Depois de os eleitores da Venezuela aprovarem, no último domingo 3, a proposta de criação de um estado em Essequibo, uma região administrada pela Guiana que virou alvo de disputa entre os dois países, a comunidade internacional começou a questionar as consequências práticas da decisão.
Sob acirramento da tensão diplomática com a Guiana, a Venezuela realizou um referendo marcado por baixa participação popular e dúvidas sobre o resultado.
O “sim” obteve mais de 95% dos votos, mas líderes da oposição e interlocutores de institutos de pesquisa questionaram a falta dos números sobre a abstenção, que não foram divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral. Além disso, ao longo da campanha, o governo de Nicolás Maduro proibiu propaganda oficial contra o referendo.
O interesse econômico sobre Essequibo é grande. Segundo dados do Banco Mundial, a Guiana teve um aumento de 63% de seu Produto Interno Bruto entre 2021 e 2022, e parte significativa do crescimento se explica justamente pelo petróleo da região.
Além disso, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, a Guiana deverá crescer notáveis 38% neste ano.
No pano de fundo da disputa, o volume de petróleo é expressivo para os países. A Guiana, por exemplo, possui as maiores reservas de petróleo per capita do mundo. Já a Venezuela ostenta há décadas altos níveis de reserva da commodity, apesar da queda de produção nos últimos anos, influenciada pelo endividamento da estatal PDVSA.
Quais as consequências práticas do referendo
A votação realizada ontem na Venezuela tinha caráter consultivo. Ou seja, o governo decidiu consultar a população sobre a possibilidade de anexar Essequibo e transformar a região em um estado venezuelano. Dada a limitação consultiva, o referendo não autoriza o governo a automaticamente anexar a região.
Além disso, há uma questão de interpretação jurisdicional e de possível desconforto diplomático. Trata-se de uma disputa entre dois países, e questões dessa natureza passam pela Corte Internacional de Justiça, órgão vinculado à Organização das Nações Unidas, que já decidiu que a Venezuela não pode deflagrar um movimento para assmir Essequibo.
Do ponto de vista da política interna venezuelana, duas questões giram em torno do referendo e da disputa sobre a região atualmente sob domínio da Guiana. A primeira é que a demanda da Venezuela não é nova: o país argumenta que o território lhe pertence por causa de um acordo feito em 1966 com o Reino Unido, ainda antes do processo de independência da Guiana. A disputa por Essequibo faz parte do debate público na Venezuela há décadas.
A segunda se refere ao futuro político da Venezuela. No ano que vem, haverá eleições no país e o processo, desde já, é marcado por disputas sobre a legitimidade do pleito. María Corina Machado, a vencedora das prévias da oposição, está impedida de se candidatar por uma decisão da Justiça venezuelana, mas afirmou que o debate sobre o referendo deverá ser prolongado, servindo como “cortina de fumaça” para o pleito presidencial.
Restaria, no limite, uma intervenção militar da Venezuela no território da Guiana. A possibilidade, a princípio, é remota, mas o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan, afirmou no domingo que “não há nada a temer nas próximas horas, dias e meses”.
A chance de transferência da disputa para o campo militar já despertou a atenção do Brasil. Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, anunciou que o Exército enviaria um reforço de 60 militares para Pacaraima (RR), próximo à tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana.
Em caso de uma guerra, as consequências seriam imprevisíveis. Certamente ocorreria um rechaço internacional generalizado à Venezuela, o que agravaria a crise no país. Guiana, por sua vez, poderia lançar mão do apoio dos Estados Unidos, fornecendo, inclusive, a possibilidade de instalação de uma base militar em seu território.
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