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‘A Rússia nunca foi nossa amiga’: Jovem ucraniano explica a fúria de sua geração contra Putin

Nacionalista e defensor do legado da Euromaidan, o professor Stanislav Dyachenko rejeita acusações do Kremlin contra o país

(Foto: Reprodução)
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Sem esconder sua aflição. O professor de geografia ucraniano Stanislav Dyachenko, 26 anos, reside em uma área onde as tropas russas ainda não chegaram, mas não esconde sua aflição. “No momento, está relativamente calma nossa região. Mas estamos há noites sem dormir. Acordo com qualquer tipo de som”, conta.

Preocupado, vê no contato com a reportagem de CartaCapital uma oportunidade de contar sua versão sobre a invasão do país e o conflito com o poderoso vizinho. “Sou muito grato por ajudarem a Ucrânia. Publique a verdade como ela é. É importante falar”, diz, com a ajuda do tradutor Marcelo Komarov, graduando em Geografia pela UERJ, onde desenvolve pesquisa sobre Geografia Escolar na Rússia e na Ucrânia.

Dyachenko foi um dos milhares de jovens estudantes que, em 2014, ocuparam a Praça Maidan, na capital Kiev, em um movimento que eclodiu com a anexação da península da Criméia pela Rússia e culminou na deposição do então presidente Viktor Yanukovtich, próximo a Vladimir Putin. Marcado por aqueles protestos, ele agora professa agora um nacionalismo “à flor da pele”. 

Falando ora em russo, ora em ucraniano, Stas, como prefere ser chamado, lembra com orgulho dos atos políticos de oito anos atrás: “A Revolução deixou uma marca profunda e inesquecível na história da Ucrânia. As consequências e as feridas não curadas ainda ecoam”, diz. E explica porque sua geração cresceu com ódio ao regime de Putin: “Como se pode gostar de alguém que proíbe a liberdade de expressão, traz destruição para a casa dos outros, mata? Não existe pessoa que possa justificar os crimes cometidos por Putin. Portanto, ele é percebido apenas como um ditador implacável, destruindo tudo o que vê em seu caminho”.

Ele também nega que o país esteja tomado pelo neonazismo, uma das principais justificativas de Vladimir Putin para a invasão. “Nós ucranianos não somos neonazistas, esta é a propaganda russa. Não há neonazistas na Ucrânia, há pessoas comuns que lutam por suas terras, famílias, pessoas”, rebate.

A realidade é mais complexa. Quando fala em “desnazificar” o país vizinho, o que o Kremlin quer dizer é que exige uma mudança de regime. Os russos exploram ao limite dois fatos inegáveis: o nacionalismo que impulsionou os protestos do Euromaidan é, ideologicamente, de extrema-direita. E nas regiões separatistas, o conflito entre rebeldes e forças armadas ucranianas – que já deixou um saldo de 14 mil mortes – conta, de fato, com o apoio de batalhões voluntários (e sanguinários) de extrema-direita, como o Azov.

Do ponto de vista institucional, porém, esses movimentos têm pouca influência.  O Estado ucraniano não é nazista. Na última eleição parlamentar , em 2019, o Pravyi Sektor, principal partido do ramo, teve 2% dos votos e ficou de fora do Parlamento. Além disso, a Rússia também convive a dispersão de milícias neonazistas.

Protestos contra Putin, na Ucrânia.
Foto: Valery HACHE / AFP

Indagado sobre a relação de “amizade histórica” que une Ucrânia e Rússia e sobre a possibilidade de forças externas estarem jogando gasolina na fogueira de um conflito que poderia ser evitado, Stas demonstra certa irritação: “Não é possível falar em amizade quando se trata da Rússia. Ela nunca foi nossa amiga, apenas fingiu ser. E quando começou a tomar nossos territórios se tornou nosso maior inimigo. Que tipo de amigo começa uma guerra, atinge prédios residenciais, ambulâncias, jardins de infância, hospitais, atinge civis com foguetes?”, indaga, antes de acrescentar: “A Ucrânia nunca se tornará amiga da Rússia, nunca cairá de joelhos e não desistirá de seus territórios”.

As declarações do jovem professor demonstram a popularidade do presidente Volodymyr Zelensky, classificado como “fantoche do Departamento de Estado dos EUA” pelos diplomatas russos. “Não é e nunca foi [fantoche]. A Rússia tem que aceitar a realidade de que nosso presidente, um ex-comediante, é um excelente comandante-em-chefe e defensor dos interesses de seu país. Ele é um presidente de verdade, não um covarde ou um fugitivo como nossos presidentes anteriores”.

Ele dá aulas em uma escola do ensino médio na região de Uzhhorod, próxima à fronteira com a Hungria e à vila de Turyi-Remety”, sua cidade natal. A guerra, naturalmente, faz parte da conversa com seus alunos adolescentes: “Digo a eles que, se nos rendermos, a antiga Europa cairá com certeza. E é certo que o mundo inteiro vai cair”.

 

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