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‘Temos plena liberdade’, diz Sabrina Fernandes, observadora em eleição na Venezuela

Em entrevista a CartaCapital, socióloga rebate impressão de que não há observação internacional no pleito e diz que existe ‘pluralidade’

Foto: Federico PARRA/AFP
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Socióloga, criadora do canal Tese Onze e colunista de CartaCapital no YouTube, Sabrina Fernandes foi à Venezuela para acompanhar de perto as eleições parlamentares como observadora internacional. A população do país governado por Nicolás Maduro foi chamada às urnas neste domingo 6, para escolher os próximos 277 deputados que vão ocupar as cadeiras da Assembleia Nacional, entre 2021 e 2026.

“Temos plena liberdade. Eu pude circular em todos os espaços”, afirmou a socióloga, em entrevista. “Há mulheres, homens, de etnias diferentes, LGBTs, participantes de organizações políticas diversas, inclusive organizações políticas que têm posições diferenciadas sobre o que significa o governo Maduro.”

Sabrina foi convidada para a tarefa pelo Instituto Simón Bolívar para a Paz e Solidariedade entre os Povos, inaugurado por Maduro em 6 de setembro, com o objetivo de articular ações de movimentos sociais de diferentes países. O órgão é presidido pelo vice-ministro das Relações Exteriores para a América do Norte, Carlos Ron.

De acordo com o governo, mais de 300 observadores internacionais confirmaram presença no pleito, oriundos de países vizinhos, Europa, Ásia, África e até dos Estados Unidos. Para Sabrina, “há uma tendência” em dizer que não há observação nas eleições, mas o que ocorre é que determinados organismos recusaram o convite para participar.

A União Europeia, por exemplo, declarou rejeição ao convite à votação. Uma eurodeputada, Clare Daly, chegou a protestar contra a decisão e decidiu ir à Venezuela mesmo assim.

Conforme mostrou reportagem de CartaCapital, os chavistas estão divididos pela 1ª vez em uma eleição, após o Partido Comunista desembarcar da aliança que apoia o governo. Do outro lado, a oposição de direita está rachada. A ala do deputado Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino do país, reuniu 27 partidos, declarou boicote e pediu que a eleição não seja reconhecida. Em sua visão, a votação vai legitimar a “ditadura” de Maduro.

O voto na Venezuela não é obrigatório. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), 107 organizações políticas puderam registrar candidaturas: 30 nacionais, 53 regionais e 24 indígenas. Num país com cerca de 33 milhões de pessoas, 20,4 milhões estão habilitados a ir às urnas e decidir entre mais de 14 mil candidatos.

Confira, a seguir, entrevista na íntegra com a socióloga Sabrina Fernandes, direto de Caracas, na Venezuela.

Sabrina Fernandes foi convidada para acompanhar a eleição da Venezuela como observadora internacional. Foto: Arquivo pessoal

CartaCapital: Como descrever a tarefa de um observador internacional nesta eleição na Venezuela?

Sabrina Fernandes: Eu estou aqui na Venezuela como observadora internacional de um processo que já existe há tempos, em que o próprio governo convida observadores ao redor do mundo, para que possam circular nas urnas, entrevistar as pessoas que estão votando, conhecer os lugares de votação, e assim verificar se há alguma coação ou irregularidade nesse sentido.

O nosso papel não é de verificar a parte técnica. Então, nós não verificamos, por exemplo, o funcionamento da urna eletrônica em si. Para isso, muito tempo antes, chegam outros tipos de observadores técnicos, que trabalham nessa área e já estavam aqui na Venezuela desde antes. A nossa observação é sobre garantia do processo, para que o processo não passe por coação.

O Instituto Simón Bolívar, na Venezuela, está muito engajado em garantir que as pessoas vejam o que está acontecendo aqui, que conheçam, que possam relatar pelos seus próprios olhos e não fiquem tão presas à lógica da mídia hegemônica. Então, eu faço parte de uma delegação que veio como observadora internacional a convite do Instituto Simón Bolívar. Por conta disso, no dia da eleição, nós temos visitado alguns desses locais de votação e também circulado em outras partes da cidade. No caso, estou em Caracas, mas há observadores em sessões eleitorais em todo o país.

CC: Como os observadores internacionais estão sendo recebidos? É possível dizer que há pluralidade entre os convidados?

Sabrina Fernandes: A recepção aos observadores internacionais é fantástica. Há observadores vindo através de conexões diferentes, então nem todo mundo vem pelo Instituto Simón Bolívar, que é um instituto recente que foi criado em agosto. Também vieram pessoas através de conexões a partir da imprensa, por exemplo.

