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Um ano depois, tentativa de assassinar Cristina Kirchner vira ‘operação abafa’

Uma investigação regada a trapalhadas e decisões questionáveis coloca em xeque a compreensão sobre o que de fato ocorreu em 1º de setembro de 2022

Ato de Cristina Kirchner em La Plata em 17 de novembro de 2022. Foto. Luís Robayo/AFP
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Às 20h52 de 1º de setembro de 2022, Cristina Kirchner saudava apoiadores em frente ao prédio onde mora, no bairro Recoleta, em Buenos Aires, quando um homem abriu caminho em meio à multidão, apontou uma arma em sua direção e apertou o gatilho. A bala, felizmente, não saiu.

Desde então, Cristina e o peronismo cobram o aprofundamento das investigações. Há, porém, setores da política argentina interessados em encerrar o caso de uma vez por todas, apenas com a condenação de quem empunhou a arma.

Ainda naquela noite de 2022, o brasileiro Fernando Sabag Montiel, 36 anos, foi contido por manifestantes e detido logo em seguida. Pouco antes, ele havia aparecido na TV ao lado de sua namorada, Brenda Uliarte, criticando medidas do governo.

Trapalhadas na investigação lançam dúvidas sobre o real compromisso com uma apuração diligente

Ele responde por tentativa de homicídio e irá a julgamento. Também já foi condenado a um ano de prisão por irregularidade em um documento. Estima-se que o júri pode ocorrer em 2024, mas ainda não há uma data ou a designação dos magistrados.

Os outros dois alvos da investigação são:

  • Brenda Uliarte, 23 anos, detida em 4 de setembro de 2022. Também irá a julgamento por tentativa de homicídio;
  • Nicolás Carrizo, considerado um participante secundário no caso. “Acabamos de tentar matar Cristina”, disse no WhatsApp. Ele contou ter entregado uma arma para o ataque.

Desde o ano passado, cobra-se a investigação sobre um grupo de extrema-direita chamado Revolución Federal, liderado por Jonathan Morel e Leonardo Sosa, devido a uma campanha de mensagens de ódio contra Cristina e outros expoentes do peronismo. A violência do discurso chamava a atenção.

Em um protesto, o grupo levou à histórica Plaza de Mayo, no centro da cidade de Buenos Aires, uma guilhotina, a exibir a mensagem: “Todos presos, mortos ou exilados”.

Os que exigem uma investigação detalhada sobre a Revolución Federal destacam o vínculo entre Morel e Caputo Hermanos, empresa de parentes de um ex-ministro do governo de Mauricio Macri chamado Luis Caputo, e pela atuação de Delfina Wagner, uma militante antiperonista que participa de programas de uma emissora de TV e esteve em contato com Morel e Brenda Uliarte.

Um outro ponto de interrogação paira sobre o deputado Gerardo Milman, ex-número dois do Ministério da Segurança sob o governo de Macri.

Em 23 de setembro de 2022, um assessor da coalizão peronista Unión por la Patria chamado Jorge Abello disse ter visto Milman dois dias antes do atentado em um bar próximo ao Congresso, em Buenos Aires, com duas mulheres. Naquela ocasião, Milman teria dito, segundo Abello: “Quando eles a matarem, estarei a caminho da costa”.

O celular de Milman nunca foi periciado. O pedido ainda está em curso, mas pouco se pode esperar que avance um ano após a tentativa de assassinato.

Em maio, uma das mulheres que estavam com Milman no bar, Ivana Bohdziewicz, disse que seu celular foi apagado. Ela afirmou também que o aparelho de Milman foi “manipulado”.

A defesa de Cristina entende que Delfina Wagner poderia ser um elo entre a Revolución Federal e Uliarte/Sabag Montiel, além de ligar os dois detidos a Milman. “Wagner é a única pessoa que parece conhecer todos os supostos atores deste caso. As coincidências são muitas e é preciso investigar imediatamente”, sustentam os advogados.

A tese dos “lobos solitários” também impedirá o avanço sobre eventual financiamento de atos violentos contra Cristina. Há suspeitas, por exemplo, sobre uma possível contratação de Morel, o líder do grupo de extrema-direita, pelo Grupo Caputo para um grande – e suposto – serviço de carpintaria, que teria sido terceirizado.

Outras trapalhadas da investigação, como o fato de o celular de Sabag Montiel ter sido restaurado para padrões de fábrica, lançam ainda mais dúvidas sobre o real compromisso com uma apuração.

Ao longo dos últimos 12 meses, diversos outros nomes sugiram no noticiário argentino como potenciais participantes do processo que culminaria no atentado frustrado contra Cristina. Há mais pontas soltas do que a sinalização de desfecho claro no horizonte.

Nos últimos dias, as atenções se voltaram à defesa de Brenda Uliarte, chefiada pelo advogado Carlos Telleldín. A uma rádio, ele disse que sua cliente poderia fornecer “os nomes de quem pagou e de quem recebeu o pagamento” para protestos em frente à casa de Cristina.

Os responsáveis por pagar pelas manifestações seriam, conforme a declaração de Telleldín, “funcionários da cidade de Buenos Aires” ligados a Milman. Depois, a outro veículo de imprensa, não citou “funcionários”, mas “uma pessoa próxima” a Milman. A intenção, segundo o advogado, não seria matar CFK, mas “provocar”.

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