O dia seguinte à surpresa da ultradireita nas primárias da Argentina

O resultado conquistado por Javier Milei gerou amplas repercussões no mercado local e em outros países

O ultradireitista Javier Milei, candidato à Presidência da Argentina. Foto: Alejandro Pagni/AFP

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O desempenho do ultradireitista Javier Milei nas eleições primárias gerou um impacto imediato na Argentina e na percepção externa sobre o país. A campanha do “libertário”, construída à base de bravatas como a “eliminação” do Banco Central, acendeu um alerta diante da competitividade de sua candidatura.

O dólar blue, conhecido como o câmbio paralelo, fechou esta segunda-feira 14 próximo aos 685 pesos para venda. Em um dia, o salto foi de 80 pesos. Nas ruas de Buenos Aires, no entanto, já há registros sobre a negociação de um dólar por 700 pesos.

O Banco Central comprou 220 milhões de dólares nesta segunda, além de anunciar uma desvalorização de cerca de 20% na moeda local e de fixar o dólar oficial em 350 pesos. A instituição também subiu a taxa de juros de referência de 97% para 118% ao ano.

A desvalorização desta segunda representou a maior correção cambial em um único dia desde a posse do presidente neoliberal Mauricio Macri, em dezembro de 2015.

O movimento deve ter um impacto também sobre a inflação, embora seja difícil prever com precisão a intensidade desse crescimento. Sebastián Menescaldi, da consultoria EcoGo, estimou ao jornal La Nación que o índice poderia chegar a 160% em outubro no acumulado de 12 meses.

Analistas de mercado ouvidos pela agência Bloomberg destacaram o temor e a incerteza impulsionados pela expressiva votação de Milei. Mariano Machado, da Verisk Maplecroft, disse que “a falta de experiência executiva de Milei aumenta o risco de um ajuste econômico desordenado”.


Milei, de fato, não esconde sua disposição para promover um forte arrocho, mesmo com cerca de 40% da população na linha da pobreza. Em entrevista a uma rádio nesta segunda, ele adiantou as cartas que pretende mostrar ao Fundo Monetário Internacional caso seja instado a explicar seus planos.

“O FMI não deveria ter problemas com o programa que apresentamos, porque propomos um ajuste fiscal muito mais profundo do que o que eles propõem“, declarou. Milei nunca escondeu seu endosso a cortes orçamentários, demissões, abertura desenfreada da economia e das importações, além de ataques à educação e à saúde públicas.

Como uma tentativa de contraponto à tensão do mercado com a votação de Milei, o FMI informou nesta segunda que sua diretoria-executiva se reunirá para analisar um desembolso de 7,5 bilhões de dólares para a Argentina em 23 de agosto.

Julie Kozack, diretora de Comunicações do Fundo, reforçou em um comunicado que as autoridades argentinas e o corpo técnico do órgão chegaram a um consenso, em 28 de julho, sobre a quinta e a sexta revisões do acordo de 30 meses do Programa de Financiamento Ampliado da Argentina.

O país vive as consequências de uma decisão do governo Macri. Em 2018, o então presidente contraiu um empréstimo de 57 bilhões de dólares com o fundo, uma fatura oferecida como “legado” a Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Ao assumir a Casa Rosada, no final de 2019, Fernández renunciou às parcelas de desembolso pendentes e promoveu em 2022 uma renegociação, chegando a um acordo pelo qual a Argentina receberia 44 bilhões de dólares em 30 meses. Em troca, o governo teria de aumentar suas reservas internacionais e reduzir o déficit fiscal, de 3% do Produto Interno Bruto em 2021 para 2,5% em 2022, 1,9% em 2023 e 0,9% em 2024.

Enquanto a extrema-direita, com Milei, foi a grande surpresa das primárias, prevaleceu na direita macrista Patricia Bullrich, com 28% dos votos, ante 11% de Horacio Rodríguez Larreta, chefe de governo da cidade de Buenos Aires e um político considerado mais “palatável” que a ex-ministra da Segurança.

Na centro-esquerda, o vitorioso foi o ministro da Economia, Sergio Massa, com 21%. Ele tentará abocanhar votos de Larreta, além de contar com a transferência dos quase 6% que Juan Grabois, seu adversário nas primárias peronistas, recebeu. O primeiro turno da eleição presidencial ocorrerá em 23 de outubro.

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