata diretamente da anulação das eleições no departamento de Barinas, terra natal de Hugo Chávez, mas o episódio ilustra duas das principais preocupações dos observadores: a falta de separação dos poderes e a impugnação de candidaturas, 31 ao todo no país, sem transparência e direito de defesa. A oposição havia proclamado vitória no estado, governado pelo chavismo havia cerca de duas décadas, mas o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela inabilitou o candidato Freddy Superlano, do Vontade Popular/MDU, e determinou a realização de novas eleições em 9 de janeiro deste ano. Os opositores tentaram emplacar a mulher de Superlano e um ex-assessor, igualmente inabilitados pelo TSJ. Por fim, escolheram Sergio Garrido, que derrotou Jorge Arreaza, ex-ministro das Relações Exteriores e candidato do governismo, no pleito remarcado. Barinas é um dos poucos trunfos da oposição. O chavismo venceu em 20 dos 23 estados.

Apesar das inúmeras recomendações e dos problemas detectados, Isabel Santos vê com certo otimismo as eleições venezuelanas. “Não há processos eleitorais perfeitos, em nenhum lugar do mundo, e não podemos deixar de notar os avanços em relação a disputas anteriores”, afirma a eurodeputada. “Nesse relatório não fazemos rankings nem qualificações. Apontamos os pontos fracos, os problemas, e listamos nossas sugestões. Esse trabalho pertence ao povo venezuelano. Cabe a ele se apropriar das recomendações”.

Leia o relatório na íntegra.

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