Através do próprio comitê eleitoral, isso é organizado já há muitos anos, não é a primeira vez que isso ocorre. E, mesmo assim, há uma tendência da mídia hegemônica em dizer que não há observadores internacionais nas eleições venezuelanas. O que ocorre é que algumas organizações internacionais se recusam a observar as eleições. A partir desse boicote, acabam tratando como se não fosse permitido fazer a observação.

Nós estamos aqui conversando com pessoas o tempo inteiro. Temos plena liberdade. Eu pude circular em todos os espaços. O único momento em que não posso circular é quando a pessoa faz o seu voto. Eu não posso olhar o papel, o recibo da urna eletrônica, porque o voto é secreto. Mas eu pude conversar com pessoas que estavam prestes a votar, com as pessoas que já votaram, fiz imagens, vi como é a checagem da documentação das pessoas. Fui muito bem recebida em diversas sessões eleitorais.

A pluralidade é impressionante. São pessoas de mais de 30 países. Há mulheres, homens, de etnias diferentes, LGBTs, participantes de organizações políticas diversas, inclusive organizações políticas que têm posições diferenciadas sobre o que significa o governo Maduro. Estão todos sendo tratados da mesma forma, ao que eu vejo. A partir de debates que temos feito, também é possível ver quais são os desafios concretos que nós encontramos aqui.

Moradores da Venezuela fazem fila para votar nas eleições parlamentares. Foto: Cristian Hernandez/AFP

CC: Na eleição da Bolívia, havia um clima descrito como tenso, por intimidação dos militares. Como está o clima na Venezuela? E qual o grau de engajamento da população?

Sabrina Fernandes: Aqui em Caracas, pelo menos nos espaços que nós podemos visitar, as pessoas estão engajadas tranquilamente. O voto não é obrigatório, então há pessoa que decidiram não votar, e estão andando pelas ruas, fazendo compras, dentro dos shoppings, nas feiras. Está bem tranquilo. Eu não percebo, até o momento, um clima de insegurança.

Talvez, isso esteja relacionado à própria questão da oposição, principalmente a ala do Guaidó, que se desmobilizou para o processo eleitoral. Mas também há uma direita engajada. É possível circular pela cidade e ver outdoors, grandes placas, chamando o voto para a direita. Então, isso está presente.

Algo que é bem interessante, e que é diferente do Brasil, é que as pessoas não carregam adesivos consigo. Não é permitido fazer esse tipo de declaração no dia da eleição, tampouco você vê santinhos e panfletos. O lixo que se encontra nas ruas é o lixo do cotidiano mesmo, não se encontra aquele monte de panfletos que a gente vê no Brasil.

Há grupos diversos de observadores indo a lugares diferentes. Nos lugares que eu visitei, eu encontrei um local que estava mais esvaziado. Foi pela manhã, então o engajamento estava um pouco mais baixo. Em outro local, as pessoas estavam esturricando no sol, em fila, para votar. E ainda tinha mais gente chegando. Então, eu acredito que essa questão do engajamento da população varia de comunidade para comunidade. Isso também é resultado do engajamento político cotidiano em que essas comunidades estão inseridas.

Algo que também é possível perceber nesse processo é que algumas pessoas querem nos mostrar o que está acontecendo. Então, tem pessoas pedindo para tirar fotos, falando “votei”. Há imagens de pinturas em muros que falam sobre como o voto é uma conquista e é importante seguir votando. A campanha para votar está presente em todos os lugares. Não vem somente do governo Maduro, mas também está presente de forma autônoma em outros espaços.

CC: Como você vê a atuação da oposição liderada por Guaidó, que se recusou a participar do pleito?

Sabrina Fernandes: Antes da votação em si, ontem nós fizemos uma visita a um local de moradia popular auto-organizada. Uma das pessoas que estava lá é uma candidata hoje na lista. Ela estava falando que as coisas na Venezuela estão muito difíceis sim, muito complicadas sim. Mas entregar as pontas e perder todo o acúmulo que foi feito nos últimos anos não é a solução.

Então, no sentido de engajamento político, sobre as pessoas que estão ali e querem continuar essa tomada neste momento, há uma conversa por parte da esquerda de que é necessário defender uma Assembleia Nacional que não seja refém do Guaidó. Esse é um dos objetivos, isso ficou bastante claro.

Por conta disso, eles são muito sinceros: aqui não é um paraíso, aqui não é maravilhoso. Muito longe disso. O país está passando por muitas dificuldades. Mas ceder à pressão da direita, alinhada com o imperialismo, não é uma solução. Muito pelo contrário. Realmente, vemos que essa disputa está ocorrendo no cotidiano, e não só nesse momento.

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