‘Se não houve fraude, foi um golpe de Estado’, diz ministro da Justiça sobre a prisão de Jeanine Áñez

'Os processos na América Latina que atentaram contra a democracia ocorreram por interesses econômicos', afirma Iván Lima Magne

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Áñez foi fotografada no momento da prisão, após golpe de Estado. Foto: Aizar Raldes/AFP

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A polícia boliviana prendeu a ex-presidenta interina Jeanine Áñez na madrugada deste sábado 13, na cidade de Trinidad. A detenção foi divulgada por um comunicado do ministro de Governo, Eduardo Castillo: “informo ao povo boliviano que a senhora Jeanine Áñez já foi apreendida e neste momento se encontra em mãos da polícia”.

 

 

 

Jeanine teve a prisão decretada pela Justiça na noite de sexta-feira 12, acusada dos crimes de “sedição e terrorismo” pelos atos que levaram à renúncia de Evo Morales da presidência do país em 2019. Transladada à La Paz, a ex-senadora declarou aos jornalistas ali presentes que “esta é uma apreensão tremendamente irregular”.

“Eu, como ex-mandatária, tenho uma situação muito particular, mas assim é o abuso”, disse antes de ser levada às celas policiais da Força Especial de Luta Contra o Crime (FELCC).


 

Presa, ex-presidente da Bolívia é acusada de terrorismo em golpe de Estado. Foto: Reprodução

 

Punição ao golpe

A ordem que levou à prisão de Jeanine esta manhã trata de participação em atos de “sedição e terrorismo”. O mandado alcança também cinco de seus ex-ministros e a cúpula militar que pediu a renúncia de Evo Morales em 2019.

Logo após um conturbado processo eleitoral, a suspeita de fraude eleitoral desencadeou uma onda de protestos nas ruas nas principais cidades bolivianas. Morales renunciou ao cargo de presidente 21 dias após o pleito, devido à exacerbação da violência causada por um motim policial, a uma comunicação das Forças Armadas a qual “sugeria” que ele deixasse o cargo.

O processo eleitoral foi auditado pela Organização dos Estados Americanos, sob o comando de Luis Almagro, o qual apontou supostas irregularidades nas votações, dizendo que os resultados não eram confiáveis.

Estudos acadêmicos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, publicados em 2020, analisaram o método utilizado pela entidade e afirmaram que as conclusões da organização estavam incorretas.

“Não há uma só prova que demonstre que houve fraude eleitoral na Bolívia e, se não houve fraude, o que houve foi um golpe de Estado”, diz o ministro da Justiça e Transparência Institucional da Bolívia, Iván Lima Magne, comentando a prisão da ex-presidenta interina do país andino.

 

O ministro Iván Lima Magne. Foto: Reprodução

 

A hipótese de fraude, no entanto, continua sendo utilizada por aqueles que condenam o retorno do MAS (Movimiento al Socialismo) ao poder.


Jeanine Áñez assumiu como presidenta interina em novembro de 2019, apenas dias após a divulgação dos resultados preliminares da auditoria da OEA. Ela era segunda vice-presidente do Senado e chegou ao comando da Bolívia com o aval do Tribunal Constitucional. Na época, ela defendia que seu objetivo era convocar novas eleições e que não seria candidata, para logo se contradizer em janeiro de 2020, quando decidiu concorrer.

“O que está sendo julgado é um fato muito claro: como é possível que um partido com 4% nas urnas termine governando um país? Se isso se decidiu sem intervenção da Assembleia e foi recebido das mãos de um militar, isso é um golpe de Estado”, reitera o ministro Iván Lima Magne.

A candidatura de Áñez acabou não tendo envergadura suficiente para seguir adiante. Sua imagem se enfraqueceu mesmo entre os opositores de Morales, devido à má gestão da pandemia, o que resultou na sua retirada do pleito.

Para Magne, a importância de julgar aqueles que levaram a cabo o que ele chama de “golpe” é encontrar os culpados pelos “massacres, assassinatos e torturas” que assolaram o país no fim de 2019.

Ao comentar a prisão de Jeanine nas redes sociais, Evo Morales citou números de vítimas do que chamou de “atentado contra a vida e a democracia”.

“Por justiça e verdade para as 36 vítimas fatais, os mais de 800 feridos e mais de 1,5 mil detidos ilegalmente no golpe de Estado. Que os autores e cúmplices da ditadura que saqueou a economia e atentou contra a vida e a democracia na Bolívia sejam investigados e sancionados”, pediu.

 

 

Uma das teses levantadas pelo MAS é que o golpe teria tido a participação de forças internacionais em sua articulação, devido às jazidas de lítio bolivianas.


“Todos os processos na América Latina que atentaram contra a democracia ocorreram por interesses econômicos e por nossos recursos naturais”, afirma o ministro Magne.

Uma vez decretada sua prisão, a ex-presidente não demorou em publicar em sua conta de Twitter o link com a ordem de detenção, seguida da mensagem de onde diz que “a perseguição política começou”. Para ela, “o MAS decidiu retomar o estilo ditatorial”.

“Uma vergonha, porque a Bolívia não precisa de ditadores, mas sim de liberdade e soluções”, escreveu.

“Ela está sendo julgada como ex-senadora, não como ex-presidenta de fato”, rebate o ministro da Justiça. “Na Bolívia, temos um sistema que garante um processo adequado. Tudo foi feito com o controle judicial correspondente. Está tudo nas mãos da Justiça.”

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