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Feridos caminham cinco horas por atendimento médico na Síria

A ONG Médicos Sem Fronteiras, que atua clandestinamente no país, relata casos de civis atingidos por bombas, tiros e explosões

Garoto sírio ferido após bombardeiro em Maaret al-Numaan é levado para hospital em 18 de outubro. Foto: Bulent Kilic / AFP
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A uma distância não muito extensa ouvem-se os sons dos bombardeios e dos projéteis a cortar o céu de um vilarejo no norte da Síria. Ao local, considerado afastado do intenso conflito interno entre rebeldes e as tropas do presidente Bashar al-Assad, dirigem-se diariamente dezenas de pessoas. Algumas delas chegam a caminhar por mais de cinco horas em busca de atendimento médico no hospital dos Médicos Sem Fronteiras, mantido de forma clandestina pela organização internacional desde junho de 2012. O local acolhe os feridos da guerra civil que avança no país: vítimas de tiros, explosões e bombas, quase sempre em estado crítico.

Mergulhada em uma guerra civil com origem nas revoltas no mundo árabe no final de 2010, a Síria enfrenta uma convulsão social que tem piorado progressivamente. Dados de entidades internacionais de direitos humanos, que não podem ser verificados devido à restrição a observadores externos no país, apontam ao menos 25 mil mortos desde o início do conflito.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou recentemente que os refugiados sírios podem superar 700 mil ao final do ano. Atualmente já são mais de 300 mil, dos quais 88 mil fugiram para a Turquia. Um caminho que pode ser dificultado, pois em setembro a cidade turca de Akcakale foi atingida por um morteiro vindo de um território sírio próximo à fronteira dos dois países. Cinco civis morreram e as tensões na região aumentaram com as retaliações turcas a todos os ataques a seu território.

o governo turco diz ter encontrado equipamentos militares de comunicação e peças que poderiam ser usadas em mísseis. Rússia e China vetaram todas as tentativas do Conselho de Segurança da ONU para adotar medidas mais enérgicas contra a Síria, alegando que não deve haver interferência externa no país.

                                                            

Enquanto a diplomacia não encontra uma forma de agir, o acesso da população a serviços de saúde se degrada. Sem autorização para atuar oficialmente em solo sírio, o MSF conseguiu se instalar no país com a ajuda de médicos locais. O tipo de serviço prestado pela organização auxilia aqueles que não conseguem cruzar as fronteiras, mas o trabalho é dificultado sem a criação de um corredor de acesso humanitário. Por isso, Mego Terzian, coordenador do programa de Emergência do MSF na França, que retornou do país há cerca de um mês, avalia a situação social como “caótica”.

Entre os mais de 1 mil atendidos no período de 22 de junho a 22 de setembro, os casos graves ocupam grande espaço. “Realizamos muitas intervenções ortopédicas e explorações abdominais. Houve casos de pacientes com 13 ou até mais buracos no intestino e outros com ferimentos na bexiga, ou baço dividido em dois”, relata a enfermeira cirúrgica Ruth Priestley, que passou nove semanas na Síria com os MSF. Em outro caso, a voluntária afirma que um dos pacientes operado tinha ao menos 20 ferimentos pelo corpo, desde estilhaços de bombas e granadas a tiros.

Os ferimentos mais comuns são provocados por tiros, explosões e bombas jogadas em prédios que acabam provocando feridos. “Há também pessoas que fogem da violência e precisam de suporte médico para problemas como diabetes e hipertensão. Estes últimos sofrem consequências graves por não conseguirem mais comprar seus remédios regulares porque não há farmácias”, relata Terzian, a CartaCapital.

Existem ainda registros de crianças gravemente feridas – ao todo, elas representam 10% dos pacientes do hospital. Priestley conta ter recebido cerca de sete crianças de uma só vez, após o bombardeio de um bazar em uma cidade próxima. “É revoltante e muito entristecedor observar o impacto disso tudo na vida das pessoas. Quando o bazar foi bombardeado, os afetados eram civis; e isso revolta. Diariamente, observamos a realidade da vida em meio a uma guerra e os prejuízos associados a isso: todas essas pessoas feridas e mutiladas para toda a vida.”

A violência provocada por rebeldes e militares fica do lado de fora do hospital. Do lado de dentro, ambos os lados são atendidos. “Quando os pacientes chegam não perguntamos se são civis ou militares. Ninguém entra com armas, pois temos que ser neutros”, diz Terzian. O médico ainda aponta ser difícil distinguir no cenário de violência massiva qual lado é responsável pelo maior número de vítimas. “A situação é caótica. A equipe que está na Síria trabalhou na Somália e, recentemente, na Líbia e na Costa do Marfim. De toda a experiência que tiveram, essa é o pior em termos de violência.”

Em meio a este quadro, os deslocamentos internos passam a ser mais frequentes conforme a população busca locais seguros para se abrigar. Um movimento que provoca uma realocação de indivíduos não prevista, como é o caso do vilarejo onde o MSF mantém suas atividades. Antes do conflito, o local tinha cerca de 3 mil habitantes, que saltaram para 30 mil. “Há pessoas vivendo por longos períodos em casas com cinco ou seis famílias”, conta Terzian.

Com isso, degradam-se as condições sanitárias e de vida dos deslocados, que enfrentam dificuldades de acesso à comida, água e serviços de saúde. “Tivemos em junho duas semanas uma epidemia de diarreia e de desidratação.” Problemas que poderiam ser mais facilmente superados com a ajuda internacional, ainda pequena. “As pessoas com quem falei estavam desapontadas politicamente e militarmente, porque não há assistência real à oposição. Em breve, disseram, também ficarão desiludidos em temos humanitários, pois a assistência internacional é fraca. É a realidade.”

