Economia

Do consumo aos investimentos, os percalços na economia chinesa e seu impacto global

O PIB no 2º trimestre cresceu abaixo do esperado, sob efeito de crise imobiliária e queda nas exportações. CartaCapital explica o que os números revelam

Foto: Greg Baker/AFP via Getty Images
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Acostumada a resultados expressivos de crescimento econômico que a levaram, neste século, a se tornar a segunda principal potência econômica do mundo, a China viu a sua economia crescer 0,8% no segundo trimestre de 2023, em comparação com os três meses anteriores. O balanço, divulgado na última segunda-feira 17 pelo Departamento Nacional de Estatísticas, é considerado baixo para os padrões do país e ficou aquém das expectativas do mercado.

Na comparação anual, o Produto Interno Bruto chinês cresceu 6,3% no trimestre encerrado em junho. A previsão, porém, era de um crescimento de 7,3%. Vale destacar que a base de comparação era baixa: há um ano, a China ainda adotava a sua política de tolerância zero à Covid-19, encerrada no final de 2022.

Desde que começou a abrir as suas atividades – com o arrefecimento da pandemia -, a China vem atraindo os olhares da comunidade internacional e de analistas sobre o desempenho da economia. Os números divulgados apontam desafios internos e externos. 

No primeiro caso, dizem respeito ao governo de Xi Jinping e refletem, entre outros pontos, a crise imobiliária que o país vive nos últimos anos. Na segunda face da moeda, os desafios se impõem sobre a capacidade de exportação da China e podem impactar países que dependem em grande medida do comércio com o gigante asiático, caso do Brasil. 

Em três pontos, CartaCapital explica o desempenho recente da economia chinesa e os seus impactos:

Crise imobiliária no gigante que se expande há décadas

Por ter vivido nas últimas décadas um massivo fluxo migratório do campo para as cidades, a China vê no setor imobiliário um dos destaques de sua economia. Agências internacionais estimam que a área seja responsável por cerca de um quarto de toda a atividade econômica.

Esse mercado não se restringe às empresas que constroem. Investir em imóveis é prática comum entre as famílias chinesas: até julho do ano passado, segundo dados oficiais, cerca de 70% de todo o patrimônio somado das famílias estava investido em imóveis.

Deve-se levar em consideração que em 2000 a China construiu cerca de dois milhões de apartamentos. Uma década e meia depois, o número saltou para mais de sete milhões de apartamentos por ano. Foi a fórmula encontrada – sem prejuízo de outras – para abarcar o contingente histórico de pessoas que saíram da pobreza.

Entretanto, a expansão vertiginosa tem custos, a exemplo do alto nível de endividamento. Um relatório da agência Bloomberg Economics divulgado em maio apontou que o montante de dívida das incorporadoras imobiliárias chinesas que correm risco de calote gira em torno de 11,8% do PIB nacional. 

A pesquisa se debruçou sobre 186 incorporadoras de capital aberto e mostrou que quase metade (48%) do total de endividamento vem de empresas que já estão pagando títulos nos últimos dois anos ou que, segundo o estudo, correm “risco significativo de não pagar”. O problema pode ser posto em números: no setor inteiro, a dívida está na casa dos 28,1 trilhões de yuans (algo como 4 trilhões de dólares), enquanto as incorporadoras têm 13,6 trilhões de yuans em risco de calote.

“Isso representa um risco para a estabilidade financeira. E esse fardo pode pesar sobre o crescimento por anos, à medida que as empresas direcionam recursos para colocar os seus balanços em ordem”, apontou o relatório. Um caso icônico foi o da China Evergrande Group, a segunda maior incorporadora do país, que quase foi à falência em 2021. Na segunda 17, a incorporadora divulgou resultados financeiros que apontaram uma perda de 81 bilhões de dólares em dois anos.

Ciente disso, o governo chinês vem adotando, desde 2020, uma política que ganhou o nome de Três Linhas Vermelhas. Basicamente, ela estabelece metas visando diminuir a dependência do setor para obter recursos. Em outros termos, o governo restringiu o acesso ao crédito.

Aparentemente, a medida se alastrou para as pessoas que compraram imóveis e tiveram de conviver com os atrasos nas obras. Em 2022, compradores chineses chegaram a promover um boicote.

Nesse sentido, os números do PIB mostraram que no primeiro semestre deste ano os investimentos no setor imobiliário tiveram uma queda de 7,9%, na comparação com o mesmo período de 2022. As vendas também sofreram os efeitos: o tombo no período foi de 5,3%. 

Consumo, investimento e exportação: os desafios de Xi Jinping

O estímulo ao consumo é um dos remédios usados para lidar com os efeitos de uma crise econômica. Foi assim durante a pandemia de Covid-19 e, guardadas as devidas proporções, foi um dos instrumentos de que o Brasil lançou mão durante os anos subsequentes à crise financeira de 2008.

No primeiro trimestre de 2023, o consumo no varejo da China se expandiu em 2,2%, em relação ao último trimestre de 2022. Em junho, na comparação com o mesmo mês de 2022, o crescimento foi de 3,1%. Entretanto, o índice ficou bem abaixo do registrado em maio – também na comparação com o mesmo mês do ano anterior -, quando o salto foi de 12,7%.

Para além do consumo, o nível de investimento público e privado pode revelar a robustez ou não de uma economia. No caso da China, o investimento no primeiro trimestre deste ano cresceu 3,8%, em comparação ao mesmo período do ano anterior, mas, no que se refere ao investimento privado, houve queda de 0,2%.

A China baseou o seu crescimento nas últimas décadas também na exportação. Até 1984, segundo dados da Organização Mundial do Comércio, o Brasil vendia mais que a China (representavam, respectivamente, 1,4% e 1,3% das exportações globais). Em 2020, o Brasil, abocanhou 1,2%, enquanto a China, com 2,6 trilhões de dólares em exportação, esteve envolvida em 16% do registro global.

Na segunda-feira, verificou-se que a queda das exportações chinesas foi de 12,4% em junho, na comparação com o mesmo mês de 2022. A China está inserida em uma economia global com diferentes níveis de dependência e, por isso, a queda é possivelmente explicada por uma crise mais ampla no mundo: com maior inflação, os juros ficam mais altos, o que prejudica o comércio global como um todo.

O quadro impõe desafios à política econômica desenvolvida por Xi Jinping. Nesta terça-feira 18, o porta-voz da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma do país afirmou que a China deve implementar políticas para restaurar e expandir o consumo doméstico “o mais rápido possível”. A questão será saber como a prática poderá ser executada sem ampliar o endividamento.

Como isso importa para o Brasil?

Apesar da evolução recente dos índices internos ligados à economia, o Brasil também deve estar atento aos movimentos de seus parceiros comerciais. 

Principalmente em relação à China, sua principal parceira. Em 2022, pouco mais de um quarto (26,8%) das exportações brasileiras tiveram como destino o gigante asiático.

Historicamente, as compras da China têm a ver com commodities brasileiras. O país compra soja, carne e minério de ferro, entre outros produtos. A China projeta crescer 5% neste ano. Na esteira de um crescimento amplo ou não, pode estar a economia brasileira.

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