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Papa Francisco, popular e questionado, completa 10 anos à frente da Igreja

As pregações deste crítico do neoliberalismo destacaram reivindicações por maior justiça social, proteção da natureza e defesa dos migrantes que fogem das guerras e da miséria

Foto: JONATHAN NACKSTRAND / AFP
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O papa Francisco vai completar na próxima segunda-feira (13) uma década de pontificado, período marcado por sua popularidade entre os fiéis e pela resistência feroz dentro da Igreja Católica a seu projeto de reformas, mesmo que estas não questionem os pilares doutrinários.

Assim que foi eleito papa, em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio mostrou seu desejo de ruptura, ao aparecer na varanda da basílica de São Pedro sem nenhum ornamento litúrgico.

O jesuíta sorridente e de linguajar franco representava um contraste com tímido Bento XVI, que havia renunciado ao cargo.

E provavelmente já tinha em mente seu programa: a reforma da Cúria (o governo da Santa Sé), corroída pela inércia, e o saneamento das duvidosas finanças do Vaticano.

O ex-arcebispo de Buenos Aires, que nunca fez carreira nos corredores de Roma, queria “pastores com cheiro de ovelha” para devolver o dinamismo a uma Igreja cada vez menos presente e superada em muitas regiões pela vitalidade dos cultos evangélicos.

As pregações deste crítico do neoliberalismo destacaram reivindicações por maior justiça social, proteção da natureza e defesa dos migrantes que fogem das guerras e da miséria.

Acabou com a demonização da homossexualidade, com os debates sobre relações extraconjugais ou sobre contraceptivos (…). Tudo isso saiu da primeira página”, declarou à AFP o vaticanista italiano Marco Politi.

“Periferias”

“O papa introduziu na Igreja assuntos centrais das democracias ocidentais, como o meio ambiente, a educação, o direito”, destaca Roberto Regoli, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana.

Ele também denuncia os conflitos que devastam o planeta, mas sem resultados concretos, como demonstram seus apelos por um fim da guerra na Ucrânia.

Mas sua imagem rezando sob a tempestade na praça de São Pedro vazia durante a pandemia ilustrou como poucas a necessidade de repensar a economia mundial.

Este pastor incansável, apesar dos 86 anos e seu estado de saúde frágil que o obrigam a usar uma cadeira de rodas, segue privilegiando as missões nas “periferias” do leste da Europa ou da África.

Durante a década ‘bergogliana’, a Igreja Católica também desenvolveu um diálogo inter-religioso, em particular com o islã.

Ele também teve um encontro histórico em 2016 com o patriarca ortodoxo russo Kirill, mas a aproximação foi interrompida pelo apoio desta Igreja cristã à invasão russa da Ucrânia.

Para enfrentar os escândalos de abusos sexuais de menores de idade por religiosos, Francisco aboliu o “sigilo pontifício”, que era utilizado por autoridades eclesiásticas para não comunicar tais atos. Um gesto importante, mas insuficiente para as associações de vítimas.

Lutas de poder

Francisco levou novos ares a Roma: optou por viver em um apartamento sóbrio, rejeitando o suntuoso Palácio Apostólico, e frequentemente convidava à sua mesa moradores em situação de rua ou presidiários. Um estilo que também rendeu críticas de setores que veem nele uma dessacralização de suas funções.

O primeiro papa latino-americano da História continua mobilizando os fiéis no exterior, mas também há quem o critique por um exercício extremamente pessoal de sua autoridade sobre 1,3 bilhão de católicos.

“Francisco mostrou um autoritarismo ao qual a Cúria não estava acostumada há muito tempo. E isso pode irritar”, disse à AFP um importante diplomata em Roma.

E a oposição dos setores mais conservadores da Igreja está mais viva do que nunca, apesar das mortes de dois de seus principais representantes: Bento XVI, falecido em dezembro, e o cardeal australiano George Pell, que faleceu em janeiro.

A Igreja questiona agora quem será o sucessor de Francisco.

“As verdadeiras manobras para o conclave já começaram. Não são ações sobre nomes, e sim sobre a plataforma ideológica do futuro pontificado”, afirma Politi.

Francisco deu a entender em alguns momentos que poderia renunciar ao cargo.

Mas no momento ele segue alterando o colégio cardinalício e já designou 65% dos nomes que definirão o próximo papa.

