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Os desafios da imigração na Europa

Tragédias no Mediterrâneo expõem desafios dos fluxos migratórios atuais

As embarcações são quase sempre precárias
Estima-se que 500 mil tentem chegar à Europa pelo mar em 2015. imigração mediterrâneo áfrica itália imigrante europa migração embarcação transporte
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A migração está presente na história da humanidade desde tempos imemoráveis. Nas últimas décadas, porém, esse fenômeno torna-se cada vez mais perigoso. Nos últimos meses assistimos, horrorizados, à perigosa saga de pessoas provenientes, principalmente, da África e do Oriente Médio em direção ao Continente Europeu e suas funestas consequências ao longo das rotas migratórias mortíferas do Mediterrâneo. Milhares de mortos e outros tantos milhares de olhares vagos, quando interceptados a caminho da Europa, revelam seres amedrontados diante do presente duvidoso e do futuro incerto.
O aumento da pressão migratória sobre a Europa, ano após ano, teve um pico no primeiro semestre de 2015. Isso, associado ao expressivo aumento de mortos nas rotas do Mediterrâneo, colocou em evidência o problema das migrações.
Marinha italiana resgata imigrantes no mar Mediterrâneo em maio de 2015
A situação de deslocamento populacional para a Europa já é antiga, mas acentuou-se, sobremaneira, nas últimas décadas. Enormes contingentes deslocam-se para o continente todas as semanas em busca de melhores condições de vida. Para se ter ideia do problema, a expectativa da Organização Internacional Marítima para 2015 é de que cerca de 500 mil pessoas tentem chegar à Europa pelo mar.
É importante refletir sobre o que move as pessoas a se mudarem de seus lugares de origem, por mais arriscado que isso seja. Sem dúvida, a realidade em diversas partes da África e do Oriente Médio é dura. Estamos falando de contextos de guerras civis, pobreza e miséria generalizadas, mas também da falta de perspectiva no futuro. Ou seja, as necessidades imediatas mesclam-se com a virtual impossibilidade de superar essa situação no tempo de uma vida. É principalmente isso o que estimula parte das pessoas a migrarem.
Mas é importante destacar que certas situações impulsionam, e muito, a migração internacional. Esse é o caso clássico de situações de conflito, principalmente os de maior duração, como são os casos da Palestina, Somália, Afeganistão, Paquistão e, mais recentemente, Síria. Não é à toa que os dois maiores contingentes de refugiados no mundo são provenientes justamente da Síria e do Afeganistão, dois países que passam por conflitos crônicos, de difícil solução. Para muitas pessoas provenientes desses países não existem muitas alternativas disponíveis: é migrar ou ficar com alta probabilidade de morte ou severos sofrimentos. Quando a situação chega a esse ponto, pode-se falar em grave crise humanitária.
Em certas circunstâncias os migrantes são vistos como refugiados e contam, pelo menos em tese, com a cobertura da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados (ou Convenção de Genebra). Adotada em 28 de julho de 1951 e em vigor desde 1954, a convenção define e estabelece garantias legais para os refugiados. Um dos princípios centrais é a proibição da expulsão dos refugiados pelos Estados ou sua devolução para o país de origem. Essa convenção foi, posteriormente, complementada pelo protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, em vigor desde outubro de 1967.
Segundo a Convenção de Genebra (1951), refugiado é aquele que, em razão de fundados temores de perseguição de qualquer natureza (política, religiosa, racial etc.), vê-se obrigado a buscar refúgio em outro país para preservar a sua vida. Nesse sentido, trata-se de uma decisão extrema, visando a segurança e a sobrevivência, o que o difere, naturalmente, de outros tipos de migrantes, que muitas vezes estão em busca de melhores condições de vida sem, no entanto, estarem sofrendo ameaça imediata de morte.
Convenção de Genebra (1951) proibiu a expulsão de refugiados
Quem lida diretamente com os refugiados, no âmbito da ONU é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), que assumiu importantes funções humanitárias, desde a sua criação e continua trabalhando incansavelmente para que milhões de pessoas, em sérias dificuldades, possam desfrutar de alguma assistência das Nações Unidas.
Mas é importante destacar que não são apenas as guerras que impulsionam as pessoas a se deslocarem e a buscarem refúgio. Além da segurança humana, muitos são movidos pela esperança de dias melhores, mesmo arriscando a própria vida. É o que ocorre com grande frequência, por exemplo, na fronteira entre os Estados Unidos e o México.
