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Disputa acirrada leva eleição presidencial na Turquia para segundo turno inédito no país

O todo poderoso presidente Recep Tayyip Erdogan, do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), no poder há 20 anos, enfrenta uma ameaça real, que poderia ter colocado fim a seu reinado

Recep Tayyip Erdogan e Kemal Kiliçdaroglu, candidatos à Presidência da Turquia. Foto: Adem Altan/AFP
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As eleições presidencial e legislativa da Turquia foram marcadas por uma participação histórica, com mais de 95% dos eleitores. O chefe de Estado, Recep Tayyip Erdogan, obteve 49,4% dos votos após a apuração de cerca de 99% das cédulas, e o seu maior adversário, Kemal Kiliçdaroglu, recebeu 44,96% dos votos, segundo o presidente do Conselho Eleitoral Superior, Ahmet Yener. Os dois candidatos devem disputar o segundo turno da eleição presidencial, previsto para o dia 28 de maio.

Profundamente dividida, a Turquia foi às urnas neste domingo (14) e, pela primeira vez na história do país, a eleição presidencial será decidida em um segundo turno. Em duas semanas, os dois candidatos voltarão a se enfrentar após uma disputa mais apertada do que previam as pesquisas.

O todo poderoso presidente Recep Tayyip Erdogan, do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), no poder há 20 anos, enfrenta uma ameaça real, que poderia ter colocado fim a seu reinado.

Enquanto Erdogan, 69 anos, enfrenta o maior teste de sua carreira política, seu principal rival, Kemal Kiliçdaroglu, do Partido Republicano do Povo (CHP), continua ganhando força e eleitores. Considerado inofensivo no princípio pelo governo de Ancara, Kiliçdaroglu, 74 anos, é o candidato da coalizão de seis partidos da oposição.

Na véspera do pleito, ele prestou uma homenagem simbólica à Mustafa Kemal Atatürk, o pai da Turquia moderna e laica. Em um discurso na madrugada desta segunda-feira (15), Erdogan afirmou que não contestará um segundo turno. Basta saber se está disposto a aceitar uma possível derrota no final do mês.

Queda na popularidade

Entre os fatores que levaram Erdogan a não conseguir vencer no primeiro turno, estão a brutal crise econômica que fez o valor da lira turca despencar com a inflação que atingiu 85% no ano passado e o alto custo de vida, que disparou o preço dos alimentos, por exemplo. Mesmo a classe média do país acha mais difícil manter um padrão de vida decente e muitos culpam as políticas econômicas não convencionais de Erdogan pela situação.

Além disso, o presidente turco foi criticado por sua resposta considerada lenta aos devastadores terremotos que atingiram o sul da Turquia há apenas três meses, e que deixaram mais de 50 mil mortos. Para atrair o voto conservador, Erdogan tem endurecido o discurso contra a comunidade LGBTQ+ do país, que ele compara a um “vírus da heresia” que está destruindo os “valores familiares”.

Em entrevista ao jornal francês Le Monde o escritor turco e Nobel de literatura Orhan Pamuk disse que durante a primeira década de poder de Erdogan o crescimento econômico do país foi imenso, mas não homogêneo.

Mesmo assim, o poder aquisitivo dos turcos cresceu e houve avanços nas questões envolvendo as liberdades individuais. Segundo Pamuk, na época, “a palavra de Erdogan não era restrita, mas respeitada. Porém, nos últimos dez anos tudo isso se inverteu”. O governo de Erdogan foi se tornando mais autocrático e autoritário. O atual presidente distanciou o país dos princípios laicos sobre os quais a Turquia moderna foi fundada há um século.

A Turquia e o Ocidente

Nos últimos anos, as relações entre União Europeia e Turquia se deterioraram bastante por causa da repressão aos direitos humanos no país, do enfraquecimento da independência do Judiciário e do controle da mídia turca. Sem avanços nas reformas democráticas, a candidatura do país ao bloco congelou. Se Kiliçdaroglu vencer as eleições, a Turquia deve tentar se reaproximar dos Estados Unidos e da União Europeia.

Ele prometeu um caminho de volta a uma postura pró-Ocidente e mais democrática. Kiliçdaroglu é pela igualdade de gênero, justiça independente e universidades autônomas. Já o governo de Erdogan acusou o Ocidente de conspiração para derrubá-lo, e caso ele se mantenha no poder, as chances de adesão da Turquia ao bloco continuarão quase inexistentes.

No contexto da guerra na Ucrânia, a Turquia continua sendo o único país da Otan a não impor sanções contra Moscou. Ancara sempre tentou se posicionar como uma ponte entre o Ocidente e a Rússia e não é do seu interesse assumir uma posição abertamente pró-Otan ou pró-Rússia.

Ao mesmo tempo, o país atuou como mediador ao lado das Nações Unidas no importante acordo de grãos, que abriu os portos ucranianos para exportações através do Mar Negro após seis meses de bloqueio russo. Sempre que pode, Erdogan elogia sua própria intermediação deste acordo, mas a posição da Turquia em relação à Ucrânia e à Rússia é bastante complexa e ambígua.

O líder turco tem interesses estratégicos e nunca escondeu sua parceria com o presidente russo, Vladimir Putin. Erdogan irritou outros membros da Otan ao comprar o sistema russo de defesa antimísseis S-400 e bloqueou a entrada da Suécia na aliança militar.

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