E prepara vários eventos importantes, como uma reunião de bispos no fim do ano para discutir o futuro da Igreja.

Principais medidas do papa Francisco

O papa Francisco, de 86 anos, completará uma década de pontificado em 13 de março. Das reformas à diplomacia, passando pelo combate à pedofilia, estas são as suas grandes linhas de atuação como líder da Igreja Católica.

Reformas

O papa Francisco trabalhou para implementar uma reforma de longo alcance da Cúria romana – o governo central da Santa Sé – para torná-la mais atenta às igrejas locais.

O pontífice argentino queria descentralizar a instância e dar mais espaço aos laicos e às mulheres.

Essas reformas, por vezes criticadas internamente, materializaram-se com a entrada em vigor, em 2022, de uma nova Constituição, que reorganiza os departamentos (ministérios) e prioriza a evangelização.

Francisco também renovou o obscuro e escandaloso setor financeiro do Vaticano, criando em 2014 um Secretariado de Economia, além de implementar uma estrutura de investimento e medidas anticorrupção. Ele também ordenou o reajuste do Banco do Vaticano, com o fechamento de 5.000 contas.

Essas mudanças foram afetadas pela pandemia de covid-19 e pelo choque do caso Becciu, um proeminente cardeal italiano julgado por uma aquisição imobiliária sem transparência por parte da Santa Sé.

Combate à pedofilia

A multiplicação dos escândalos sexuais na Igreja, da Irlanda à Alemanha, passando pelos Estados Unidos, tem sido um dos desafios mais dolorosos para o papa argentino.

Após os fracassos de uma comissão internacional de especialistas criada em 2014 e uma controversa viagem ao Chile em 2018 que terminou em uma série de notórias renúncias e exclusões, Francisco se desculpou publicamente por ter defendido um bispo de maneira equivocada. Ele também multiplicou suas desculpas às vítimas.

Em 2019, expulsou o cardeal americano Theodore McCarrick, condenado por agressões sexuais a menores. Este foi um gesto forte em sua promessa de “tolerância zero” contra esse tipo de ação.

O pontífice também criou uma comissão consultiva para a proteção de menores, que acabou sendo integrada à cúria.

Uma cúpula inédita no Vaticano sobre a proteção de menores em 2019 deu origem a uma série de medidas: supressão do segredo pontifício sobre crimes de abuso sexual por parte do clero, obrigação dos religiosos de denunciar qualquer caso à sua hierarquia, plataformas de ouvidoria em dioceses ao redor do mundo… Mas o segredo da confissão permanece inabalável.

Diplomacia e “periferias”

Em suas 40 viagens ao exterior, Jorge Bergoglio quis dar mais importância às “periferias” e preferiu os países marginalizados do leste europeu ou da África, aos redutos católicos ocidentais.

O papa defendeu o multilateralismo e denunciou implacavelmente o comércio de armas Também optou pelo diálogo com todas as religiões, especialmente com o Islã, como demonstrado em uma visita histórica ao Iraque em 2021.

Foto: VATICAN MEDIA / AFP

Durante seu pontificado, ele também chegou a um acordo inédito com o regime comunista de Pequim, em 2018, sobre a espinhosa questão da nomeação de bispos na China.

A diplomacia da Santa Sé também colaborou para a histórica aproximação entre Cuba e os Estados Unidos em 2014.

Mas se deparou com o muro da guerra na Ucrânia, onde os inúmeros apelos de paz do papa argentino não surtiram efeito.

Este conflito também enterrou a aproximação com o patriarca ortodoxo russo Kirill, base de apoio de Moscou, apesar de um encontro histórico com Francisco em 2016, o primeiro entre os líderes das Igrejas Oriental e Ocidental desde o Cisma de 1054.

Migrações e meio ambiente

Na ilha italiana de Lampedusa, símbolo dos naufrágios de migrantes, ou no acampamento grego de Lesbos, no mar Egeu, o pontífice – ele próprio oriundo de uma família de migrantes italianos que chegaram à Argentina – tem defendido a todo custo as pessoas que fogem da guerra ou da pobreza e pediu um acolhimento sem distinção, sobretudo na Europa.

Com sua encíclica “Laudato Si” (2015), ele pediu uma “revolução verde” e criticou o “uso irresponsável dos bens que Deus colocou” na Terra.

Francisco, que apoia o Acordo de Paris, reiterou seu compromisso com a “ecologia integral”.

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