Outro aspecto importante, quando observamos esse fenômeno atual de migrações em direção à Europa, é que certas condições acabam tornando propícios os amplos e sistemáticos deslocamentos. A falta de Estados bem estruturados, principalmente no Norte da África, é um desses fatores que contribuem para a organização desses deslocamentos.
A Líbia é o melhor exemplo. Com o fim do regime de Muammar Kaddafi, o Estado líbio praticamente entrou em colapso, com consequências importantes relacionadas aos controles estatais. Isso permitiu o florescimento abrupto da atividade ilegal de transporte de pessoas do Norte da África para a Europa, organizado por traficantes de seres humanos que prometem o paraíso para um grande contingente de indivíduos desiludidos.
Mas, infelizmente, o que essas pessoas encontram são dificuldades e mais dificuldades, quando não a morte. É importante observar que a rota do Mediterrâneo é a mais mortífera entre todas as de fluxos migratórios ao redor do mundo, mas não a única. O risco dessas viagens é enorme. Primeiro, porque é feita em pequenas e médias embarcações, quase sempre precárias e com carga superior à sua capacidade de transporte. Em segundo lugar, os relatos indicam o total desprezo por parte dos traficantes com relação à carga “humana” que conduzem, por vezes deixada à deriva em pleno mar.
Mas as dificuldades dos imigrantes não se restringem, de forma alguma, à Europa. Na própria África existem restrições e perigos constantes com relação à imigração interna. O caso mais conhecido, mas não o único, é o da África do Sul, com suas explosões intermitentes de violência contra os estrangeiros.
Quando a pessoa migra, geralmente ela o faz em busca de melhores condições de vida ou em busca de segurança. Assim, os principais fluxos migratórios são provenientes ou de países com sérios problemas econômicos, ou de países que atravessam crises políticas ou guerras (ou mesmo outras catástrofes naturais). A maior parte dos imigrantes, portanto, é constituída de gente vulnerável, quando não desesperada, em busca de refúgio e segurança.
Há de se imaginar a tragédia pessoal vivida por essas pessoas, com todas as provações e desafios que o processo migratório implica. Assim, torna-se ainda mais cruel quando Estados bem estruturados resolvem tentar conter as ondas humanas sem levar em conta todos os dramas pessoais envolvidos nesse processo. Isso nos faz refletir sobre a intolerância com relação ao “outro”, fenômeno antigo e universal. Todos buscam preservar-se do que é considerado ameaça à manutenção de determinada ordem, que conta com valores culturais étnicos ou nacionais muito arraigados.
“Na Europa nos tratam como animais” 
A frase acima foi dita por um imigrante africano que chegou à Grande Canária, na Espanha, em 5 de novembro de 2014. O grupo ficou por mais de cinco horas exposto ao Sol na Praia de Maspalomas, antes de ser deslocado para o Centro de Internamento de Estrangeiros de Barranco Seco, que funciona numa antiga prisão. Cenas como essa têm se repetido com muita frequência nos últimos anos.
O problema dos imigrantes é realmente grave. Não bastasse a dificuldade em chegar ao Continente Europeu, se estabelecer por lá parece ser, para muitos deles, até mesmo mais difícil do que o périplo que têm de fazer no trajeto África-Europa ou Ásia-Oriente Médio-Europa que, em geral, começa muito antes da chegada ao último estágio da jornada, que se dá em algum ponto do litoral norte-africano (ou também da África Ocidental).
Geralmente, a receptividade dos europeus não é nada boa, sobretudo, em relação a africanos, árabes e asiáticos. O tratamento dispensado é duro, tanto pelos governos quanto pelas pessoas. E os imigrantes ficam sabendo disso tão logo aportam em algum ponto da Europa. Isso nos dá uma pista de como as condições de vida em seus locais de origem são duras. Ninguém se submete fortuitamente a humilhações cotidianas, sabendo que é exatamente isso o que vão encontrar uma vez alcançado o seu destino.
É possível compreender a preocupação dos europeus com o fluxo crescente de imigrantes provenientes da África e de outros lugares. O que não podemos aceitar é que isso seja motivo para a retomada de políticas discriminatórias e de violações aos direitos humanos, como tem ocorrido constantemente. Não é apenas na Europa que a discriminação contra os imigrantes tem crescido. Esse é, infelizmente, um velho problema encontrado em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Por aqui, por exemplo, temos registros de africanos que conseguiram atravessar o Oceano Atlântico clandestinamente em navios cargueiros e foram presos e tratados de forma degradante, quando descobertos pelas tripulações e entregues às autoridades brasileiras. Geralmente, é uma reação movida pelo preconceito e pelo medo do desconhecido, mas é também uma afronta clara aos direitos humanos.
