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Obama não sabe o que fazer com o Estado Islâmico

A Casa Branca insiste em bombardeios, sem apresentar propostas para resolver os problemas que estão na raiz da existência do grupo. Por José Antonio Lima

Mulheres da minoria iraquiana yazidi descansam no centro de saúde Al-Tun, entre Kirkuk e a cidade curda de Erbil. Elas fazem parte de um grupo de 200 mulheres libertadas pelo Estado Islâmico em 17 de janeiro, após cinco meses em cativeiro
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Em seu discurso anual sobre a situação interna e externa dos Estados Unidos, Barack Obama mostrou ainda não ter uma estratégia eficaz para lidar com o autointitulado Estado Islâmico (EI), grupo que tomou partes do Iraque e da Síria e declarou um califado. No pouco tempo dedicado ao Oriente Médio em sua fala, Obama não foi além de pedir mais poderes ao Congresso para ampliar os bombardeios iniciados em setembro do ano passado, uma opção militar de resultados duvidosos e que obscurece a urgente necessidade de uma saída política para a crise.

No discurso do Estado da União, Obama falou sobre uma “liderança norte-americana mais inteligente”. Usou como exemplo os ataques ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque, que estão, segundo ele, “parando o avanço do ISIS”, outra sigla usada para designar o grupo. “Estamos liderando uma ampla coalizão, que inclui nações árabes, para degradar e finalmente destruir esse grupo terrorista”, afirmou Obama. “Estamos também apoiando uma oposição moderada na Síria que pode nos ajudar nesse esforço, e auxiliando pessoas em todos os lugares que se elevam contra a falida ideologia do extremismo violento. Esse esforço vai tomar tempo. Vai requerer foco. Mas teremos sucesso”, afirmou.

Uma análise dos fatos mais recentes mostra que Obama exagerou os pontos positivos de sua estratégia e minimizou as inúmeras dúvidas e furos que a cercam. Os ataques têm, de fato, ajudado as forças iraquianas a conter o avanço do Estado Islâmico, mas a velocidade da ofensiva é uma decepção para muitos no Iraque. É particularmente incômoda a dificuldade de retomar Fallujah, cidade que está há um ano sob controle do EI.

Mais grave é o fato de a luta contra os jihadistas não estar servindo para resolver um problema que está na raiz da existência do Estado Islâmico – o cisma entre xiitas e sunitas iraquianos. O Irã, xiita como boa parte da população iraquiana, tem exercido papel determinante no combate aos jihadistas. Prova disso é que o major-general Qassem Suleimani, líder de uma força de elite iraniana, é um dos comandantes da linha de frente. Ocorre que boa parte da ajuda iraniana se dá por meio de milicianos altamente sectários. Como mostrou reportagem recente do jornal The National, dos Emirados Árabes Unidos, as milícias xiitas têm impedido a volta de populações sunitas aos territórios retomados do EI e hostilizado os sunitas que permaneceram em suas casas mesmo quando sob controle do grupo. Como o Estado Islâmico é sunita, esses civis são acusados de colaborar com o inimigo e perseguidos. Para muitos, integrar-se ao EI ou buscar proteção é a única solução para continuar vivo.

“As pessoas têm me perguntado o que virá depois do ISIS. Qual será o destino dos locais? Eles serão acusados de apoiar o ISIS? Vai ser realmente difícil para eles se engajar sem reconciliação”, afirmou ao jornal The Guardian Iyad Allawi, vice-presidente para Reconciliação do Iraque. “A estratégia toda precisa ser revista e os aliados internacionais deveriam fazer parte disso”, concluiu.

Obama Obama com tropas americanas no Afeganistão, em 2014. Ele poupa seus soldados, mas não resolve problemas com os quais só os EUA podem lidar

Na Síria, a situação é ainda pior, pois a abordagem dos EUA para lidar com o Estado Islâmico prioriza o Iraque. “Certamente, o ISIS expandiu-se na Síria, mas este não é nosso objetivo”, afirmou uma fonte do Departamento de Defesa norte-americano ao Wall Street Journal recentemente. Isso faz com que o grupo tenha poucas dificuldades para manter seus refúgios em território sírio e usá-los para continuar na ativa. Além disso, há uma crescente impressão de que os Estados Unidos desistiram de batalhar pela derrubada do ditador Bashar el Assad, algoz dos sunitas sírios. Isso se dá por dois motivos. Em primeiro lugar, porque há uma tácita aliança entre os EUA e El Assad para combater o EI. Em segundo, porque o apoio americano à “oposição moderada”, citado por Obama, é quase inexistente. “Eles (os americanos) dizem: ‘Temos uma linha vermelha, vamos apoiá-los, vamos armá-los’. Aí não fazem nada e quatro anos depois dizem que Bashar el Assad é a melhor opção”, disse recentemente ao jornal The New York Times Tarek Fares, um ex-combatente sírio que desistiu da luta. Pior que desmotivar combatentes é jogá-los nas mãos do EI.

Nos últimos meses têm se tornado comuns relatos de brigadas inteiras do Exército Livre da Síria (ELS), facção dita democrática, secular e reformista, se juntando ao Estado Islâmico. Como revelou pesquisa publicada pela revista Foreign Affairs, a maioria desses desertores do ELS migram por ver o Estado Islâmico como uma força anti-Assad mais confiável e por este tratar melhor seus integrantes.

Como já dito anteriormente, a estratégia atual dos Estados Unidos reproduz aos olhos dos sunitas, tanto no Iraque quanto na Síria, os abusos cometidos pelos governos locais contra essas populações. A alienação sunita é o componente mais importante a explicar a emergência do Estado Islâmico. Ela só pode ser resolvida por meio da diplomacia e da política, mas não há mais esforços neste sentido com a participação firme dos EUA. Enquanto isso não ocorrer, os discursos podem continuar empolados, mas a realidade seguirá trágica.

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