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A raiva contra a máquina

Um centrista e uma imitação de Bolsonaro ameaçam a hegemonia do Partido Colorado

Olho mecânico. Peña e Alegre, representantes das forças tradicionais, aparecem em empate técnico. O azarão Cubas corre por fora e ameaça os favoritos – Imagem: Redes sociais e Norberto Duarte/AFP
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No domingo 30, cerca de 5 milhões de paraguaios estarão aptos a testar, pela primeira vez na história do ­país, as urnas eletrônicas. É a principal inovação na disputa de turno único incapaz até o momento de empolgar o eleitorado. O resultado é incerto e duvidoso. Santiago Peña, do Partido ­Colorado, representa a continuidade. ­Efraín Alegre, candidato de uma coalização de legendas de direita e esquerda, tenta quebrar a hegemonia colorada, enquanto o senador Payo Cubas, o “Bolsonaro iraúna”, experimenta um crescimento nas intenções de voto na reta final da campanha. Peña e Alegre aparecem em empate técnico, 33% e 32%, respectivamente. Cubas registra 23%. “O atual sistema foi preparado pelos colorados, que sempre arrancam com vantagem de cerca de um terço do eleitorado, devido ao controle do aparato estatal, afora a compra de votos, infelizmente naturalizada por aqui. Apesar disso, há divisões entre eles e a oposição pode vencer. Precisamos de uma alternância”, analisa Leo Rubin, aliado de Alegre e candidato ao Senado.

A expectativa de uma intensa participação dos jovens, que representam um terço do eleitorado, e a péssima avaliação do presidente Mario Abdo Benítez­ aumentam as chances de mudança no comando do país, mas o peso da tradição não pode ser ignorado. O Partido Colorado governa o Paraguai de forma quase ininterrupta há praticamente 70 anos, incluída a ditadura de Alfredo ­Stroessner. A única derrota da legenda aconteceu em 2008, quando o outsider Fernando Lugo conquistou a Presidência. Derrotados nas urnas, os colorados armaram, no entanto, um golpe no Parlamento e abreviaram o mandato de ­Lugo, em uma das mais despudoradas maquinações na infame história dos ­impeachments praticados na ­América do Sul.

Tanto Lugo, reconhecida liderança da esquerda local, quanto Abdo, rompido com uma ala da própria sigla, foram coadjuvantes na campanha deste ano. Assim como os eleitores, privados dos debates entre candidatos. As urgências da população, entre elas o aumento do custo de vida, o acesso à aposentadoria – estima-se que oito em cada dez paraguaios estejam fora do sistema de pensões – e as carências no atendimento à saúde, evidenciadas na pandemia e recorrentes no cotidiano do sistema público, acabaram ofuscadas pelo onipresente tema da corrupção. Assunto no qual se destaca o líder colorado e ­ex-presidente Horácio Cartes.

Conhecido pela alcunha de El Patron, o empresário colorado com atuação em diversos ramos, da comunicação à produção de tabaco, é acusado, entre outros crimes, de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. Suas contas foram bloqueadas pelos Estados Unidos e muitos dos produtos ilegais, especialmente cigarros, distribuídos por seu império teriam o Brasil como destino. Cartes seria uma âncora para Peña? “Ainda somos a melhor opção. Os grandes partidos construíram o ­Paraguai, tudo o que temos é graças ao grupo que fez obras, entre as quais ­Itaipu, uma das maiores empresas do mundo construída por um colorado. Trabalhamos pela ­unidade da sociedade”, garante Daniel Benítez, candidato a deputado, desconfiado dos levantamentos que apontam as chances de vitória dos adversários.

Em eleição de turno único, os paraguaios escolhem o próximo presidente no domingo 30

Algumas das pesquisas sugerem uma arrancada final de Cubas, cuja candidatura, supostamente, tem atraído os indecisos. Ancorado nas redes sociais, no discurso belicista e violento – certa vez, externou o desejo de matar 100 mil brasileiros – e na crítica ao sistema, a imitação de Bolsonaro tenta captar a frustração de um país excessivamente dependente da usina binacional de Itaipu e do agronegócio tupiniquim. “Decidi apoiar Payo, apesar de muitos dizerem que jogarei o voto fora por ele ser um candidato sem estrutura. Conheço muitos com a mesma linha de pensamento. Meus familiares votarão nos colorados, mas estou cansado desses governos. Alegre diz que colocará Cartes na cadeia, mas isso em nada resolve os nossos problemas”, afirma ­Martin Sanabria, mototaxista de 57 anos de ­Caaguazú, cidade na região oeste.

Segundo estatísticas oficiais, aproximadamente 250 mil brasileiros vivem no Paraguai, número maior que a população indígena local, calculada em 135 mil, conforme o censo de 2022. A presença numerosa e as ligações históricas entre as nações muitas vezes colocam o Brasil no centro da pauta da eleição local. A renegociação do tratado de Itaipu está no topo da agenda, mas há, em relação à pauta, pouca nuance entre os candidatos, que prometem a redução das tarifas de luz e a intensificação do uso da energia excedente para fomentar a indústria nacional. Todos se mostram otimistas na negociação de um acordo benéfico ao ­país com o presidente Lula.

A concentração de terras suscita, porém, divergências entre os candidatos. A produção de soja e a pecuária, com a presença marcante de latifundiários brasileiros, são duas das principais atividades econômicas e, devido à rápida expansão, colocam em risco biomas e comunidades inteiras, potencializando riscos de desastres ecológicos e sociais. Há praticamente duas vacas para cada habitante no ­país. “Queremos amparo jurídico para estar seguros em nossos territórios diante do assédio sofrido por nossos povos. Infelizmente, nenhum candidato coloca o assunto nas suas prioridades, apesar das injustiças existentes”, lamenta a militante indígena Paulina Villanueva, candidata ao Senado. A participação dos indígenas autodeclarados é praticamente nula nos espaços do Executivo e do Legislativo, também em disputa nesta eleição, com vagas para 45 senadores e 80 deputados.

Em contraste com uma campanha apática, a reta final guarda emoções, dada a incerteza do resultado. A oposição promete vigilância na contagem, por causa dos indícios de fraude em eleições anteriores. Em 2021, em uma série de protestos contra a corrupção, manifestantes colocaram fogo na sede do Partido Colorado na capital, Assunção. Agora decidem se castigam ou premiam, no próximo domingo, os senhores que os governam há décadas. •

Publicado na edição n° 1257 de CartaCapital, em 03 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A raiva contra a máquina’

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