Mundo

Os Estados Unidos de Donald Trump estão perdidos no deserto

A indecisão no episódio dos ataques à Arábia Saudita evidencia a falta de estratégia da Casa Branca

A produção de petróleo saudita é retomada aos poucos
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Eles devem estar rindo sem parar em Teerã. Nos dias seguintes aos ataques às instalações petrolíferas sauditas, atribuídos ao Irã pelos Estados Unidos, vimos uma exibição quase cômica de indecisão, confusão e arrogância por parte do líder do país mais poderoso do mundo. Como resultado, o Irã parece mais forte… e Donald Trump parece um palhaço.

Se os líderes iranianos pretendiam denunciar o blefe de Trump, conseguiram ‒ ao menos por enquanto. A reação imediata do presidente americano foi declarar que os EUA estão “prontos e carregados” para ataques de retaliação. Depois ele se lembrou de que se opõe às guerras no Oriente Médio e espera ser reeleito no próximo ano.

Trump mudou de posição. Disse que os ataques não eram grande coisa, mesmo com os preços globais do petróleo em alta, pois os EUA não precisam mais da energia do Oriente Médio. Isso não é estritamente verdade. Dados oficiais mostram que o país importou 48 milhões de barris de petróleo e derivados do Golfo por mês em 2018. Ainda se esquivando, ele afirmou que o que aconteceria a seguir dependia dos sauditas, uma terceirização extraordinária da política de segurança nacional.

O presidente dos EUA ainda tentou se dar bem em todos os sentidos. Ele impôs sanções adicionais ao Irã e ordenou o envio de um pequeno número de tropas para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos para fins defensivos. Mas não descartou conversas com o presidente do Irã na ONU, apesar da negação de vistos a muitos de seus funcionários.

Tornou-se dolorosamente claro que Trump simplesmente não tinha ideia do que fazer. Com sua campanha de “pressão máxima” contra Teerã a sair pela culatra e suas ameaças belicosas soando vazias, ele é o imperador nu, o presidente que fala alto e tem medo de segurar o bastão de comando. Claramente, não tem estratégia nem plano de emergência ‒ e nenhuma pista.

A farsa da Casa Branca, que incluiu a nomeação do uberfalcão Robert O’Brien para substituir o uberfalcão John Bolton como consultor de segurança nacional, não é motivo para riso, é claro. Trump pode começar a disparar mísseis a qualquer momento. Sua imprevisibilidade é parte do problema. Os iranianos, encorajados, poderiam exagerar na mão. Outra provocação percebida poderia levar o ponteiro de volta na direção da guerra.

A última fase da crise do Irã tem, no entanto, um lado positivo. Ao fornecer uma verificação da realidade tão necessária, levou os envolvidos às consequências desastrosas que uma nova guerra multidimensional no Golfo poderia causar para a segurança internacional e a economia global. E expôs o fracasso de Trump em refletir sobre sua aposta em forçar o Irã a se ajoelhar política e economicamente.

Uma dessas verdades cruas recém-esclarecidas é a natureza muito limitada das opções militares dos EUA. Analistas dizem que ataques com mísseis, ou um bloqueio naval de portos iranianos, convidariam a uma retaliação devastadora. Após a experiência no Iraque, as tropas terrestres estão fora de questão. E ataques a aliados iranianos como o Hezbollah do Líbano poderiam atrair Israel para um conflito regional em expansão. Embora tenha elaborado uma lista de alvos, o Pentágono alertou Trump a respeito de uma ação precipitada.

Outra verdade difícil é que o Irã se mostra um osso mais duro de roer do que falcões como Bolton jamais imaginaram. Os ataques a campos de petróleo, por meio de drones e mísseis de cruzeiro, demonstraram considerável ousadia militar e conhecimento técnico. Vergonhosamente, eles enganaram as caras defesas de mísseis Patriot fornecidas pelos EUA e os sistemas de alerta antecipado.

Ao abandonar sua política de “paciência estratégica”, depois de sofrer um ano de sanções punitivas a petróleo e finanças, o Irã mudou para uma tática de mão dupla, retomando lentamente atividades nucleares proibidas e interrompendo o fornecimento de energia global, por exemplo, ao atacar navios-tanque no Golfo.

O Irã mostra-se um osso mais duro de roer do que os falcões da Casa Branca jamais imaginaram

Até agora, apesar de todas as reclamações de Trump, Teerã pagou um preço militar zero. Enquanto isso, negou categoricamente a responsabilidade pelos ataques à Arábia Saudita em uma nota formal enviada a Washington.

Diplomaticamente, também o Irã está à frente. Os governos europeus que apoiam o acordo nuclear rejeitado por Trump culpam a política agressiva dos EUA pela atual escalada. A Grã-Bretanha não diz isso em público, mas a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, não é tão tímida. “O acordo para impedir o Irã de adquirir capacidade nuclear militar é uma questão estrutural à qual precisamos voltar”, disse ela.

A falta de uma frente unida é prejudicial, como Trump talvez tenha percebido tardiamente. Ao inverter a retórica unilateralista da “América em primeiro lugar”, ele ordenou que seu secretário de Estado, Mike Pompeo, tentasse montar uma “coalizão internacional” anti-Irã. De repente, o problema de Trump era o “problema do mundo”. Pompeo agora afirma que os Estados Unidos buscam uma “solução pacífica” e enfatizam meios não militares para “mitigar” a crise.

Como o plano dos EUA de patrulhas navais conjuntas no Golfo, a ideia de uma coalizão liderada pelos americanos tem poucos apoiadores ‒ em parte porque a política de Washington é obviamente muito errada. Mas as dúvidas sobre a confiabilidade de Trump também são um fator. As alegações dos EUA em 2003 sobre as armas de destruição em massa do Iraque se comprovaram falsas. Muitos europeus questionam a credibilidade das acusações feitas contra o Irã por um mentiroso em série.

Essas dúvidas são compartilhadas pelos líderes sauditas, que supostamente não têm total confiança no apoio de Trump se a guerra começar. Outra verdade desconfortável é que os príncipes e chefes militares árabes, autores da catástrofe no Iêmen, parecem não ser páreo para um Irã encurralado e irado. Para os EUA, os sauditas estão novamente a se mostrar parceiros problemáticos e deficientes.

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