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Os desafios da política de asilo europeia

Em meio ao crescente afluxo de refugiados, União Europeia tenta encontrar uma forma de dar maior unidade aos procedimentos entre os países-membros

A Grécia está sobrecarregada com o crescente fluxo anual de migrantes
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Entre os principais desafios enfrentados pela União Europeia (UE) quanto à sua política migratória está um procedimento uniforme de asilo a ser seguido por todos os membros do bloco. Desde 20 de julho de 2015, entrou em vigor uma nova diretriz sobre a concessão de asilo. Ela tem por objetivo unificar o tanto quanto possível os processos de asilo entre os 28 membros do bloco.

Segundo tal diretriz, para concessão de asilo, todo país-membro deverá seguir os mesmos critérios. Os processos só poderão levar até seis meses. A proteção aos requerentes de asilo deve ser a mesma em toda a Europa. Em caso de gargalo na tramitação, existem exceções para os processos. A concessão de asilo está sempre a critérios dos diversos Estados nacionais. Caso seja concedido, ele vale somente para determinado país – não para toda a UE.

Segundo a Comissão Europeia, essa é a forma de combater a “loteria de asilo” na Europa. Com a diretriz, no entanto, tal “loteria” não fica completamente abolida, já que os países-membros continuam a decidir de forma soberana a quem concedem asilo ou não. No próximo ano, a Comissão Europeia pretende lançar uma iniciativa com vista a uma legislação única: o asilo num Estado-membro da UE deve ser reconhecido pelos demais países do bloco. Isso pode levar mais alguns anos. Como ficou decidido na reunião de Tampere (Finlândia), desde 1999 a UE trabalha num procedimento de asilo comum.

Países seguros

No momento, não existe uma lista de Estados considerados seguros por todos os países-membros da União Europeia: cada país tem a sua própria. Para alguns, por exemplo, o Kosovo é um país de origem seguro, para outros, não. Em alguns, o Iraque é visto como seguro, enquanto outros aceitam regularmente refugiados iraquianos.

Já em setembro próximo, a Comissão Europeia pretende apresentar uma proposta com uma lista de países seguros a ser utilizada por todos os 28 Estados-membros. O presidente do órgão executivo da UE, Jean-Claude Juncker, diz ser um absurdo o fato de países dos Bálcãs Ocidentais serem reconhecidos como candidatos a entrar na UE e, ao mesmo tempo, não serem considerados países seguros por todos os membros do bloco.

O Escritório Europeu de Apoio ao Asilo (Easo, na sigla em inglês), sediado em Malta, tem por tarefa fazer sugestões aos membros do bloco europeu sobre concessão de asilo. Porém, requerentes de asilo de países de origem seguros continuam a ter o direito a uma avaliação individual de seu pedido. No entanto, os processos podem correr mais rapidamente, o que torna mais fácil uma deportação.

Regras de Dublin

Nos últimos 25 anos, a UE tem aplicado o princípio de que o Estado onde o requerente de asilo entrou pela primeira vez em solo europeu é o responsável pelo refugiado. Na prática, porém, essa “Diretriz de Dublin” não é mais respeitada por muitos. Não somente a chanceler federal Angela Merkel, mas também a Comissão Europeia já constatou que tal política não funciona.

De acordo com essa regra, Grécia, Itália, Bulgária e Hungria seriam responsáveis pela grande massa de refugiados. Mas, de fato, os requerentes de asilo viajam pela chamada rota dos Bálcãs ou de trem da Itália através da Áustria para Alemanha, França, Suécia ou outro país-membro da UE no norte europeu. Como resultado, somente cinco Estados-membros da UE acolhem a maior parte dos refugiados, ainda que, teoricamente, não tivessem essa obrigação.

Grécia e Itália justificam o seu comportamento, alegando estar sobrecarregados com o crescente fluxo anual de migrantes. A Corte Europeia de Justiça tem declarado repetidamente que requerentes de asilo não podem ser devolvidos da Alemanha para a Grécia, já que ali não se pode contar com um processo adequado e digno. No ano que vem, a Comissão Europeia pretende iniciar conversações sobre uma mudança da Diretriz de Dublin.

Cotas e redistribuição

Devido ao extraordinário aumento do número de requerentes de asilo em maio último, a Comissão Europeia já havia proposto como “medida de emergência” a transferência de 60 mil refugiados da Grécia e da Itália para os demais países-membros da UE.

Os Estados-membros da União Europeia não querem se comprometer com nenhuma espécie de realocação obrigatória seguindo um sistema de cotas, mas defendem somente uma redistribuição “voluntária”. No entanto, isso também está sendo difícil de impor, já que a maioria dos países-membros da UE, principalmente os do Leste Europeu, como também Reino Unido e Espanha, não querem receber mais refugiados.

Nesse ponto, a Alemanha está exercendo uma pressão particular, porque o ministro do Interior, Thomas de Maizière, é da opinião de que deve haver mais solidariedade entre os países-membros da União Europeia e que, atualmente, a Alemanha está recebendo um número muito grande de migrantes, ou seja, por volta de 40% de todos os requerentes de asilo. Um sistema geral de cotas, que pudesse substituir a Diretriz de Dublin, ainda pertence a um futuro distante.

Deportação e repatriamento

Não somente a concessão de asilo, mas também a deportação de requerentes rejeitados é tratada de forma muito diversa nos Estados-membros da UE. Somente um terço das chamadas “cartas de rejeição” é aplicado na prática. Ou os migrantes são “tolerados” por motivos humanitários, como, por exemplo, na Alemanha, ou são simplesmente entregues à clandestinidade, como é o caso na Grécia e na Itália.

A Comissão Europeia quer unificar a prática de deportação e melhorar a cooperação com os países de origem dos refugiados. Muitas vezes, tais países proíbem simplesmente o retorno de seus cidadãos encalhados na Europa. A UE vê na falta de deportações um grande atrativo para requerentes de asilo buscar sua sorte na Europa. “Migrantes ilegais sabem muito bem que um sistema de deportação pouco eficaz lhes oferece muitas oportunidades”, constatou a Comissão Europeia em maio deste ano.

Atendimento a refugiados

Na UE, há regras uniformes para o alojamento e a alimentação de refugiados, que, aparentemente, não são respeitadas em todos os lugares. Acampamentos turbulentos como em Kos ou Calais não deveriam existir na realidade. A garantia de benefícios em mercadorias, serviços ou dinheiro não é regulamentada, dependendo assim dos Estados-membros.

Para financiar alojamentos de emergência para os requerentes de asilo, os países-membros da UE podem entrar com um pedido de ajuda financeira junto a Bruxelas.

Segurança das fronteiras externas

Dentro da União Europeia, há ampla liberdade de circulação sem necessidade de controle de identidade. Os diversos Estados-membros são os responsáveis pela segurança das fronteiras externas. Nessa tarefa, eles são apoiados pela agência europeia de proteção de fronteiras (Frontex) e por uma série de bancos de dados eletrônicos sobre entrada e saída, concessão de vistos e requerentes de asilo.

Em caso de dúvida, no entanto, os países-membros da UE têm o direito e a obrigação de proteger as suas fronteiras com países não membros da UE, por exemplo, com cercas ou sistemas de segurança, como é o caso hoje em Espanha, Grécia, Bulgária e, recentemente, na Hungria.

Em casos excepcionais extremos, os Estados poderiam fechar suas fronteiras, temporariamente, também para outros países-membros da União Europeia. No entanto, isso é passível de decisão em nível europeu. Controles adicionais nas fronteiras internas são possíveis por determinado tempo, mas devem ser informados à Comissão Europeia.

Por Bernd Riegert

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