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Argentina bate recorde histórico de dengue, mas governo nega vacina gratuita

A gestão de Milei, ao contrário da evidência científica, põe em dúvida a efetividade da vacina

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Foto: Luis Robayo/AFP
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A intensa chuva desta semana na maior parte do país deve gerar uma proliferação de Aedes aegypti, acelerando a curva de contágios. O aumento de casos de dengue na Argentina é consequência de uma combinação de fatores climáticos com crise econômica que deixa seis de cada dez argentinos na pobreza. Diante da pressão social para que a vacina contra a doença seja distribuída de forma gratuita, o governo argentino, ao contrário da evidência científica, põe em dúvida a efetividade da vacina.

Nesta temporada, 95.705 pessoas foram contagiadas, um número suficiente para bater o recorde para o atual período do ano. Comparado com o mesmo período do ano passado, o número de casos aumentou 1.820%.

No entanto, devido aos tempos de processamento dos dados em todo o país, essa quantidade refere-se há duas semanas atrás. Como os contágios aumentam em mais de 15 mil novos contágios por semana, a Argentina já estaria com mais de 130 mil casos de dengue, número registrado em toda a temporada passada, a pior da história do país.

Na província de Buenos Aires, onde vivem cerca de 40% da população, o aumento é de 35.000%. Passou de 40 a quase 13.924 infectados.

Nestes dois primeiros meses do ano, foram 58 mortes. O mais provável é que março termine com mais de 65 mortes, o número registrado em 2023.

Epidemia contínua

O verão pode chegar ao fim, mas o pior continua por vir. Até a semana passada, a previsão era que a crista da onda de contágios acontecesse ao longo das próximas semanas, até meados de abril. Porém, a curva de contágios deve ser ainda maior depois desta semana.

Nos últimos três dias, choveu o dobro do que se esperava para todo o mês de março, um mês chuvoso. Espera-se para a próxima semana uma proliferação de Aedes aegypti, o mosquito da dengue.

Em entrevista com a RFI, um dos maiores especialistas da América Latina, Dr. Roberto Debbag, vice-presidente da Sociedade Latino-Americana de Vacinologia, explicou como as mudanças climáticas alteraram o ciclo de contágios.

Historicamente, a temperatura cai muito na Argentina a partir de abril e maio. Desde 2023, com o aumento da temperatura global, os invernos têm sido pouco rigorosos e a epidemia tornou-se contínua, sem interrupção no inverno.

“Desde o ano passado, não houve interrupção do surto epidêmico. A tropicalização, sobretudo no Norte do país, pode manter a epidemia contínua”, aponta Debbag.

Para se ter uma ideia da tendência, na Terra do Fogo, no extremo sul do continente, as temperaturas são baixas mesmo no verão. Neste ano, já foram registrados 386 casos na ilha.

Impacto socioeconômico

O aumento de casos de dengue na Argentina é consequência de uma combinação de fatores climáticos com aumento da pobreza. O efeito El Niño somou-se ao aquecimento da temperatura, enquanto a crise econômica deixou seis em cada dez argentinos pobres.

Roberto Debbag indica que a dengue é uma doença que afeta os mais pobres devido à falta de saneamento básico, à proximidade de lixos a céu aberto e a dificuldade de acesso à saúde.

“A dengue é uma doença da pobreza porque é mais perigosa nas populações vulneráveis”, conclui.

A crise econômica deixou até agora seis de cada dez argentinos pobres. Segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina, a pobreza estava em 44,7% em setembro, passou a 49,5% em dezembro, pulou para 57,4% em janeiro e já deve estar acima de 60%. A indigência passou de 10% a 15%.

“O aumento da pobreza na Argentina foi causado pela elevada inflação combinada com salários estagnados. Foi consequência da forte desvalorização da moeda, ponto de partida da política de choque do novo governo. Como os aumentos generalizados dos preços continuam, podemos estimar que tenha chegado a 60% em fevereiro”, avalia à RFI o pesquisador Eduardo Donza, um dos autores do estudo.

Negacionismo e ajuste fiscal

Com a onda de contágios, aumentou a pressão social para que a vacina contra a dengue seja distribuída de forma gratuita, como foi a vacina contra a Covid. No entanto, o governo do presidente Javier Milei nega esse pedido e até pôs em dúvida a efetividade da vacina contra a dengue, rejeitando, por isso, incluir o imunizante no calendário de Vacinação da Argentina, decisão que tornaria a vacina gratuita.

“A vacina ainda não está validada como estratégia para evitar a propagação. A Organização Mundial da Saúde, inclusive, indicou que não há evidência suficiente sobre a sua efetividade”, disse o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni.

O especialista Roberto Debbag considera que o governo deveria vacinar nas regiões onde há maior surto de dengue, justamente conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde.

“O governo deveria vacinar no Norte do país, onde há um surto epidêmico e onde há maior pobreza. Isso impactaria na redução da mortalidade porque a vacina demonstrou eficácia de 80% na redução da doença e de 90,5% de redução da probabilidade de hospitalização”, afirma Roberto Debbag, entrevistado pela RFI.

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