Mundo

Um desafio humanitário na fronteira dos EUA

Cerca de 57 mil crianças centro-americanas chegaram à fronteira no vale do Rio Grande, nos últimos nove meses, fugindo da violência

Em 7 de julho, norte-americanos realizaram um protesto anti-imigração em frente ao centro de controle de fronteira de Murrieta, na Califórnia. Eles reclamavam da chegada de ônibus com mulheres e crianças centro-americanas que chegaram ilegalmente aos Estados Unidos
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Por Tom Dart

Quando o bando veio procurá-lo, Ceferino decidiu que tinha três opções: juntar-se a eles, recusar-se a aderir e correr o risco de ser morto, ou fugir do país. O adolescente deixou sua família na Guatemala e rumou para os Estados Unidos, tornando-se parte de uma onda de crianças desacompanhadas da América Central que confunde as autoridades na fronteira do Texas e provoca uma crise humanitária e uma disputa política.

Nos últimos nove meses, a patrulha de fronteiras dos EUA apreendeu mais de 57 mil crianças como Ceferino. É mais que o dobro do número do ano passado, por causa do aumento drástico no número de crianças vindas de Honduras, El Salvador e Guatemala, onde os índices de assassinato estão entre os mais altos do mundo e a violência das gangues impera.

A maioria dos migrantes atravessa a fronteira no vale do rio Grande, uma região plana, árida e escaldante do sul do Texas, onde o rio estreito e sinuoso forma uma fronteira relativamente porosa entre os Estados Unidos e o México.

A história de Ceferino não é incomum. Em abril do ano passado, ele pagou 2 mil dólares para um contrabandista e foi levado com algumas outras crianças – um grupo de cerca de 12 – até a fronteira do Texas por ônibus, caminhão e trem, contou ele. Ceferino atravessou o rio e foi apanhado por agentes de fronteira.

Se fosse mexicano, poderia ter sido enviado rapidamente de volta pelo rio Grande. No entanto, segundo uma lei contra tráfico humano aprovada em 2008 – uma das últimas leis assinadas na presidência de George W. Bush –, os menores desacompanhados de países que não sejam o México ou o Canadá devem ser entregues a autoridades do Departamento de Assentamento de Refugiados em 72 horas. Então eles são colocados em abrigos e, quando possível, entregues a parentes ou patrocinadores nos EUA, dependendo da resolução de seus casos.

Ceferino passou quatro meses em um abrigo no Texas antes de poder se reunir a sua tia em Los Angeles. Hoje com 18 anos, ele tem licença de trabalho e um emprego na construção e planeja melhorar seu inglês. Em uma audiência no tribunal em setembro próximo, vai descobrir se poderá ficar permanentemente nos EUA.

“Estar aqui em Los Angeles é mais seguro: é como se eu pudesse andar até a loja sem me preocupar, mas sinto falta da minha família”, disse ele por meio de um intérprete. Perguntado por que tantos jovens como ele estão fazendo essa viagem tão perigosa, disse: “Não tenho certeza, mas minha ideia é que eles viram que os EUA podem cuidar melhor deles. Têm a possibilidade de uma vida melhor”.

Muitos, talvez a maioria, têm um caso humanitário verossímil contra a remoção. Em março passado, um relatório da Agência de Refugiados da ONU, “Crianças em Fuga”, citou entrevistas com mais de 400 crianças sob custódia dos EUA e concluiu que a maioria acreditava correr risco em seus países de origem.

Apesar do aumento dos sinais de advertência nos últimos anos, órgãos do governo americano estavam despreparados para tal surto de imigrantes, e as instalações de recepção rapidamente ficaram lotadas. Surgiu um relatório sobre condições insalubres e imagens assustadoras de crianças amontoadas em salas que pareciam campos de refugiados. Abrigos temporários foram abertos em bases militares no Texas, em Oklahoma e na Califórnia.

Com a imigração entre as questões políticas mais divisivas nos EUA e as tentativas de reforma atualmente estagnadas, o governo Obama sofre imensa pressão para conter o fluxo.

Os conservadores retrataram o governo federal como incompetente, voluntariamente negligente ou ambos. Mas as autoridades enfrentam vastos desafios logísticos e de assistência social, além do problema de tentar assumir uma posição firme e desencorajadora sem parecer insensível a jovens vulneráveis.

Barack Obama esteve no Texas na semana passada para uma série de eventos para angariar fundos e foi criticado por não visitar o vale. “Isto não é teatro; é um problema”, disse. “Não estou interessado em operações publicitárias.” Obama encontrou-se com o governador do Texas, Rick Perry, cujas exigências por segurança mais rígida na fronteira prontamente o colocaram em destaque nacional enquanto ele planeja uma segunda candidatura para a Casa Branca em 2016.

