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Brasil e China criticam países desenvolvidos por baixo financiamento de ações climáticas

O texto critica a manutenção do financiamento climático dos países desenvolvidos em patamares abaixo dos 100 bilhões de dólares por ano

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado do presidente chinês Xi Jinping. Foto: Ken Ishii/POOL/AFP
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Os governos do Brasil e da China divulgaram uma declaração conjunta sobre o combate às mudanças climáticas, durante visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao homólogo chinês Xi Jinping, nesta sexta-feira 14.

No texto, dividido em 14 tópicos, os dois líderes reconhecem a mudança climática como “um dos maiores desafios de nosso tempo” e afirmam que “os países desenvolvidos têm responsabilidade histórica” pelas emissões de gases de efeito estufa. O documento diz que os países desenvolvidos devem liderar a ampliação das ações ambientais e alcançar a neutralidade climática antes do ano de 2050.

Lula e Xi também reivindicam que essas nações financiem os países em desenvolvimento nessa tarefa. O texto critica a manutenção do financiamento climático dos países desenvolvidos em patamares abaixo dos 100 bilhões de dólares por ano, desde quando a meta foi estabelecida em 2009.

“Exortamos os países desenvolvidos a honrarem suas obrigações não cumpridas de financiamento climático e a se comprometerem com sua nova meta quantificada coletiva que vai muito além do limite de US$ 100 bilhões por ano e fornecer um roteiro claro de duplicação do financiamento da adaptação”, afirmam.

O Brasil e a China se comprometeram a aprofundar a cooperação bilateral sobre o clima e mencionaram o Acordo de Paris como um “guia” para controlar a temperatura média global. Além disso, enalteceram o multilateralismo e disseram rejeitar o “unilateralismo” e as “barreiras comerciais verdes”.

Além disso, os dois países anunciaram a criação de um subcomitê de meio ambiente e mudança climática no âmbito do Comitê de Coordenação de Alto Nível China-Brasil, o Cosban.

A China também disse apoiar a candidatura do Brasil para sediar a COP30. A perspectiva é de que o evento ocorra em Belém do Pará, em 2025. A próxima é a COP 28, que deve ser realizada em Dubai, no fim deste ano.

Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o texto não apresentou novidades. O especialista disse sentir falta de sinalizações maiores, como um possível aumento de restrições a produtos feitos com carbono, decorrente do desmatamento brasileiro ou do uso do carvão para a energia chinesa.

“Muito genérico, praticamente ratifica o que já acordaram nas últimas COPs”, analisa Bocuhy.

João Cumarú, pesquisador da Plataforma Cipó em Xangai, aponta como uma decisão concreta a criação do subcomitê do clima no Cosban, por dar maior institucionalidade ao tema na relação entre o Brasil e a China.

Para o estudioso, a declaração sinaliza algumas áreas que podem se tornar prioritárias para a parceria, como a eliminação do desmatamento e a cooperação tecnológica na área de satélites.

Ainda assim, ele também salienta que muitas posições do texto já foram vistas anteriormente.

“Embora destaque compromissos políticos relevantes, para além da questão do Cosban e do apoio da China para promover a COP 30, a declaração ainda carece de propostas concretas para que esses compromissos anunciados sejam colocados em prática”, afirma.

Já sinólogo Diego Pautasso, cientista político, destaca positivamente a postura da China em fortalecer e criar mecanismos institucionais para a questão climática, assunto hoje dominado pelos Estados Unidos e a União Europeia.

“A China defende responsabilidades diferenciadas para a resolução da questão climática”, analisa, destacando a preocupação dos dois países em reforçar a aliança sem que a demanda ambiental represente um “arrocho” para o desenvolvimento.

Leia a declaração completa:

Declaração Conjunta Brasil-China sobre o combate às mudanças climáticas

1. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping reuniram-se em Pequim em 14 de abril de 2023. Durante sua conversa, os presidentes Lula e Xi reconheceram que a mudança climática representa um dos maiores desafios de nosso tempo e que o enfrentamento desta crise contribui para construir um futuro compartilhado de prosperidade equitativa e comum para a humanidade.

2. A comunidade científica internacional tem mostrado, de maneira inequívoca, que a atividade humana está mudando o sistema climático global e criando novos desafios para o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos têm responsabilidade histórica pelas emissões de gases de efeito estufa e devem assumir a liderança na ampliação das ações climáticas, alcançando a neutralidade climática antes de 2050, fornecendo financiamento climático e respeitando o direito ao desenvolvimento e o espaço político dos países em desenvolvimento.

3. O Brasil e a China enfatizam a necessidade de combinar uma ação urgente para o clima com a conservação da natureza para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo a erradicação da pobreza e da fome, sem deixar ninguém para trás.

4. Brasil e China comprometem-se a ampliar, aprofundar e diversificar a cooperação bilateral sobre o clima, bem como esforços conjuntos para uma melhor governança global no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), de acordo com a equidade e o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais, no contexto do desenvolvimento sustentável, do inalienável Direito ao Desenvolvimento e dos esforços para erradicar a pobreza e a fome.

