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CartaExplica: Entenda as origens e os desafios do Brexit

Do casamento até o divórcio, entenda o caminho para a saída do Reino Unido da União Europeia

Foto: Niklas HALLE'N / AFP
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Que o Brexit (sigla para British exit, ou saída britânica) é um dos acontecimentos mais importantes da política internacional dos últimos tempos, é fácil perceber. Todo o processo de saída do Reino Unido da União Europeia foi delineado por uma batalha de interesses políticos entre o Parlamento inglês, o mais tradicional do mundo, e o resto do bloco.

Justamente pela complexidade, é fácil se perder nas discussões, principalmente as que dizem respeito ao prazo final para a saída. O CartaExplica ajuda a esmiuçar o processo. 

O casamento…

Para entender o porquê de o Reino Unido sair da União Europeia, é importante saber do que, especificamente, ele faz parte.

A União Europeia é um bloco econômico e político que engloba 28 países e que começou a ser desenhado em 1951, com a criação de comunidades para a colaboração entre países no contexto da Guerra Fria.

Com a entrada de mais membros e a proximidade do fim da União Soviética, o Tratado de Maastricht, de 1992, foi o responsável por consolidar a criação do bloco aos moldes que conhecemos hoje: com livre circulação de pessoas, bens e mercadorias, atuação pelo desenvolvimento local e internacional, e com uma moeda única –  o euro, implementado em 1999.

O Reino Unido, em laranja, em relação ao restante dos países pertencentes à União Europeia, em azul. (Fonte: Wikimedia Commons)

O Reino Unido sempre teve condições diferentes dos outros países mais ricos, como a França e a Alemanha, por escolha política. Continuou a usar a libra como moeda e nunca participou da Zona Schengen, acordo que flexibiliza as fronteiras na Europa. A soberania britânica sempre foi uma estratégia geopolítica prioritária tanto para uma ala dos parlamentares, quanto para parte da população, que retoma o passado histórico de protagonismo da Grã Bretanha.

… e o divórcio

A decisão de sair foi tomada por meio de um referendo, realizado no dia 23 de junho de 2016. Basicamente, os ingleses foram às urnas para votarem pela permanência ou não do país no bloco.

Pelo “sim”, votaram em maior parte os jovens e adultos até 50 anos, e os cidadãos residentes na Irlanda do Norte e da Escócia. Já a Inglaterra e o País de Gales tiveram maioria votante pelo “não”, assim como o voto da faixa mais velha da população. O resultado final foi apertado: 52% dos votantes decidiram o futuro fora da EU, contra 48% que viam sentido na parceria.

Em laranja, os locais onde prevaleceu o voto pela permanência do Reino Unido na UE. Em azul, os votantes pela separação. (Fonte: Wikimedia Commons)

Para o “não”, além da valorização da soberania britânica, estavam em discussão a crise dos refugiados e a entrada de imigrantes no Reino Unido, a disparidade econômica dentro do bloco – com a ideia de que a UE “sustenta” países mais pobres, como no caso da crise na Grécia no início da década, e sai perdendo com isso -, e promessas de maior investimento em serviços básicos, como a saúde.

Pelo “sim”, os cidadãos posicionavam-se pela mesma questão econômica, mas visando os impactos futuros – desde multas aplicadas pelo Parlamento europeu para a saída formal, até a dependência que o RU tem do amplo mercado da Europa, que passaria a cobrar taxas alfandegárias novamente -, o intercâmbio cultural e científico amplificado, e maiores oportunidades de empregos fora dos domínios da rainha.

A luta política

A decisão pela saída foi uma surpresa até para quem convocou o referendo, o então primeiro ministro David Cameron. Esperando pelo resultado contrário, Cameron renunciou ao cargo no dia seguinte à aprovação do Brexit.

No seu lugar, a atual premiê Theresa May, do Partido Conservador, foi a responsável por toda a articulação da saída, que envolvia articular um acordo menos prejudicial possível aos ingleses, que deveria ser avaliado pela União Europeia e pelo Parlamento britânico.

Após quase 2 anos de negociação sobre os termos da separação, May conseguiu aprovar, em 25 de novembro de 2018, o chamado “acordo de retirada” com a UE. Entre os tópicos mais importantes, estavam:

  • O valor de “quebra de contrato” a ser pago para a UE: 39 bilhões de libras, ou 191 bilhões de reais
  • A sugestão de manter as fronteiras ”semi abertas” entre Irlanda do Norte (integrante da Grã Bretanha) e a Irlanda (país independente que faz parte da UE), países que já estiveram em guerra por conflitos de independência e fronteira
  • A manutenção dos direitos de residência e acesso a serviços para cidadãos europeus que estão dentro do Reino Unido antes da saída (o mesmo vale para britânicos que morem pelos países europeus).
  • Um período de transição para não ”assustar” o mercado e dar mais tempo de planejar futuras parcerias econômicas. Caso aprovado, não haveria mudanças tarifárias e alfandegárias até dezembro de 2020.

No cenário ideal, que envolvia a aprovação do acordo pelo Parlamento inglês, 29 de março seria o dia derradeiro do Reino Unido como parte da Comunidade Europeia.

Theresa May, no entanto, encontrou uma enorme resistência dos parlamentares ingleses, que se posicionaram contrários ao acordo aprovado. Em janeiro de 2019, ele foi rejeitado em uma votação histórica que marcou a maior derrota do governo em quase 100 anos: foram 432 votos contra e 202 a favor.

Entre as principais polêmicas, estava a questão fronteiriça da Irlanda com a Irlanda do Norte, e a opinião de parlamentares que, de um lado mais radical, defendem uma quebra brusca de relações com a UE, e, do outro, são contrários ao Brexit e contam com manifestações em peso da população para reiterarem sua posição.

A britânica, Theresa May, em sessão da segunda derrota do acordo pelo Brexit. (Foto: Mark Duffy/AFP)

Na visão da premiê, um processo gradual seria menos danoso à economia britânica, e daria tempo para os dois lados construírem novamente relações diplomáticas de qualidade. “Uma saída sem acordo significaria nenhuma parceria de segurança com a União Europeia”, disse May no seu discurso antes da primeira votação.

O apelo, no entanto, não surtiu efeito: o acordo foi rejeitado mais duas vezes, nos dias 12 e 29 de março. Depois da segunda rejeição, a União Europeia concordou em conceder mais tempo para a saída definitiva, que deve ser feita até o dia 12 de abril se o Parlamento se recusar a aprovar o acordo de May. Caso contrário, a Grã Bretanha pode respirar para sair até o dia 22 de maio.

Encurralada, a primeira ministra chegou a anunciar a sua renúncia caso os parlamentares votassem pela aprovação, entendendo que seus baixíssimos níveis de popularidade não permitiriam que ela permanecesse no cargo por muito tempo depois da finalização do Brexit.

Segundo vários jornais britânicos, Downing Street – a sede do Governo – planeja propor aos deputados uma única escolha: ou votam no acordo de May ou em um projeto alternativo com um Brexit mais suave que o texto atual (proposta que pretende angariar o apoio dos deputados moderados). O texto, no entanto, voltaria para análise do parlamento europeu, que já se mostra incomodado com o imbróglio.

A chefe de Governo espera convencer os eurocéticos de seu partido conservador a votarem pelo acordo já aprovado. Sem ele, um “no deal” (saída sem acordo) em 12 de abril, suposição que preocupa os meios econômicos, continua a ser o cenário mais provável.

*Com AFP.

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