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Como o ‘voto da desilusão’ catapultou a extrema-direita como a segunda força política da Suécia

A premiê Magdalena Andersson renunciou nesta quarta-feira (14) após a vitória da coligação de direita nas legislativas

(Foto Jonathan NACKSTRAND / AFP)
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Graças ao chamado “voto de desilusão”, o odiado partido de extrema-direita, originário de uma formação neonazista, emerge do isolamento político e se catapulta como a segunda força política no país. Os “Democratas Suecos” ganharam 72 assentos nestas eleições legislativas. Especialistas analisam esta ascensão meteórica, que coincide com a ascensão do discurso xenófobo no país.

Em apenas uma década, os Democratas Suecos, um partido que emergiu de um movimento neonazista nos anos 1980, deixaram de ser tratados como párias políticos para se tornarem uma alternativa política decisiva no país europeu. A legenda foi a segunda mais votada nestas eleições legislativas de 2022, cujo resultado final ainda é aguardado.

A ascensão meteórica da extrema-direita nestas eleições representa uma enorme mudança na sociedade sueca, que tem sido impulsionada pelo debate sobre segurança. Todos os partidos suecos nesta campanha tinham como bandeira a luta contra o crime de gangues. Desde 2018, houve 2513 tiroteios entre as chamadas “gangues”, disputas atribuídas à venda de drogas e armas.

“Estes são tiroteios entre grupos e, de acordo com números do governo, 80% envolvem membros destas gangues” explica Artur Obmiski, pesquisador sueco da Escola de Economia de Paris, resume em migração e partidos políticos.

“Membros de quadrilhas são pessoas que vivem em bairros com baixo nível sócio-econômico e onde, porque a moradia é mais barata e por causa da possibilidade de encontrar pessoas da mesma comunidade, vive um grande número de imigrantes”, explica o especialista, enquanto adverte que “não há relação direta e óbvia entre a criminalidade e o aumento da imigração nos últimos dez anos ou a crise de 2015, quando o país recebeu 160.000 refugiados em apenas alguns meses”.

Para Obmsiki, a situação socioeconômica e a renda das pessoas são fatores determinantes nos problemas sociais vividos nessas favelas na periferia de um país escandinavo que, durante décadas, acolheu refugiados de braços abertos, mas onde o discurso xenófobo e anti-imigração que impulsionou a entrada da extrema-direita no Parlamento em 2010 se espalhou por grande parte do espectro político sueco.

Nenhum país europeu tem tantos refugiados per capita quanto a Suécia

Além de ser muito explorada pela mídia, a questão da criminalidade de gangues foi utilizada nesta campanha eleitoral legislativa por todos os partidos políticos na Suécia, o país europeu com o maior número de refugiados per capita: quase um em cada quatro de seus 10,3 milhões de habitantes tem raízes estrangeiras.

Até mesmo o Partido Social Democrata – no poder desde 2014 – endureceu significativamente sua retórica. Deve-se lembrar que, ao lado do bem-estar e da mudança climática, o crime de gangues foi uma prioridade para o governo da primeira-ministra social-democrata Magdalena Andersson durante seus dez agitados meses de governo.

No discurso dos “democratas da extrema-direita da Suécia” – ecoado pelas três principais forças de direita: os Moderados Conservadores, os Liberais e os Democratas Cristãos – a violência criminosa das quadrilhas tem origem em seus diferentes antecedentes culturais, ou seja, o crime vem sempre “de fora”.

Os partidos de direita emularam e replicaram o discurso da extrema-direita de tal forma que muitos cidadãos agora criticam os imigrantes, “especialmente” os muçulmanos, de uma forma que não teria sido tolerada na Suécia dez anos atrás, diz Anders Hellström, um pesquisador da Universidade de Malmö especializado em nacionalismo, racismo e populismo.

Hellström acredita que a social-democracia tem, em certa medida, jogado em um impasse com a direita na questão do crime. “Todas as partes, esquerda e direita, querem penas mais fortes e mais policiais”, diz ele. Entretanto, há uma diferença na maneira como o assunto é abordado de um ponto de vista ou de outro: social-democracia levanta a questão como resultado da segregação, enquanto a ala direita se resume a valores culturais.

E esta pode ser a razão pela qual a extrema-direita foi espetacularmente catapultada para a cena política nestas eleições, quando há apenas dez anos entrou no Parlamento sueco com somente 5,7% dos votos.

Retórica da extrema-direita

“Se você olhar para dez anos atrás, existia uma forte distância entre a direita e a extrema-direita. Ao contrário de hoje, quando o Partido Conservador Moderado, os Liberais e os Democratas Cristãos apontam os valores culturais como a causa dos problemas e associam a criminalidade à alta taxa de migração. Todos os três líderes desses partidos de direita usaram a retórica da extrema-direita. O paradoxo é que os três partidos perderam votos e os Democratas Suecos aumentaram exponencialmente. Por quê? Porque os eleitores ouviram e escolheram a versão original, que neste caso são os democratas suecos”, diz Hellström.

Hellström acrescenta que nesta época de grandes crises – mudança climática, guerra entre Rússia e Ucrânia – o crime é para as pessoas comuns um problema mais concreto para o qual veem soluções mais próximas de casa em sua concepção de crime e punição.

“Embora a questão climática seja muito importante, muitas pessoas têm dificuldade em compreendê-la e, sobretudo, não têm certeza do que pode ser feito para combater o problema.  É mais fácil focar a atenção na questão das gangues. Como é uma questão que todas as partes colocaram na agenda e a extrema-direita a argumentou com um discurso ‘confiável’, as pessoas votaram a favor delas”, conclui.

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