A solução para esse problema passa pela criação de oportunidades de trabalho que permitam que os imigrantes tenham condições dignas de vida em suas regiões de origem. Isso, certamente, levaria a uma redução drástica dos fluxos migratórios. Mas, enquanto isso não acontece, é importante que os países que recebem esses imigrantes os tratem com dignidade e respeito, o que infelizmente não tem ocorrido como deveria.
Vigiar as fronteiras ou salvar vidas?
Se, por um lado, o objetivo dos imigrantes é chegar ao Continente Europeu, por outro, o dos dirigentes europeus é tentar controlar ou mesmo evitar que isso ocorra. Isso tem sido demonstrado pelas iniciativas tomadas pelos principais líderes europeus que indicam claramente, por meio de comunicados oficiais, preferência por vigiar as fronteiras em vez do empenho no salvamento de milhares de vidas humanas.
Entre as reações ocorridas na Europa encontramos um pouco de tudo. No plano governamental, as autoridades da União Europeia reagiram de duas formas. Uma foi anunciar o fortalecimento das Operações de Vigilância Tritão e Poseidon, enfatizando o aspecto repressivo. Outra iniciativa, muito mais polêmica, é a tentativa de estabelecer cotas para absorção de pelo menos parte desses imigrantes entre os países que compõem a União Europeia.
Há também proposta para reprimir os traficantes de seres humanos que considera, inclusive, ações militares para destruir embarcações ao longo da costa líbia. Tal plano tem suscitado muita polêmica porque, no fundo, é uma verdadeira declaração de guerra aos imigrantes e refugiados, além de ser de difícil implementação, pois precisa contar com a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e violaria a soberania da Líbia (além de ser difícil distinguir as embarcações de pescadores das utilizadas para o tráfico humano).
As Operações Tritão e Poseidon são exclusivamente de vigilância e proteção das fronteiras. Elas não têm o mesmo objetivo, por exemplo, da Operação Mare Nostrum, organizada e executada em 2014 pelo governo italiano para busca e salvamento, inclusive em mar aberto. Tanto é assim que a Mare Nostrum não tinha limite de buscas, enquanto a Tritão (focada mais no litoral italiano) e a Poseidon (focada mais na Grécia) tem um limite de 50 quilômetros de alcance, ou seja, seu foco é claramente para impedir que os imigrantes atinjam a Europa.
Outro aspecto relevante do problema das migrações em direção à Europa é o efeito político em alguns setores das sociedades europeias. Em vários países a xenofobia ganhou força e alimenta partidos de extrema-direita e grupos anti-imigração.
Na perspectiva dos países europeus, trata-se de uma pressão demográfica difícil de ser assimilada. Mas, de toda forma, isso não lhes dá o direito de renegarem os princípios dos direitos humanos, por eles amplamente propagados. A questão das migrações é complexa e, portanto, de difícil solução. A simples repressão, ou vigilância ativa das fronteiras, definitivamente não conseguirá resolver o problema.
*Doutor em História das Relações Internacionais pela UnB
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Em Sala
1) Identificar no mapa as principais rotas de migrações contemporâneas, enfatizando as que levam ao Continente Europeu.
2) Discutir com os alunos o que motiva as pessoas a se mudar de um lugar para o outro e mostrar as dificuldades inerentes desses processos e como reagem os Estados que recebem os imigrantes.
3) Discutir o que a Europa tem de especial para atrair tantos imigrantes e refugiados e problematizar a questão de que, em outros momentos da história, os europeus também migraram para outras partes do mundo.
4) Explicar a relação entre migrações/refugiados e direitos humanos, questionando se esses direitos estão sendo respeitados ou não e como a indiferença com relação ao outro pode ser prejudicial para a dignidade das pessoas.
5) Pedir para os alunos pesquisarem sobre a situação dos refugiados no Brasil. De onde vêm, quem os atende e como é a realidade deles vivendo aqui. Problematizar: o Brasil é um país que recebe bem os refugiados e imigrantes?
SAIBA MAIS:
SITES
Conselho Nacional de Imigração – CNIg http://bit.ly/1Bc4dRD
Observatório das Migrações Internacionais http://bit.ly/1LltK0M
Portal de Imigração da União Europeia http://bit.ly/1HuyXop [/box]

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