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Guerra na Ucrânia: Arábia Saudita organiza conversas para mediar conflito; Brasil é convidado

A previsão é de que as rodadas de conversas sejam realizadas em 5 e 6 de agosto

O príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman já havia feito esforços diplomáticos em relação à guerra russo-ucraniana, principalmente ao convidar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para a cúpula da Liga Árabe em Jeddah, em 19 de maio de 2023. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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A Arábia Saudita planeja realizar rodadas de conversas em 5 e 6 de agosto para discutir formas de promover a paz na Ucrânia, com a presença de representantes de Kiev, potências ocidentais e países em desenvolvimento como o Brasil, ou seja, quase 30 países, mas sem a Rússia. Para saber mais sobre o papel do reino saudita nesse impasse, a RFI conversou com David Rigoulet-Roze, pesquisador associado ao Instituto de pesquisas internacionais e estratégicas (Iris), e especialista em Oriente Médio.

Desde que Washington acusou Riad de ficar do lado da Rússia ao manter os preços do petróleo altos, a Arábia Saudita e seu príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, têm procurado desempenhar um papel mais proeminente na diplomacia internacional. Em maio, ela recebeu o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em uma cúpula da Liga Árabe. Zelensky acusou alguns líderes árabes de fecharem os olhos para as atrocidades cometidas pelos russos.

A Arábia Saudita também foi escolhida para sediar as próximas negociações por causa de seus estreitos vínculos com a China. No início deste ano, Pequim ajudou a intermediar um acordo entre a Arábia Saudita e seu inimigo regional, o Irã. O Ocidente está ainda mais esperançoso de que a China fará sua presença ser sentida nas negociações de Jeddah, já que Pequim declarou repetidamente que está trabalhando em um plano de paz para a Ucrânia.

No entanto, a China não participou das discussões iniciais realizadas em Copenhague no mês passado. Naquela cúpula, as opiniões da Ucrânia e da maioria dos países em desenvolvimento presentes eram muito divergentes, com Kiev pedindo a devolução de todos os territórios ocupados e exigindo que as tropas russas deixassem o país antes do início das negociações de paz.

Com essas negociações, a Arábia Saudita está fazendo seu último esforço diplomático em relação ao conflito, segundo David Rigoulet-Roze, pesquisador associado ao Instituto de pesquisas internacionais e estratégicas (Iris), e especialista em Oriente Médio.

RFI: Esta é a segunda rodada de negociações, sendo que a primeira ocorreu há um mês em Copenhague. Qual é a mensagem dessas próximas negociações acontecem na Arábia Saudita?

David Rigoulet-Roze: Em primeiro lugar, isso mostra que o príncipe herdeiro Mohammed ben Salman quer se apresentar como um “mediador honesto” que pode reunir protagonistas em conflito. Ele quer se posicionar como um mediador, como [o presidente turco Recep Tayyip] Erdogan.

É também uma forma de mostrar que ele é sensível às questões ligadas à guerra na Ucrânia, que também têm consequências no Oriente Médio, como vimos nos últimos meses, especialmente em termos de energia e alimentos. É importante lembrar que ele convidou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para uma cúpula anterior em Jeddah, em 19 de maio, quando estigmatizou os países árabes por supostamente fecharem os olhos para a situação na Ucrânia. Portanto, essa é uma maneira de o príncipe herdeiro mostrar que ouviu as queixas do presidente Zelensky e que está se apresentando como um intermediário que provavelmente ajudará a resolver o conflito.

RFI: Os laços estreitos de Riad com Pequim também ajudaram na escolha da Arábia Saudita como local do evento?

David Rigoulet-Roze: A questão da participação chinesa não foi definitivamente resolvida, porque na realidade haverá cerca de 30 países em Jeddah nos dias 5 e 6 de agosto. Você poderia chamá-los de “sul global”: Indonésia, Egito, México, Chile, Brasil e outros países. A ideia é envolver efetivamente todos esses países do chamado “sul global”, alguns dos quais têm sido cautelosos, se não suspeitosamente neutros, aos olhos de [Volodymyr] Zelensky.

A questão da participação da China seria decisiva, porque as relações entre Riad e Pequim são muito importantes atualmente. Por acaso, a China é o maior cliente de petróleo da Arábia Saudita e devemos nos lembrar que, durante a visita do [presidente chinês] Xi Jinping em dezembro passado, foi formalizada uma parceria estratégica. Mohammed bin Salman pode, portanto, olhar para trás, para as relações privilegiadas com Pequim e mostrar-se particularmente comprometido com a dinâmica que está colocando em movimento.

RFI: Cerca de 30 países estarão presentes em Jeddah, mas a Rússia não foi convidada para essas discussões?

David Rigoulet-Roze: Não, ela não foi convidada, e isso já aconteceu no fórum de Copenhague no mês passado. É muito difícil para a Rússia e, de qualquer forma, isso convém a todas as partes até certo ponto, porque, do jeito que as coisas estão, a Rússia considera que está bastante acusada e, portanto, não quer se colocar em uma posição de fraqueza.

Mas isso não impede que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman mantenha relações importantes com Vladimir Putin, especialmente no contexto do acordo Opep+. Em outubro passado, foi confirmado que os preços do petróleo permaneceriam altos. Portanto, isso obviamente exige discussões próximas entre Moscou e Riad.

De qualquer forma, nunca é garantido que esse tipo de formato seja bem-sucedido. O importante é a iniciativa em si, que permite que todos se posicionem. Isso é mérito do príncipe herdeiro, que procurará se beneficiar disso. O Ocidente, e os Estados Unidos em particular, acusaram-no de fazer jogo duplo em termos de suas relações com Vladimir Putin. Mas, na realidade, sua iniciativa não é agradar o Ocidente, mas sim posicionar-se como um intermediário indispensável. Esse já é o caso no Oriente Médio e ele quer ampliar sua base. Essa é a credibilidade que ele quer dar ao reino, portanto, há uma lógica especificamente saudita nessa abordagem.

RFI: E, finalmente, há um desejo por parte de MBS de se mostrar da melhor forma possível aos países do “sul global”?

David Rigoulet-Roze: Sem dúvida. Lembre-se de que a Arábia Saudita se candidatou para participar do Brics na África do Sul. Essa é uma forma de se distanciar de seus patrocinadores históricos, nesse caso, os Estados Unidos. É também uma forma de diversificar alianças e relações, como podemos ver tanto com Moscou quanto com Pequim, e é isso que permite que ela atue em vários níveis.

RFI: O que podemos esperar da cúpula?

David Rigoulet-Roze: É muito difícil especular. Vimos isso em 24 de setembro, quando Mohammed bin Salman iniciou a troca de prisioneiros, incluindo um marroquino, cinco cidadãos britânicos, dois americanos, um sueco e um croata. Isso foi apresentado como um sucesso pessoal da diplomacia proativa do príncipe saudita. Mas, obviamente, em uma questão tão complexa, não será possível chegar a uma conclusão em um formato como esse. De qualquer forma, é um passo que mostra o reposicionamento dos atores em relação ao mundo ocidental e uma nova articulação desses países “do sul”.

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