Mundo
O mago da mentira
Steve Bannon volta à cena para impulsionar a campanha presidencial de Donald Trump


Com um paletó verde-oliva e camisa preta, Steve Bannon arrombou a porta de um assunto que a maioria dos outros oradores tinha rodeado cautelosamente. “Mídia, eu quero que vocês se f*dam sobre isso, quero que a Casa Branca se f*da sobre isso: vocês perderam em 2020!”, rugiu. “Donald Trump é o legítimo presidente dos Estados Unidos.” Um arrepio transgressor percorreu a multidão na Conferência de Ação Política Conservadora no National Harbor em Maryland. “Trump venceu”, latiu Bannon, dedo em riste. “Trump venceu”, repetiu, punho fechado. “Trump venceu”, proclamou mais uma vez. Seu público, como que hipnotizado, entoou em uníssono a mentira descarada.
Foi um lembrete áspero de que Bannon, arquiteto do trumpismo comparado a Thomas Cromwell, Rasputin e Joseph Goebbels, ainda é uma força poderosa na política norte-americana na reta final para a eleição presidencial, e a reeleição de Donald Trump parece uma clara possibilidade. O ex-estrategista principal da Casa Branca pode não estar mais em contato diário com Trump, mas isso pouco importa: ele é uma fonte vital para o ecossistema da extrema-direita que molda e anima a base do “Faça a América Grande de Novo” (“Maga”, na sigla em inglês).
Aos 70 anos, Bannon apela de uma condenação criminal e sentença de quatro meses de prisão por recusar uma intimação da comissão parlamentar que investiga o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio. A comissão ouviu evidências de que Trump falou com Bannon ao menos duas vezes em 5 de janeiro e previu que “o inferno inteiro vai se soltar amanhã”. Nesse meio-tempo, ele tem um podcast chamado War Room (Sala de Guerra), que propaga versões falsas sobre a eleição de 2020 e as vacinas contra Covid, mas ganha um verniz de respeitabilidade por receber convidados como Elise Stefanik, a número 3 dos republicanos na Câmara de Deputados, e outros políticos. Um estúdio pop-up da War Room teve uma localização de destaque na CPAC e apresentou convidados como Liz Truss, ex- primeira-ministra britânica. No palco principal, Bannon comparou Trump ao general romano Cincinato, e declarou: “Seu destino é ter o maior retorno político da história a partir de 5 de novembro, para expulsar os vermes da Casa Branca. Biden, você e sua família criminosa não passam de lixo, tá bom? E em 20 de janeiro de 2025 vamos remover o lixo”.
Conexão. Trump manteve contato com Bannon no período da invasão do Capitólio – Imagem: Ryan Collerd/AFP
A multidão, com emblemas e roupas do “Maga”, enlouqueceu, confirmando a posição de Bannon como uma tribuna do movimento para a eleição deste ano. Charlie Sykes, analista político e autor de How the Right Lost Its Mind (Como a Direita Enlouqueceu), disse: “No momento, Steve Bannon é a identidade da direita norte-americana, e se aprendemos alguma coisa nos últimos oito anos é não suponha que só porque alguém soa radical e tresloucado não terá influência nesse partido”. Sykes faz uma analogia com traficantes de drogas que competem entre si para vender formas de metanfetamina mais puras e mais fortes. “Steve Bannon continua a vender a droga mais potente que há por aí.”
Descuidado e grosseiro, Bannon é o oposto do político de carreira. Foi oficial da Marinha, banqueiro de investimentos no Goldman Sachs e produtor de cinema. Foi diretor-executivo da Breitbart News, “a plataforma da direita alternativa”, movimento que englobou o racismo e o antissemitismo, e tornou-se chefe da vitoriosa campanha eleitoral de Trump em 2016. Sua passagem pela Casa Branca foi curta e rancorosa, pois ele se chocou com a filha do presidente, Ivanka, e seu marido, Jared Kushner, que mais tarde o descreveu como uma presença “tóxica” e o acusou de “minar a agenda do presidente”. O próprio Trump pode ter ficado incomodado com a atenção que a mídia dava a Bannon, e acabou por apelidá-lo de “Steve desleixado”. Suas ideias se mostraram, porém, mais difíceis de matar. Bannon continua a defender a “desconstrução do Estado administrativo”, redução radical da burocracia do governo federal e uma política isolacionista de “a América primeiro”. Tais ideias correm entre os congressistas republicanos que se opõem a liberar mais apoio militar à Ucrânia.