A uma distância não muito extensa ouvem-se os sons dos bombardeios e dos projéteis a cortar o céu de um vilarejo no norte da Síria. Ao local, considerado afastado do intenso conflito interno entre rebeldes e as tropas do presidente Bashar al-Assad, dirigem-se diariamente dezenas de pessoas. Algumas delas chegam a caminhar por mais de cinco horas em busca de atendimento médico no hospital dos Médicos Sem Fronteiras, mantido de forma clandestina pela organização internacional desde junho de 2012. O local acolhe os feridos da guerra civil que avança no país: vítimas de tiros, explosões e bombas, quase sempre em estado crítico.

Mergulhada em uma guerra civil com origem nas revoltas no mundo árabe no final de 2010, a Síria enfrenta uma convulsão social que tem piorado progressivamente. Dados de entidades internacionais de direitos humanos, que não podem ser verificados devido à restrição a observadores externos no país, apontam ao menos 25 mil mortos desde o início do conflito.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou recentemente que os refugiados sírios podem superar 700 mil ao final do ano. Atualmente já são mais de 300 mil, dos quais 88 mil fugiram para a Turquia. Um caminho que pode ser dificultado, pois em setembro a cidade turca de Akcakale foi atingida por um morteiro vindo de um território sírio próximo à fronteira dos dois países. Cinco civis morreram e as tensões na região aumentaram com as retaliações turcas a todos os ataques a seu território.

o governo turco diz ter encontrado equipamentos militares de comunicação e peças que poderiam ser usadas em mísseis. Rússia e China vetaram todas as tentativas do Conselho de Segurança da ONU para adotar medidas mais enérgicas contra a Síria, alegando que não deve haver interferência externa no país.

                                                            

Enquanto a diplomacia não encontra uma forma de agir, o acesso da população a serviços de saúde se degrada. Sem autorização para atuar oficialmente em solo sírio, o MSF conseguiu se instalar no país com a ajuda de médicos locais. O tipo de serviço prestado pela organização auxilia aqueles que não conseguem cruzar as fronteiras, mas o trabalho é dificultado sem a criação de um corredor de acesso humanitário. Por isso, Mego Terzian, coordenador do programa de Emergência do MSF na França, que retornou do país há cerca de um mês, avalia a situação social como “caótica”.

Entre os mais de 1 mil atendidos no período de 22 de junho a 22 de setembro, os casos graves ocupam grande espaço. “Realizamos muitas intervenções ortopédicas e explorações abdominais. Houve casos de pacientes com 13 ou até mais buracos no intestino e outros com ferimentos na bexiga, ou baço dividido em dois”, relata a enfermeira cirúrgica Ruth Priestley, que passou nove semanas na Síria com os MSF. Em outro caso, a voluntária afirma que um dos pacientes operado tinha ao menos 20 ferimentos pelo corpo, desde estilhaços de bombas e granadas a tiros.

Os ferimentos mais comuns são provocados por tiros, explosões e bombas jogadas em prédios que acabam provocando feridos. “Há também pessoas que fogem da violência e precisam de suporte médico para problemas como diabetes e hipertensão. Estes últimos sofrem consequências graves por não conseguirem mais comprar seus remédios regulares porque não há farmácias”, relata Terzian, a CartaCapital.

Existem ainda registros de crianças gravemente feridas – ao todo, elas representam 10% dos pacientes do hospital. Priestley conta ter recebido cerca de sete crianças de uma só vez, após o bombardeio de um bazar em uma cidade próxima. “É revoltante e muito entristecedor observar o impacto disso tudo na vida das pessoas. Quando o bazar foi bombardeado, os afetados eram civis; e isso revolta. Diariamente, observamos a realidade da vida em meio a uma guerra e os prejuízos associados a isso: todas essas pessoas feridas e mutiladas para toda a vida.”

A violência provocada por rebeldes e militares fica do lado de fora do hospital. Do lado de dentro, ambos os lados são atendidos. “Quando os pacientes chegam não perguntamos se são civis ou militares. Ninguém entra com armas, pois temos que ser neutros”, diz Terzian. O médico ainda aponta ser difícil distinguir no cenário de violência massiva qual lado é responsável pelo maior número de vítimas. “A situação é caótica. A equipe que está na Síria trabalhou na Somália e, recentemente, na Líbia e na Costa do Marfim. De toda a experiência que tiveram, essa é o pior em termos de violência.”

Em meio a este quadro, os deslocamentos internos passam a ser mais frequentes conforme a população busca locais seguros para se abrigar. Um movimento que provoca uma realocação de indivíduos não prevista, como é o caso do vilarejo onde o MSF mantém suas atividades. Antes do conflito, o local tinha cerca de 3 mil habitantes, que saltaram para 30 mil. “Há pessoas vivendo por longos períodos em casas com cinco ou seis famílias”, conta Terzian.

Com isso, degradam-se as condições sanitárias e de vida dos deslocados, que enfrentam dificuldades de acesso à comida, água e serviços de saúde. “Tivemos em junho duas semanas uma epidemia de diarreia e de desidratação.” Problemas que poderiam ser mais facilmente superados com a ajuda internacional, ainda pequena. “As pessoas com quem falei estavam desapontadas politicamente e militarmente, porque não há assistência real à oposição. Em breve, disseram, também ficarão desiludidos em temos humanitários, pois a assistência internacional é fraca. É a realidade.”

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