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O dilema do Chile: entre a sombra de Pinochet e uma nova Constituição que já nasce velha

Após rejeitar um texto constitucional considerado ‘progressista demais’, o país volta às urnas para julgar um projeto liderado por setores conservadores

O dilema do Chile: entre a sombra de Pinochet e uma nova Constituição que já nasce velha
O dilema do Chile: entre a sombra de Pinochet e uma nova Constituição que já nasce velha
População chilena protesta em Santiago, durante 'estallido' de 2019. Foto: Javier Torres/AFP
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Há quatro anos, um estalo, ou melhor estallido, lançou o Chile em um histórico processo de inconformismo social contra seus rumos políticos e econômicos – regidos, ainda hoje, pela Constituição herdada da era Pinochet

De lá para cá, o país elegeu um presidente progressista, Gabriel Boric, e moveu de forma inédita para levantar uma assembleia constituinte. Atropelos no processo, contudo, provocaram avanços e recuos na marcha rumo à nova Constituição e à superação das bases econômicas do governo de Pinochet. 

No próximo domingo 17, finalmente, os chilenos terão a oportunidade de decidir se uma nova proposta de texto constitucional substituirá a embolorada Carta Magna dos tempos ditatoriais. Essa votação surge após uma rejeição à proposta anterior considerada progressista demais pela classe média do país. Uma nova eleição de membros para o conselho da nova constituição, em maio, terminou dominada pela direita e influências de Pinochet. O novo texto foi aprovado pelo conselho com 33 votos a favor e 17 contra.

O plebiscito será simples: votar “a favor” ou “contra” o novo texto. Complexo mesmo é o clima sob o qual a população vai às urnas: na prática, a população chilena dirá se troca o texto de Pinochet por uma proposta não muito diferente.

As semelhanças e diferenças entre os textos

Há temas principais sob os quais a proposta não difere muito do texto anterior. Saúde e Educação podem ser citados como exemplos. A segurança, por sua vez, ganhou destaque especial na proposta a ser votada.

A proposta constitucional determina que “cada pessoa terá o direito a escolher o sistema de saúde ao qual deseja admitir, seja estatal ou privado”. Não há, diferentemente do Brasil, uma consagração do sistema público de saúde. Na prática, o tom não muda o que já se nota na Constituição anterior. 

Em termos de Educação, a proposta que vai a voto obriga o Estado a financiar um sistema que garante o financiamento “por estudante em estabelecimentos estatais e privados”. Em outros termos, celebra o uso de vouchers para educação, em uma ideia prometida – porém, ainda não concretizada – pelo novo presidente da Argentina, Javier Milei.

A Constituição atual guarda uma polêmica garantia dos “direitos dos particulares sobre as águas”. A nova proposta constitucional, por sua vez, diz que as águas “são bens nacionais de uso público” e que seu “domínio e uso pertencem à Nação inteira”. Apesar disso, o novo texto diz que “podem ser constituídos ou reconhecidos direitos de uso da água, que confiram ao proprietário o uso e gozo das mesmas, e lhe permitam dispor, transmitir e transferir tais direitos”. 

Em matéria de segurança pública, o texto introduz uma “Polícia Fronteiriça” que poderia ser responsável por expulsar, “no menor tempo possível”, os estrangeiros em situação irregular.

O que indicam as pesquisas

As pesquisas mostram uma sociedade dividida. A mais recente pesquisa do instituto AtlasIntel, por exemplo, apontou que 48,4% estariam dispostos a votar a favor do novo texto, contra 44% que se disseram contrários. Outros 7,6% ainda estão indecisos.

Já a Activa Research mostra um cenário desfavorável à proposta. Segundo o levantamento, 59,7% dizem que vão votar contra o novo texto, enquanto 40,3% dizem que votarão a favor. 

O panorama é semelhante à ultima pesquisa Cadem, divulgada em novembro, que mostrou que 46% dos chilenos estão inclinados ao voto “contra”, ao passo que 38% afirmam que vão votar favoravelmente.

Os institutos tendem, aliás, a reconhecer que a participação no plebiscito de domingo deve ser alta. Se, antes do estallido de 2019, a participação eleitoral girava na casa dos 50%, a participação eleitoral sobre a nova Constituição – projetados, também, para domingo – circula ao redor dos 80%. Destaque para o fato de que uma mudança recente na lei eleitoral tornou o voto obrigatório no país. 

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