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Por que a Rússia diz combater o nazismo na Ucrânia – e qual é a verdade

Movimentos nacionalistas, em particular o Azov, de fato abrigam células neonazistas e foram acusados de crimes de guerra

Protestos contra Putin, na Ucrânia. Foto: Valery HACHE / AFP
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No comunicado para justificar a invasão da Ucrânia, o Kremlin afirmou que o objetivo da operação era desmilitarizar e “desnazificar” o país vizinho. A mídia russa pró-governo e Vladimir Putin costumam fazer tábula rasa e associar os ucranianos de forma indistinta ao nazismo e ao fascismo. Os russos exploram um fato inegável: o nacionalismo que impulsionou os protestos de 2014, a chamada Revolução Euromaidan, que depôs um governo pró-Moscou e deu início à aproximação com o Ocidente, é ideologicamente de extrema-direita. A principal facção se chama Movimento Azov, organização paramilitar integrada por células neonazistas e acusadas de crime de guerra nos confrontos na região separatista de Donbas. Tortura, saques, estupros, limpeza étnica e perseguição a judeus e homossexuais são alguns dos delitos atribuídos ao movimento.

O fundador do movimento, antes batalhão, Andriy Biletski, nega que o grupo tenha pendores neonazistas, apesar de integrantes da facção exibirem suásticas e bandeiras do sol negro, além de se cumprimentarem com a saudação romana adotada na Alemanha durante o III Reich. “Somos nacionalistas e visamos defender os interesses da Ucrânia”, afirmou em diversas entrevistas.

Em 2015, a unidade foi reconhecida pela Guarda Nacional e passou a receber soldos regulares. Nas eleições locais de 2019, a organização tentou ingressar na política oficial, mas não conseguiu eleger representantes no Parlamento. Também em 2019 a milícia acabou expulsa do Facebook por espalhar discursos de ódio. Dois anos antes, ao destinar 150 milhões de dólares à área militar do governo ucraniano, os EUA determinaram oficialmente que os recursos não fossem usados para incrementar o movimento.

“As quantias, emprestadas no âmbito desse projeto de lei, não podem ser usadas para fornecer armas, realizar treinamento ou prestar qualquer outro apoio ao Batalhão Azov”, descreve o acordo. Não se sabe de o Pentágono monitorou a aplicação do dinheiro.

O Azov é a principal força de resistência nas bordas da região separatista de Donbas. Os confrontos no extremo-leste ucraniano, onde dois territórios se declaram independentes, a República de Donestk e a República de Lugansk, reconhecidas por Putin na terça-feira 22, prenúncio da invasão ocorrida na quarta 23, se desenrolam desde 2014 e deixaram um saldo de 14 mil mortes. Nem os dois acordos de Minsk, assinados em setembro daquele ano, renovados mais tarde e agora rasgados pela Rússia, nem os sucessivos armistícios negociados foram respeitados pelas partes.

O Azov arma e treina ucranianos na região de Mauripol e arredores. Crianças e mulheres formam a maioria da população orientada pelos paramilitares. Há muitas idosas nas fileiras, o que deu origem ao “Esquadrão das Babushkas (avós)”. Na cidade litorânea retomada dos separatistas, os integrantes do grupo são tratados como heróis. Em entrevista à rede de tevê Al Jazeera, Valentyna Konstantinovska, de 79 anos, uma das babushkas, disse não compartilhar da ideologia do movimento, mas que estará ao lado de quem defender a Ucrânia dos russos. “Desde 2014 sonho em aprender a usar uma arma. Antes me disseram: ´babushka, você está velha demais, será derrubada com o recuo (da arma). Amo minha cidade, não vou embora. Vamos defender nosso país até o fim”.

Obviamente, Putin e Moscou não podem ser considerados bastiões da democracia e das liberdades. Não é disso que se trata a atual crise na Ucrânia, embora o Ocidente também tente transformar o conflito em uma batalha entre o bem e o mal.

O discurso de que Ucrânia é um país nazista visa conquistar o apoio de movimentos de esquerda ao redor do mundo. A Rússia dos dias atuais nada tem a ver, porém, com os ideais do socialismo da antiga União Soviética. Putin mira nos tempos dos czares quando imagina retomar os tempos de grandeza e glória. Os ícones comunistas caíram por terra e deram lugar a símbolos cada vez mais imponentes da Igreja Ortodoxa.

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