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Premier de saias

Giorgia Meloni vence as eleições, conta com uma bancada parlamentar respeitável e pretende governar por todo tempo possível

Giorgia Meloni, da extrema-direita, a premiê da Itália. Foto: Andreas SOLARO / AFP)
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Com a vitória de Giorgia ­Meloni e do seu partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), a península não corre o risco de um retorno ao fascismo, como na Europa muitos temem. Os militantes da agremiação erguem o braço direito no melhor estilo mussoliniano, mas, de verdade, o gesto não vai além da mesura. Na sua estreia como vencedora do pleito, Meloni pronunciou um discurso europeísta, como não faria o famigerado ditador, o qual, segundo se verificou recentemente, era também um perigoso maníaco sexual, capaz, inclusive, de estuprar senhoras que o visitavam no seu imenso escritório do Palácio Veneza.

A agremiação de Meloni subiu nestas eleições de 8% a 26% e conseguiu no Parlamento maioria que lhe permite uma razoável liberdade de ação. Tudo indica que ela pretenderá governar como ­premier, sem veleidades exageradas tais como a tentativa de alterar a Constituição. A vitória de Meloni tem razões que vão desde a própria história de um país tradicionalmente invadido por exércitos estrangeiros para viver um longo período depois da queda do Império Romano, em uma situação similar àquela da Grécia antes de Cristo, com a criação de cidades-Estado a se revelarem propícias ao desenvolvimento da arte e da cultura em geral, incapazes, contudo, de formar uma nação.

Ela é a direita, talvez extrema… – Imagem: Andrea Solaro/AFP

Com exceção de toda a região meridional, a incluir a Sicília, sede de um reino antes francês e depois espanhol, destinados ambos a promover o atraso progressivo de toda a área, reconquistada somente por Garibaldi e seus ­Camisas-Vermelhas, desembarcados nas costas tirrênicas da ilha em 1860. Logo o chamado Herói de Dois Mundos entregou seu butim bélico ao rei da Itália, Vitor Emanuel II, da família Savoia.

A Itália como país é recente e a unificação só foi concluída com as conquistas conseguidas na Primeira Guerra Mundial, com a anexação de Trento e Trieste, que integravam o império austro-húngaro. Até hoje subsistem profundas diferenças entre as cidades e os vales próximos, no modo de vida e até na culinária. Giorgia Meloni, por sua vez, tem origem popular. Nascida no bairro romano da Garbatella, conserva ao falar o sotaque romanesco, sem omitir erros de sintaxe, permitindo-se, contudo, frequentar lugares da moda e misturar-se, às vezes, com jovens da vasta nobreza papal, convocados para carregar a Cadeira Gestatória que conduz o pontífice na volta de praxe da Praça São Pedro. Obviamente, papa Francisco nunca participou dessa tertúlia, preferiu o apoio dos seus pés e, às vezes, de uma bengala.

… Salvini e Berlusconi já eram – Imagem: Eliano Imperato/Controluce/AFP e Alberto Pizzoli/AFP

Outro papel coube às demais siglas de direita. Muito diminuídas as votações de partidos como A Liga, de Matteo Salvini, e Forza Italia, de Silvio Berlusconi, que não chegaram sequer a 6% dos sufrágios. Ambas as figuras estão em franca decadência. Da mesma forma, outra contribuição à vitória direitista foi oferecida pela esquerda, longe dos tempos de Enrico Berlinguer, e antes ainda de Palmiro Togliatti e do socialista Pietro Nenni, em condições de assinar um pacto de unidade de ação, com acesso garantido à Confederação Sindical CGIL, liderada por notáveis do Partido Comunista, desde Giuseppe Di Vittorio a Luciano Lama.

Agora, tardiamente, a esquerda promete uma reforma profunda. Estranho no contexto o papel de Mario Draghi, o Super Mario, que bem conduziu o governo até ontem sem se poupar do pecado de formar um gabinete de unidade nacional, no qual caberia até Salvini como ministro do Interior. Sobrava para Meloni o Ministério do Esporte, quando ela cogitava de algo muito mais substancioso. Foi claramente eficaz com sua ação ao lograr constituir uma bancada conspícua no Parlamento, a acentuar a decadência dos rivais de extrema-direita. Não parecem sobrar dúvidas quanto à sua pretensão de comandar o seu governo por todo o tempo possível. Teremos, portanto, na Itália, pela primeira vez na sua história, um chefe de governo de saias. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1228 DE CARTACAPITAL, EM 5 DE OUTUBRO DE 2022.

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