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Reino Unido quer usar instituições de caridade para deportar imigrantes

Por meio do Ministério do Interior, governo planeja ter acesso a dados de imigrantes sem-teto

Foto: Dinedra Haraia/Sopa Images/ZumaWire/Fotoarena
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Ministério do Interior do Reino Unido elaborou um programa secreto que usa instituições de caridade para obter dados confidenciais de pessoas sem-teto e facilitar a deportação de imigrantes desabrigados, revela o Observer. Uma série de e-mails de funcionários graduados da pasta, de dezembro de 2018 a maio de 2019, mostra ainda que esse programa clandestino ignora as leis de privacidade europeias.

O esquema, ainda em fase de testes, é visto por instituições de caridade e ativistas como a mais recente manifestação da política de “ambiente hostil” do Ministério do Interior. Um plano anterior de deportar as pessoas da União Europeia que dormem nas ruas foi derrubado há 18 meses, quando a Suprema Corte o considerou ilegal e discriminatório.

O Ministério do Interior britânico desenvolveu um esquema notavelmente similar que, segundo um e-mail interno, levará à “aplicação da lei em certos casos” – ou seja, à deportação – e tem como alvo os sem-teto “não britânicos” e de fora da Área Econômica Europeia. 

“É uma vergonha que o Ministério do Interior, as autoridades locais e instituições de caridade tentem transformar profissionais confiáveis que ajudam os sem-teto em guardas de fronteira. As instituições de caridade devem se recusar a ser cúmplices”, afirma Gracie Bradley, diretora de políticas e campanhas da organização de direitos humanos Liberty.

“Agora está claro que o Ministério do Interior, com a Autoridade da Grande Londres, conselhos de vereadores e algumas instituições de caridade, tenta ressuscitar essa política discriminatória sob um disfarce diferente”, emenda um porta-voz do Centro de Direito de Interesse Público, que venceu o caso na Suprema Corte. 

A correspondência revela que algumas instituições de caridade de refugiados já foram solicitadas a encaminhar casos ao programa, chamado Serviço de Apoio a Pessoas Sem-Teto, e pelo menos uma delas concordou. Os e-mails também revelam que a instituição beneficente St. Mungo’s participou de reuniões com o Ministério do Interior, para discutir a possibilidade de permitir que trabalhadores de auxílio enviem os dados de pessoas sem-teto ao governo sem o seu consentimento.

Um e-mail datado de 10 de abril de 2019 confirmou que o esquema “oferece um ponto de contato único para que as autoridades locais recebam verificações rápidas da situação de imigração de pessoas de fora do Reino Unido”. Explica ainda por que pretende burlar as leis de privacidade: “Um sistema que conte com o consentimento para cumprir o Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE seria vulnerável a indivíduos que se recusassem”. Outro e-mail datado de 18 de fevereiro de 2019, para os funcionários do governo da Grande Londres, mostra que a segmentação de pessoas desabrigadas seria imediata, dizendo que “verificações de imigração sobre sem-teto são concluídas em até 24 horas depois de uma consulta”.

Obtida da Liberty com base na lei de liberdade de informação, a correspondência diz que o esquema é encabeçado pela principal autoridade das operações anteriores contra a imigração e será “utilizado para resolver a situação de desabrigados não pertencentes à Área Econômica Europeia”. Os e-mails expõem uma oposição significativa de várias instituições de caridade, incluindo a St. Mungo’s e o grupo de defesa de migrantes Praxis, que advertem sobre “riscos de reputação” para entidades ligadas ao esquema. 

Em e-mails, a Praxis citou várias preocupações, incluindo o fato de não estar claro “se a consulta ao Serviço de Apoio tornaria mais provável a detenção de desabrigados em suas entrevistas de registro”. A instituição menciona temores de que o programa seja voltado principalmente para a remoção dos sem-teto. “A cultura parece ser de policiamento”, disse a Praxis em 3 de maio de 2016.

Desde o início havia temores de que o programa seria polêmico. Um e-mail enviado por uma autoridade do governo de Londres ao Ministério do Interior cita uma “possibilidade de má repercussão na imprensa em torno do serviço, e que deve haver uma linha clara sobre o que é essa equipe e como ela pode garantir que ninguém morra nas ruas”.

Embora algumas mensagens mostrem que o compartilhamento de informações poderia priorizar o caso de uma pessoa e garantir que instituições voltadas para os sem-teto ofereçam um apoio adequado, Bradley afirma que as consultas provavelmente resultarão em ações policiais contra imigrantes. Ela diz que os ministros deveriam se ocupar em combater as causas da falta de moradias em vez de atacar os que dormem nas ruas. “O consentimento e a proteção de dados também devem estar no centro de nossas interações com as instituições públicas.”

Sajid Javid, secretário do interior, é o mentor da política de “ambiente hostil” aos imigrantes./Foto: Wiktor Szymanowicz/NurPhoto via ZUMA Press)

O porta-voz do Centro de Direito de Interesse Público acrescenta: “Apesar de seu nome, o novo Serviço de Apoio aos Sem-Teto não oferece ‘apoio’ aos migrantes desabrigados que moram no Reino Unido. É uma medida de ‘ambiente hostil’ em tudo, menos no nome”. Um representante da St. Mungo’s diz que a instituição beneficente se reuniu com funcionários do Ministério do Interior “para encontrar formas de reagir mais rapidamente” aos casos de não britânicos. “Estamos procurando garantir que as pessoas que podem usar o serviço o façam com base em consentimento informado e aconselhamento legal de um consultor de imigração registrado.”

Segundo o Ministério do Interior, o serviço foi criado para “resolver a situação de imigração de cidadãos não britânicos em condições irregulares, seja concedendo uma situação legal, seja fornecendo documentação. Isso permite que indivíduos acessem o apoio ou a ajuda para deixar o Reino Unido quando apropriado”. “A aplicação forçosa da lei não é a solução para os desabrigados e os nossos serviços não participarão disso. Deixamos absolutamente claro ao Ministério do Interior que não aprovamos sua abordagem ou qualquer outra que sirva para vitimar as pessoas que dormem nas ruas”, disse um porta-voz do prefeito de Londres. Os números mais recentes de sem-teto mostram que 8.855 pessoas foram vistas dormindo nas ruas da capital britânica no último ano, 18% a mais que nos 12 meses anteriores.

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