5. Sob a égide da UNFCCC, o Acordo de Paris nos oferece um guia para coletivamente manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e para perseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Estamos determinados a fortalecer ainda mais o multilateralismo, inclusive com todos os nossos parceiros dentro do Grupo dos 77 e da China (G77+China), com vistas a um modelo de solidariedade climática que seja coletivo, que rejeite o unilateralismo e as barreiras comerciais verdes, e que esteja firmemente fundamentado em valores de solidariedade e cooperação em nossa comunidade internacional.

6. Saudamos a mensagem política central da COP27, em particular a necessidade de meios de implementação para os países em desenvolvimento, em momento em que o Acordo de Paris está sendo implementado em conformidade com a melhor ciência disponível e com base na equidade e no princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais.

7. Os países em desenvolvimento requerem apoio previsível e adequado dos países desenvolvidos, incluindo financiamento climático com escopo, escala e velocidade necessários e comensuráveis, bem como acesso à tecnologia e aos mercados para garantir e possibilitar seu desenvolvimento sustentável. Considerando que a implementação de uma transição justa para uma economia de baixo carbono e resiliente ao clima nos países em desenvolvimento custará trilhões de dólares, como apresentado no primeiro Relatório sobre a determinação das necessidades dos países em desenvolvimento relacionadas à implementação da UNFCCC e de seu Acordo de Paris, continuamos muito preocupados com que o financiamento climático fornecido pelos países desenvolvidos continue a ficar aquém do compromisso de US$ 100 bilhões por ano, como tem acontecido todos os anos desde que a meta foi estabelecida em 2009, mesmo quando o montante real necessário ultrapassava de longe esse compromisso. Exortamos os países desenvolvidos a honrarem suas obrigações não cumpridas de financiamento climático e a se comprometerem com sua nova meta quantificada coletiva que vai muito além do limite de US$ 100 bilhões por ano e fornecer um roteiro claro de duplicação do financiamento da adaptação. Tal provisão de meios de implementação para os países em desenvolvimento é a ambição climática que o mundo precisa para fortalecer a implementação da UNFCCC e de seu Acordo de Paris.

8. Estamos determinados a contribuir para uma COP28 bem sucedida com o foco na implementação, em Dubai, no final deste ano. Como principal mecanismo para promover a implementação e ambição em todos os aspectos do Acordo de Paris sob a UNFCCC, o Estoque Global deve ser eficaz na avaliação e identificação de lacunas de implementação no âmbito do regime climático, enquanto prospectivamente lança as bases para que os países desenvolvidos assumam a liderança na redução de emissões e preencham as lacunas pendentes nos meios de implementação para os países em desenvolvimento.

9. Os resultados do Estoque Global e do 6º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (AR6) serão importantes para informar os países na apresentação de sua próxima rodada de contribuições determinadas nacionalmente (NDCs) ao Acordo de Paris em 2025, de forma determinada nacionalmente e levando em conta as diferentes circunstâncias nacionais, na COP30. A China apoia a candidatura brasileira para sediar a COP30, já que a cúpula de 2025 será fundamental para o próprio futuro da resposta global às mudanças climáticas.

10. Saudamos os esforços de cientistas brasileiros e chineses para participar ativamente da eleição do Escritório AR7 do IPCC e sua dedicação às avaliações científicas sobre a mudança climática global.

11. Congratulamo-nos e estamos determinados a continuar nossos respectivos e ambiciosos esforços e progresso climático em nossos países, e nos comprometemos a ampliar, aprofundar e diversificar nossa cooperação bilateral em questões climáticas, em áreas como transição para uma economia global sustentável e de baixo carbono; cidades inteligentes; infraestrutura verde; desenvolvimento de indústrias verdes; energias renováveis, incluindo acesso e apoio a comunidades isoladas; mobilidade elétrica; inovação, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias verdes; e finanças e investimentos verdes. Pretendemos nos engajar de forma colaborativa no apoio à eliminação do desmatamento e da exploração madeireira ilegal global através da aplicação efetiva de suas respectivas leis de proibição de importações e exportações ilegais. Continuaremos a cooperar no desenvolvimento e compartilhamento de tecnologias, incluindo o novo satélite CBERS 6, que permitirá um melhor monitoramento da cobertura florestal. Além disso, promoveremos o intercâmbio de conhecimentos, melhores práticas e outras formas de cooperação para conservação e manejo sustentável das florestas, regeneração e reflorestamento de áreas degradadas.

12. O Brasil e a China promoverão diálogos políticos e compartilhamento de experiências sobre investimentos e finanças climáticas.

13. O Brasil e a China decidem estabelecer um Subcomitê de Meio Ambiente e Mudança Climática sob o Comitê de Coordenação e Cooperação de Alto Nível China-Brasil (COSBAN).

14. O Presidente Lula agradeceu ao Presidente Xi e ao governo chinês pela calorosa acolhida dada à delegação brasileira durante sua visita.

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