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Insegurança alimentar no mundo aumenta cinco vezes, aponta Oxfam

O relatório atribui esse aumento à pandemia, à crise climática e aos conflitos armados

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Um relatório da Oxfam, divulgado nesta quinta 8, revela que até 11 pessoas podem morrer por minuto de fome e desnutrição até o final do ano de 2021. Esse número é maior do que a taxa atual de mortalidade da Covid-19, que é de sete por minuto.

Em relatório anterior, o instituto já havia alertado que a fome poderia ser ainda mais mortífera do que a Covid-19. Neste ano, mais de 20 milhões de pessoas levadas a níveis extremos de insegurança alimentar, atingindo um total de 155 milhões em 55 países. 

O documento atual indica que desde o início da pandemia, o número de pessoas que vivem em condições de fome estrutural aumentou cinco vezes, chegando a mais de 520 mil. Esses dados expõem a desigualdade do planeta e acendem um alerta: se os governos não enfrentarem essa situação com urgência, o quadro tende a piorar de forma drástica. 

A Oxfam aponta três causas da insegurança alimentar: conflitos armados, choques econômicos agravados principalmente pela covid-19 e a crise climática.

Países que já apresentavam focos de fome extrema, como Afeganistão, Iêmen, Sahel da África Ocidental, Sudão do Sul e Venezuela apresentaram um cenário ainda mais grave. A piora, segundo o relatório, se deve a uma mistura de consequências econômicas estimuladas pela pandemia, o conflito armados nas regiões e a crise climática. Esses fatores levaram mais de 48 milhões de pessoas, apenas nesses países, à fome em níveis críticos, em uma perspectiva de crise. 

Brasil está entre os focos emergentes da fome, junto com Índia e África do Sul.

Dados apontam que desde o começo da pandemia da covid-19 o percentual de brasileiros que vivem em extrema pobreza quase triplicou – de 4,5% para 12,8%. No final de 2020, mais da metade da população – 116 milhões de pessoas – enfrentava algum nível de insegurança alimentar, das quais quase 20 milhões passavam fome.

Grupos desfavorecidos, incluindo negros, mulheres, população rural e indígena foram os mais atingidos pela fome. No final de 2020, 11% das famílias chefiadas por mulheres conviviam com a fome, enquanto mais de 10% das famílias negras enfrentavam o problema, em comparação com mais de 7% das famílias brancas. 

Além disso, 12% das famílias rurais passavam fome, em comparação com mais de 8% das famílias urbanas. A família de classe média brasileira também foi afetada, já que o percentual de pessoas que vivem em algum nível de insegurança alimentar quase dobrou, passando de mais de 20% em 2018 para quase 35% no final de 2020.

“A pandemia de Covid-19 escancarou as desigualdades brasileiras e trouxe essa emergência da fome a milhões de pessoas no país”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Vivemos uma situação catastrófica porque há uma negligência sem tamanho com a vida das brasileiras e brasileiros, que estão sem vacinas, sem ter o que comer, sem emprego e sem renda.”

Conflitos armados

Os conflitos armados foram a maior causa de fome desde o início da pandemia e seu principal fator, segundo o instituto. Esse fenômeno levou quase 100 milhões de pessoas em 23 países a níveis de crise, ou piores, em termos de insegurança alimentar.

Apesar dos chamados para um cessar-fogo global, permitindo que o mundo concentrasse atenção no combate à pandemia, os conflitos não diminuíram. Os gastos militares globais aumentaram 2,7% no ano passado – o equivalente a 51 bilhões de dólares – suficiente para cobrir seis vezes e meia o apelo da ONU para a segurança alimentar humanitária em 2021, de 7,9 bilhões de dólares. Além disso, as vendas de armas dispararam em alguns dos países mais devastados pelo conflito e atingidos pela fome. 

Economia

Conforme o relatório, as consequências econômicas da Covid-19 foram a segunda principal causa da crise global da fome. O número estimado de pessoas que vivem em extrema-pobreza deve chegar a 745 milhões até o final de 2021, um aumento de 100 milhões desde o início da pandemia. Pessoas deslocadas, mulheres e trabalhadores informais foram os mais atingidos. 

A perda global de empregos para as mulheres foi de 5%, em comparação com 3,9% para os homens. Isso custou a elas, no mundo todo, pelo menos 800 bilhões de dólares em renda perdida em 2020. A projeção é que outras 47 milhões de mulheres caiam na pobreza extrema em todo o mundo em 2021.

“Mulheres e meninas estão entre as mais afetadas, frequentemente comendo por ultimo e comendo menos. Elas enfrentam escolhas impossíveis, como ter que escolher entre ir até o mercado e arriscar ser abusada física e sexualmente ou ver suas famílias ficarem com fome”, afirma Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam.

Nesse mesmo cenário de desigualdade, as dez maiores fortunas (nove das quais são de homens) aumentaram em 413 bilhões de dólares no ano passado – o suficiente para cobrir mais de 11 vezes todo o apelo humanitário da ONU para 2021.

Crise climática

O estudo coloca a crise climática como a terceira causa importante de fome global neste ano. Quase 400 desastres relacionados ao clima, 13 incluindo tempestades e inundações em quantidades nunca vistas, se intensificaram para milhões de pessoas na América Central, no Sudeste Asiático e no Chifre da África, onde as comunidades já foram atingidas pelos efeitos dos conflitos armados e da pobreza relacionada à Covid-19.

Em 2020, o mundo registrou um recorde de 50 bilhões de dólares em danos causados por catástrofes climáticas extremas, em função das mudanças no clima. Esse fator foi responsável por empurrar quase 16 milhões de pessoas em 15 países para a fome em nível de crise. Apesar disso, os governos adiaram as ações de enfrentamento da crise climática para se concentrar na pandemia. 

A agricultura e a produção de alimentos sofreram 63% do impacto desses choques resultantes da crise climática, conforme relatório. Os países vulneráveis e as comunidades pobres foram os mais afetados.

COVID-19

A desigualdade na distribuição de vacinas também contribuiu para aumentar a fome. A Câmara de Comércio Internacional estimou que a atual desigualdade nas vacinas poderia custar ao mundo cerca de 9,2 trilhões de dólares em prejuízos econômicos, com focos de fome emergentes como a Índia podendo perder até 786 bilhões de dólares, ou mais de 27% de seu PIB.

A Oxfam calculou que, no ritmo atual, os países de baixa renda esperariam 57 anos para vacinar totalmente suas populações. Essas condições podem levar mais 132 milhões de pessoas à subnutrição devido à perda de empregos, rendas desestruturadas e problemas de saúde. Pessoas nesta situação também correm mais riscos de contrair doenças, incluindo a Covid-19. 

A OMS estima que são necessárias 11 bilhões de doses para vacinar o mundo inteiro em um nível de 70%, que pode freae a transmissão do coronavírus. 

O documento também apresenta medidas práticas que poderiam diminuir a insegurança alimentar mundial. Sendo a principal delas o encerramento dos conflitos e a concentração de recursos na proteção social e em programas assistenciais. A Oxfam também aponta a necessidade da constituição de uma economia global mais justa e sustentável, como uma das formas de equalizar as desigualdades. 

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