Uma Grécia dividida às vésperas do referendo

Defensores do "sim" falam de uma escolha sobre o futuro do país na Zona do Euro, enquanto o outro lado vê a consulta como uma forma de marcar posição perante credores e suas medidas de austeridade

Ativista anti-UE queima bandeira da união em frente ao escritório da Comissão Europeia em Atenas, em 2 de julho

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Nas vésperas do referendo grego, agendado para domingo 5, o debate tem ganhado contornos cada vez mais acirrados, embora ele não seja novo: como os gregos avaliam o resto da União Europeia UE?

Segundo pesquisas de opinião, eles estão entre os maiores defensores do bloco desde que aderiram à então Comunidade Europeia, em 1981 – não só por causa do apoio financeiro generoso de Bruxelas, mas também porque a UE é vista e estimada, tradicionalmente, como uma âncora de estabilidade. Mas em tempos de crise, isolacionistas e eurocéticos conseguem chamar cada vez mais atenção na Grécia.

Cerca de 20 mil pessoas se reuniram na segunda-feira 29 em frente ao Parlamento grego numa manifestação impressionante pelo “não”. Na opinião dos manifestantes, seria um “não” a uma “austeridade imposta externamente” e não uma negativa à adesão da Grécia ao euro. Dois dias mais tarde, houve mais manifestações contra as medidas de austeridade.

Antes, o “não” era a escolha da maioria, mas, atualmente, pesquisas indicam uma votação apertada. Para Spiros Koreas, esse é mais um motivo para ir às ruas. “Queremos recuperar nossas próprias vidas e pôr fim ao nosso empobrecimento. Por isso que nós defendemos um orgulhoso ‘não’ neste domingo”, diz o ativista grego de 50 anos.

O debate entre os defensores do “não” e os do “sim” é extremamente emocional. Muitos citam não só o futuro da Grécia, como seu próprio passado, na batalha da geração dos pais por mais democracia em um país atormentado por guerras e crises.

“Em julho de 1965, o governo democraticamente eleito da Grécia foi derrubado. Na época, fomos às ruas para defender a democracia neste país. Nunca pensamos que, em julho de 2015, 50 anos depois, a UE interviria tão bruscamente, logo ela que se acha o berço da democracia”, ressalta a ativista Sonia, que é a favor do “não”.


Cada vez mais frequentemente é possível ouvir nas ruas de Atenas esta comparação histórica e a referência aos eventos dramáticos de julho de 1965, quando o jovem rei Constantino causou a queda do governo recém-eleito do liberal de esquerda Giorgos Papandreou – supostamente para evitar uma rebelião comunista.

A medida foi acompanhada de batalhas de rua, uma longa crise política com constante mudança de governos e o cruel golpe militar de 1967. Os acontecimentos marcaram o começo do fim da democracia grega e fundaram o mito da dinastia Papandreou, que até hoje influencia a vida política grega. A dúvida é se Alexis Tsipras deseja também ser tratado como um herói pelos livros de história, mesmo que venha a involuntariamente a renunciar ao poder.

Os defensores do “sim”, que na terça-feira 30 também compareceram em grande número, veem a coisa por outro prisma. “Faz uma eternidade que não venho a uma manifestação, mas desta vez eu queria participar”, diz a advogada Vassiliki, de 44 anos. Ela acrescenta que não vê outra saída a não ser um “sim”. “Estamos falando de nada menos que o futuro do nosso país”, completa.

A advogada, mãe de dois filhos, vive numa situação de relativo conforto e educa seus filhos de forma liberal, multilíngue e pró-europeia. Ela pertence a uma geração para qual uma Europa sem fronteiras é algo comum e que não pode ser ameaçado.

“Acho simplesmente inacreditável que eu tenha que me manifestar e lutar pelo óbvio”, reclama a jurista.

Os defensores do “sim” falam de uma escolha de direção sobre o futuro europeu da Grécia, enquanto o outro lado vê o referendo apenas como uma decisão sobre as mais recentes propostas de austeridade dos credores.

A luta pela soberania de interpretação do referendo continua – e o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, quer dar sua própria contribuição ao debate, afirmando, em discurso à nação, que quem decidir pelo “sim” se torna “cúmplice da continuação da política de austeridade”.

“É uma coisa incrível”, se admira o escritor Christos Chomenidis. “O primeiro-ministro chama os eleitores de culpados só porque eles não compartilham da sua opinião. Isso nunca aconteceu, nem mesmo num regime autoritário.”

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