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Julgamento sobre terras indígenas é teste para democracia brasileira, analisa Libération
No Brasil polarizado, a luta dos povos pelas suas terras se tornou um teste para uma democracia explicitamente ameaçada pelo presidente


O jornal Libération desta sexta-feira 17 trata do chamado “julgamento do século” sobre as terras indígenas no Brasil, em uma coluna assinada pela professora Nadia Vargaftig, da Universidade de Reims, no nordeste da França. No texto, ela lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta semana a análise de uma questão crucial para os povos autóctones brasileiros.
A acadêmica escreve que, em meio a um caos instalado durante as comemorações do 7 de setembro, os magistrados debatem a efetividade do “marco temporal”, uma tese defendida pelo agrobusiness brasileiro, com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Segundo eles, apenas as terras que eram ocupadas pelos povos indígenas quando a Constituição do país foi promulgada, em 1988, devem ser reconhecidas como territórios ancestrais.
Para Vargaftig, esse é um verdadeiro ataque contra os povos nativos do Brasil e que penaliza membros de diversas comunidades autóctones forçadas a fugir para outros lugares, especialmente durante o período da ditadura militar. Por trás da disputa, estão os interesses dos ruralistas e empresários nessas terras, “diversas vezes proclamadas como propriedade nacional e não dos povos indígenas por Bolsonaro”, escreve.
“Caso seja validada pelos 11 juízes do STF, o marco temporal de 1988 encobertaria de maneira legal um movimento de desapropriação e de invasão de terras que já ocorre”, afirma a coluna publicada pelo jornal Libération. Além disso, “legitimaria, sobretudo, séculos de uma política indígena marcada por migrações dessas populações, acabando com toda a perspectiva de autonomia, subsistência, reconhecimento e direito desses povos de existir”, reitera o texto.
História de luta e resistência
A professora convida a uma reflexão sobre questões políticas, sociais e ambientais, lembrando que a história dos indígenas se iniciou muito antes mesmo de 1.500, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. “É uma história de luta e resistência durante cinco séculos de espoliações persistentes, de assimilação forçada, de negação linguística e cultural, cuja atual ofensiva jurídica não passa de um avatar contemporâneo”, diz Vargaftig.
Em um Brasil mais polarizado do que nunca, enfraquecido pela pandemia de Covid-19, que fez das comunidades indígenas as maiores vítimas, a luta dos povos da Amazônia pelo reconhecimento de suas terras se tornou uma espécie de teste para uma democracia explicitamente ameaçada pelo presidente, reitera. O texto também lembra que no último 8 de setembro, o juiz Edson Fachin, relator do caso, se pronunciou contra o marco temporal. “Se não podemos ainda falar de vitória, essa é uma etapa maior nesta luta pelos direitos indígenas”, conclui a coluna.
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