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Do discurso à realidade: como Milei vem recuando no megapacote de leis que será votado na Argentina

Sem maioria no Congresso, o governo admite mudanças no pacote que altera estrutura econômica na Argentina; entenda quais

O presidente da Argentina, Javier Milei. Foto: Juan Mabromata/AFP
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Buscando aprovar o vultoso pacote de leis que promete um ‘choque liberal’ à economia da Argentina, o presidente Javier Milei, se vê obrigado a retroceder nas frentes mais radicais de seu plano de reformas, a chamada ‘lei ônibus’.

Esse recuo, ainda não afete as linhas mestras do projeto, serve como instrumento da tentativa de negociação com um Congresso no qual a coalizão do governo, La Libertad Avanza, não tem maioria.

No início desta semana, o governo Milei apresentou uma proposta mais enxuta da ‘lei ônibus’, limando 141 artigos dos 664 itens do projeto. Espertamente, negou que estivesse cedendo à oposição, e disse estar apenas “melhorando” o projeto de lei. “Quando alguém nos propõe algo melhor, aceitamos.”

O projeto do governo é amplo e altera em vários pontos a estrutura econômica argentina. Inicialmente, Milei propôs conceder, por até quatro anos, poderes extraordinários ao Executivo, sob a bandeira de um estado de emergência econômica declarado.

Na nova proposta, o prazo foi reduzido para um ano, prorrogável por mais um ano sob a aprovação do Congresso. O novo texto também elimina o que o original chamava de “emergência social e de defesa”.

Privatizações e aposentadorias

Embalado por um forte apelo às privatizações, Milei evoca nos argentinos as lembranças das massivas vendas de estatais da era Carlos Menem. Nesta toada, incluiu 41 empresas públicas na lista das que poderiam ser privatizadas.

Agora, porém, a petroleira YPF foi retirada da lista. Principal refinadora de petróleo do país, a YPF foi nacionalizada em 2012 depois de ter sido privatizada no governo Menem. 

No terceiro trimestre do ano passado, a YPF registrou prejuízo líquido de 137 milhões de dólares, após um lucro de 693 milhões de dólares no mesmo período de 2022. Por outro lado, a produção média da YPF foi de 520 mil barris de óleo equivalente por dia, o que representou uma alta de 3% no ano.

Outro ponto sensível do pacote de Milei diz respeito às aposentadorias. Atualmente, os reajustes são feitos a cada três meses, para acompanhar o ritmo da elevada inflação no país. A ideia de Milei era passar a fazer os aumentos por decreto, sem prazo fixo, semelhante ao que foi feito no governo do ex-presidente Mauricio Macri.

O tema acirrou os ânimos no legislativo. Agora, a nova proposta determina que os reajustes trimestrais seriam mantidos até o próximo mês de março. A partir de abril, por sua vez, os reajustes seriam mensais e automáticos, baseados na inflação do mês.

Eleições, exportações e financiamento à cultura

Do ponto de vista eleitoral e do direito à manifestação, o projeto original do governo argentino também buscava alterar pontos importantes da estrutura política e democrática da Argentina. 

Basicamente, a proposta buscava eliminar as eleições primárias, conhecidas como “Paso”, e pôr fim ao sistema de votação em listas das siglas para o legislativo. Além disso, o projeto buscava considerar como “reunião” ou “manifestação” aquilo que fosse entendido como “congregação intencional e temporária de três ou mais pessoas em um espaço público”. 

Esses dois itens foram retirados do projeto, o que exigirá ainda mais debate no Legislativo. Sobre o sistema eleitoral, a nova proposta estabelece que tais reformas deveriam ser debatidas em sessões do Congresso. Sobre o direito à manifestação, o texto original foi excluído.

Há, ainda, alterações no que diz respeito às taxas de exportação. Esse é um tema especialmente importante para a economia argentina, que sofre pela queda nas reservas em dólar. 

O projeto original fixava em percentuais de até 15% as taxas a exportadores de praticamente todos os setores da economia. Os governadores das províncias argentinas, na sua maioria, criticaram o artigo. Agora, o novo trecho do projeto estabelece que as chamadas “economias regionais (como o algodão e a erva mate, por exemplo) não precisam ficar submetidas às taxas. 

Há mudanças, também, no âmbito do financiamento para o setor

da cultura. O projeto original visava desfinanciar o Instituto de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA), órgão que concentra a produção e distribuição dos filmes argentinos. A medida gerou reação no setor cultural, com campanhas feitas por artistas argentinos em defesa do INCAA. A proposta do governo também tinha como objetivo acabar com o Fundo Nacional das Artes (FNA).

Ao recuar sobre o tema, o governo Milei alterou esses pontos. O INCAA manteria a alocação de recursos e o FNA não seria encerrado, embora deva sofrer uma limitação nos investimentos.

Na última quarta-feira, enquanto o país vivia a primeira paralisação geral contra o novo governo, um acordo entre o Executivo e o Legislativo fez com que a sessão da Câmara dos Deputados para debater a chamada “Lei Omnibus” passasse para a próxima semana.

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