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Na Argentina, Milei dobra a aposta em um plano de arrocho para fazer inveja até ao FMI

A postura incendiária do ‘libertário’ sacudiu o mercado no país nesta segunda-feira. Banco Central reage e adversários tentam entender os resultados

O ultradireitista Javier Milei, candidato à Presidência da Argentina. Foto: Alejandro Pagni/AFP
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O surpreendente desempenho nas eleições primárias da Argentina deu um novo impulso ao economista Javier Milei, representante da ultradireita e o grande vencedor do domingo 13. Chancelado pelo resultado, ele dobrou a aposta na promessa de um grande arrocho e em seu discurso “libertário”.

Diante de apoiadores, ainda na noite de domingo, ele voltou a atacar o que chama de “modelo de castas” e os direitos da população, “cuja aberração máxima é a justiça social”.

“O que seria melhor para o mercado do que [a vitória de] um economista pró-mercado?”, questionou o líder do partido La Libertad Avanza, nesta segunda-feira 14, em uma entrevista à Rádio Continental, de Buenos Aires.

Ele está convicto de que os dados da votação de domingo são o “resultado de uma expressão pró-mercado” na sociedade. Por isso, adiante as cartas que pretende mostrar ao Fundo Monetário Internacional caso seja instado a explicar seus planos.

“O FMI não deveria ter problemas com o programa que apresentamos, porque propomos um ajuste fiscal muito mais profundo do que o que eles propõem“, declarou. Milei nunca escondeu seu endosso a cortes orçamentários, demissões, abertura desenfreada da economia e das importações, além de ataques à educação e à saúde públicas.

Todos os problemas que a Argentina teve com o FMI, prosseguiu, decorreriam do fato de o país não ter colocado em ordem o aspecto fiscal. “Então, a relação com o fundo não será um problema para nós”, vaticinou.

Como de praxe na extrema-direita, o caminho a ser percorrido para concretizar o programa fica em segundo plano. O partido de Milei, afinal, não tem musculatura comparável à das tradicionais legendas do país, divididas entre as candidaturas de Sergio Massa, à centro-esquerda, e de Patricia Bullrich, à direita.

“É preciso saber o que fazer, como fazer e ter convicção. Somos claros sobre o diagnóstico, somos claros sobre o que queremos fazer e como fazer. E a convicção não é um elemento menor”, ​disse Milei nesta segunda.

A postura incendiária do candidato assusta até o próprio mercado, temeroso diante de propostas como a dolarização da economia e a eliminação do Banco Central. Títulos argentinos cotados em dólar no exterior têm forte queda nesta segunda. Já o dólar blue, conhecido como o câmbio paralelo na Argentina, saltou de 605 pesos na sexta-feira para mais de 680, uma nova marca histórica.

Além disso, o Banco Central anunciou uma desvalorização de cerca de 20% na moeda local e fixou o dólar oficial em 350 pesos, na primeira reação oficial ao resultado das eleições primárias. A instituição também subiu a taxa de juros de referência de 97% para 118%.

No Brasil, o FMI não foi um tema relevante na campanha presidencial em 2022. Na Argentina, porém, a situação é distinta, devido em grande medida ao fracasso do governo neoliberal de Mauricio Macri, entre o final de 2015 e o final de 2019.

Em 2018, o então presidente contraiu um empréstimo de 57 bilhões de dólares com o fundo, uma fatura oferecida como “legado” a Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

O drama econômico se acentuou naqueles anos. A Argentina fechou 2014, ano anterior à eleição de Macri, com uma inflação de 23,9%.

Confira os índices de cada um dos anos do governo de Mauricio Macri:

  • 2016: 26,5%
  • 2017: 25,7%
  • 2018: 34,3%
  • 2019: 53,5%.

Alberto e Cristina não conseguiram conter o avanço dos preços e, com isso, a inflação continua a corroer o poder de compra na Argentina, onde cerca de quatro em cada dez pessoas são pobres. Isso ajuda a explicar, na avaliação de especialistas ouvidos por CartaCapital, a ascensão da extrema-direita.

O inesperado vigor demonstrado por Milei nas primárias não decorre apenas de um voto de oposição ao candidato governista, Sergio Massa, mas a uma espécie de manifestação “antissistema”. A exemplo de outros países, na América Latina e fora dela, uma delicada conjuntura socioeconômica acendeu o pavio de uma candidatura que sugere ter soluções simples para problemas complexos.

Nas primárias da direita macrista, Patria Bullrich obteve 28% dos votos, ante 11% de Horacio Rodríguez Larreta, chefe de governo da cidade de Buenos Aires e um político considerado mais “palatável” que a ex-ministra da Segurança.

Massa, com seus 21% de domingo, tentará abocanhar votos de Larreta, além de contar com a transferência dos quase 6% que Juan Grabois, seu adversário nas primárias peronistas, recebeu. O primeiro turno da eleição presidencial ocorrerá em 23 de outubro.

Nos próximos meses, um desafio será o de estudar o comportamento de Milei. Até hoje, nenhum vencedor das primárias argentinas ficou de fora do segundo turno, o que indica a forte possibilidade de o sucesso do ultradireitista neste fim de semana não ser um mero voo de galinha.

Resta saber, também, para onde irão os mais de 1,1 milhão de votos em branco, os 293 mil nulos e os cerca de 32% de argentinos que estavam habilitados a votar, mas não compareceram às urnas no domingo.

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