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O mal nunca dorme

A extrema-direita volta a ganhar fôlego na Europa e merece atenção redobrada dos democratas

O mal nunca dorme
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Expoentes. Os suecos deram ao partido de Akerson (primeiro à esquerda) a segunda maior votação. Orbán destruiu as instituições húngaras. Le Pen liderou o discurso, mas... - Imagem: Johan Nilsson/TT News Agency/AFP, Redes sociais, Andrej Isakovic/AFP e Jonathan Nackstrand/AFP
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A assustadora ascensão da extrema-direita na Europa é um tema familiar para o qual os políticos progressistas e a mídia liberal costumam alertar. Uma onda revolucionária de apoio a partidos nacionalistas, eurocéticos e culturalmente intolerantes foi prevista após o referendo do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, de 2016 e a vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos. Ela nunca se concretizou. O sucesso eleitoral dos social-democratas de centro-esquerda da Alemanha no ano passado e os reveses da Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita, sugeriram que as forças da reação atravessavam um momento de recuo. Depois veio o segundo turno das eleições presidenciais da França, quando Marine Le Pen, do Rassemblement National, obteve um recorde de 13,3 milhões de votos, mais de 41% do total.

A lição mais ampla a ser extraída de tais flutuações é que os esforços para discernir tendências distintas em toda a Europa podem ser enganosos. O comportamento eleitoral em diferentes países é influenciado por personalidades, eventos, calendário, questões regionais, lealdades partidárias e sistemas eleitorais. No fim, toda política é local. Dito isto, os partidos populistas de extrema-direita são um problema pan-europeu que diz respeito a todos os democratas. Um terreno comum e conjunções ideológicas podem ser encontrados, por exemplo, entre a Suécia, no extremo norte da Europa, e a Itália, no sul do Mediterrâneo. Em ambos, os partidos de direita radical estão em alta.

Foi uma surpresa para muitos em Estocolmo: os Democratas Suecos, partido com raízes neonazistas e uma postura anti-imigrantes feroz, lei e ordem, conquistou o segundo lugar nas eleições nacionais, apoiado por um em cada cinco eleitores. Seu apoio será crucial para a nova coligação de centro-direita que pretende substituir os social-democratas no comando do país. Se o fato de que tal partido, espetado por adversários como camisas marrons neofascistas, vai bancar o rei não é alarmante o suficiente, então considere o seguinte: na terra de nascimento de Greta Thunberg, 22% dos eleitores de primeira viagem, com idades entre 18 e 21 anos, votaram nos Democratas Suecos, partido que compartilha o ceticismo da extrema-direita europeia a respeito da crise climática.

O problema dos partidos extremistas não está circunscrito a cada país, ele perpassa o continente

Preocupações com o custo de vida e a disparada dos preços de energia, a guerra na Ucrânia, a imigração e o crime com armas, questão polêmica na Sué­cia, em parte explicam o sucesso eleitoral da legenda extremista. E eles não estão confinados aos suecos. Essas questões se traduzem facilmente na Itália, onde partidos de extrema-direita com ideias semelhantes caminham para vencer as eleições do domingo 25. Pesquisas de opinião sugerem que o Fratelli D’Italia, de Giorgia Meloni, movimento populista insurgente cuja linhagem remonta a Mussolini, será o mais votado e terá a primazia de liderar o governo. A agremiação é apoiada por mais duas figuras de direita conhecidas, o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, da Liga Norte. Ambos são especialistas na política de divisão.

Como os Democratas Suecos e o Rally Nacional de Le Pen (antiga Frente Nacional), o Fratelli D’Italia lavou cuidadosamente a imagem e suprimiu os impulsos mais selvagens. Meloni moderou sua postura contra a União Europeia e se distanciou da Rússia. Em contraste, Berlusconi é conhecido como um velho amigo de Vladimir Putin. A extrema-direita da Itália compartilha outras características com os irmãos europeus: hostilidade às “elites”, tendências autoritárias, desprezo pelo multiculturalismo e direitos de gênero e uma obsessão pela identidade nacional sustentada pelo racismo. Polônia, Holanda, Áustria, Espanha e Sérvia, todos têm suas próprias versões do mesmo contágio.

O dano que a extrema-direita pode causar no poder é dolorosamente evidente na Hungria. Seu primeiro-ministro pró-Moscou, Viktor Orbán, e seu partido Fidesz obstruíram a ação da União Europeia na Ucrânia e minaram as liberdades judicial, acadêmica, minoritária e de mídia. No início de setembro, o Parlamento Europeu declarou que a Hungria não deveria mais ser considerada uma democracia. Em um momento de introspecção nacional e não um pouco de autoflagelação, os britânicos deveriam estar gratos – e orgulhosos – pelo fato de os partidos de extrema-direita nunca terem atingido a dimensão que têm em outros lugares. Poderia acontecer? Se os assuntos britânicos forem mal administrados o suficiente, sim, poderia. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1227 DE CARTACAPITAL, EM 28 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O mal nunca dorme “

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