Em seu podcast, War Room, Bannon dissemina fake news e teorias da conspiração
Bannon reforça ainda a tese sobre o tema central de Trump, a segurança nas fronteiras, culpando os imigrantes sem documento pela criminalidade, apesar de estudos terem demonstrado que os que vêm de fora são menos propensos a cometer crimes do que outros moradores dos EUA, e a defender a deportação em massa como solução. Os que mais perdem com a entrada maciça de imigrantes, diz, é a classe trabalhadora negra e latina. “Todo negro, todo hispânico em nosso país vota em Trump”, disse na CPAC. “Trump vai libertar vocês, porque neste momento eles os estão escravizando.” Então afirmou para a plateia, de maioria branca: “Eles os chamam de racistas, de xenófobos, de nativistas. Nada poderia estar mais distante da verdade, porque eles não conseguem vencer a discussão intelectual. O que eles tentam fazer é sujar vocês, e vocês não se importam porque sabem que não é verdade”.
Bannon tem uma placa sobre sua lareira (“Não há conspirações, mas não há coincidências”) que o situa numa zona indefinida entre as teorias da conspiração ou não. A “Sala de Guerra” é seu maior megafone. No ano passado, um estudo do Grupo Brookings Institution, em Washington, descobriu que quase 20% de seus episódios continham uma declaração falsa, enganosa ou infundada, o que o torna um disseminador de desinformação maior que qualquer outro podcast. Segundo Valerie Wirtschafter, da Brookings, coordenadora da pesquisa, a “Sala de Guerra” foi uma das plataformas mais destacadas para o negacionismo eleitoral mesmo depois que redes como a Fox News recuaram. “O modo como ele aborda as coisas que são mais conspiratórias por natureza… ele é muito eficaz em considerar as coisas de uma maneira que faz o público pensar que não está imediatamente claro que ele as está confirmando. Há uma ideia de que ele parece estar escutando todos os lados da conversa.”
Sinal verde. A Suprema Corte garantiu o direito de Trump disputar a eleição – Imagem: iStockphoto
Enquanto os Estados Unidos se preparam para mais uma eleição divisiva e volátil, antigos críticos de Trump advertem sobre a sombra de Bannon. Rick Wilson, cofundador do Projeto Lincoln, disse: “Steve Bannon é uma, se não a principal força espiritual e intelectual desse movimento nacionalista que está no controle do Partido Republicano”. A respeito de um possível regresso de Bannon à Casa Branca, Wilson respondeu: “Campos de concentração. Esse cara fica dizendo em voz alta que eles são inimigos do povo, que nossos adversários merecem o que recebem, essa retórica hiperbólica. Ele acredita no poder e no caos, e fará o que puder se o conseguir. Tudo o que ele conseguir fazer nessa circunstância, ele fará impunemente”.
Bannon passou anos a cortejar os movimentos nacionalistas de extrema-direita em todo o mundo, e os resultados foram claramente exibidos na CPAC. Nigel Farage, ex-líder do partido Brexit na Grã-Bretanha, observou que uma década atrás ele foi o único orador estrangeiro na conferência, mas agora ela se tornou um centro para populistas de países como Argentina, Brasil, El Salvador, Hungria e Espanha. “Para seu crédito, e em detrimento dos Estados Unidos, ele foi um dos primeiros a olhar para fora do sistema político norte-americano, para encontrar figuras públicas de alto perfil com ideias semelhantes em outros países”, afirma Kurt Bardella, estrategista.
Truss, destituída do cargo de primeira-ministra após apenas 50 dias, encontrou uma causa comum com Bannon ao culpar um “Estado profundo” supostamente dominado pela esquerda. Bardella, ex-porta-voz da Breitbart News e assessor republicano no Congresso, acrescentou: “Para gente como Farage e Liz Truss, Bannon oferece uma segunda oportunidade de vida. Elas atingiram o cume em suas carreiras no serviço público, não há mais nada que possam alcançar, na realidade. Aí vem Bannon com essa linha direta com uma das duas forças mais poderosas da política norte-americana em Trump: nós vamos elevá-lo, você terá status, você terá a percepção de influência, será novamente um influenciador. Bannon lhes oferece uma combinação de relevância, legitimidade e acesso ao poder”. •
Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O mago da mentira’
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