“Todo mundo está contrariado em Washington”, disse Norberto Salinas, prefeito de Mission, uma cidade na fronteira do Texas cujo rio é um ponto quente para travessias não autorizadas. “As pessoas estão descobrindo que eles não as deportam. Você conserta a cerca e elas apenas arrombam a cerca. Vêm em grupos de 20 ou 30 pessoas.”

No mês passado surgiram histórias de que imigrantes estavam sendo atraídos para os EUA por rumores infundados de que havia possibilidade de conseguir licenças de permanência. Agentes da patrulha de fronteiras disseram à imprensa que imigrantes estavam se entregando alegremente e correndo os riscos. Obama advertiu os pais em uma entrevista à NBC News: “Não enviem seus filhos para a fronteira. Se eles conseguirem passar, serão mandados de volta. Mais importante: talvez não consigam”.

Mas os 250 juízes de imigração dos EUA estão trabalhando com um acúmulo de 350 mil casos, o que significa que muitos migrantes permanecem nos EUA durante anos enquanto seus processos se arrastam pelo sistema. Lutando para realocar recursos, o governo pediu ao Congresso 3,7 bilhões de dólares para abordar a situação.

“Se eles falam sério sobre conter o problema, tem de ser feito de um modo que deixe claro para as pessoas dos países mais pobres que vir será um esforço ineficaz: eles vão gastar dinheiro para nada”, disse Dan Cadman, do Centro para Estudos de Imigração, um órgão de pesquisa sem fins lucrativos. “A única maneira como isso pode acontecer é mostrando uma fila de pessoas sendo repatriadas.”

Perry pediu a Obama mil guardas nacionais para reforçar a segurança e sugeriu empregar aviões teleguiados Predator para localizar os traficantes. Enquanto isso, grupos de voluntários armados ameaçam realizar pessoalmente a patrulha de fronteiras. Na última segunda-feira, um grupo chamado Projeto Minuteman anunciou em seu site os planos da “Operação Normandia”: um chamado para 3.500 cidadãos voluntários. Em 1º de julho, manifestantes em Murrieta, na Califórnia, obrigaram um ônibus procedente do Texas com imigrantes sem documentos a voltar e procurar outro centro de processamento.

No vale do rio Grande, há mais preocupação que tensão. A área abriga cerca de 1,3 milhão de pessoas, na maioria latinos. As conurbações ao redor da fronteira em que elas vivem são uma estranha mistura de enclaves ricos, com uma atmosfera de férias de verão, e assentamentos conhecidos como “colônias”, que estão entre as áreas mais carentes do país.

Instituições de caridade estão reunindo esforços de ajuda para famílias, que geralmente são rapidamente liberadas e aconselhadas a pegar um ônibus e encontrar parentes em outro lugar nos EUA enquanto esperam pela data de audiência. Na Catedral da Imaculada Conceição em Brownsville, uma cidade de fronteira mais a leste, voluntários e membros da igreja fornecem comida, roupas e artigos essenciais para as famílias horas após sua libertação. Na noite de sexta-feira, uma lista mostrava as famílias que tomariam ônibus para Houston, Nova Jersey e Maryland.

“Todo mundo que falou comigo tinha algum fato horrível em sua vida”, disse Cindy Johnson, uma trabalhadora comunitária em Brownsville. A grande e moderna estação rodoviária da cidade fica a apenas 250 metros da cerca da fronteira. Uma mulher de 34 anos e aspecto exausto estava sentada na área de espera com três crianças, de 4, 8 e 11 anos, preparando-se para embarcar em um ônibus para Maryland. Um de seus filhos usava uma camiseta da Universidade Texas A&M, sua filha uma blusa rosa com a palavra “princesa” estampada.

A mulher disse que era professora no leste de El Salvador. A viagem de 3.200 quilômetros tinha custado dez dias e 17 mil dólares para a família. Eles atravessaram o rio Grande em uma balsa e foram rapidamente interceptados e detidos durante a noite para processamento. Ela disse por meio de um intérprete que eram “24 pessoas em uma sala – era meio suja e muito fria”. Aguardando uma audiência no tribunal, foram liberados e rumaram para a costa leste para encontrar uma irmã a cerca de 2.800 quilômetros de distância.

A mãe disse que veio para dar a seus filhos a chance de um futuro melhor – “para que eles possam ser profissionais, fazer o que quiserem na vida” – e por sua própria segurança, porque pessoas lhe haviam exigido dinheiro e ameaçado sua vida. “Eu apenas quero ficar aqui para que não me matem”, disse.

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